27/04/2024

Crítica | O Dublê


"O Dublê" é uma homenagem afetuosa ao glamour do entretenimento clássico de Hollywood, guiado pelo encanto magnético de Ryan Gosling e pela habilidade magistral de David Leitch na direção. Este filme resgata a era dourada dos dublês e das estrelas de cinema versáteis, oferecendo um refúgio encantador em meio ao panorama cinematográfico saturado de efeitos especiais e tramas intricadas.

Ryan Gosling brilha no papel de Colt Seavers, personificando a nostalgia pela era das grandes estrelas, combinando charme com uma presença cativante na tela. Embora a trama inicialmente pareça simples, sua evolução habilmente entrelaça elementos de comédia romântica, mistério e ação, mantendo o público envolvido em uma narrativa bem equilibrada. A química entre Gosling e Emily Blunt é notável, embora Blunt, lamentavelmente, seja relegada a um segundo plano na segunda metade do filme, como Jody Moreno, a diretora fictícia do filme dentro do filme.

A maestria de David Leitch em equilibrar personagens, humor e ação é evidente, com cenas de acrobacias impressionantes que evocam uma época em que os dublês arriscavam suas vidas para entreter o público. A trilha sonora é outro belo destaque e acerta nas escolhas, como a da música "I Was Made for Lovin' You" do KISS, que adiciona um toque nostálgico à narrativa, relembrando os espectadores de uma era em que a ação e a comédia romântica reinavam em Hollywood.

Se tem uma coisa que me chama atenção em filmes são referencias e aqui o filme surpreende os cinéfilos com diversas referências irreverentes e escrachadas a alguns clássicos do cinema. Os fãs de cinema encontrarão um verdadeiro deleite ao identificar essas alusões inseridas na trama. Mas há mais do que apenas referências: a produção reserva uma participação especial, mantida em segredo, que se encaixa perfeitamente na essência do filme, acrescentando um toque de maravilha e completando a experiência cinematográfica de forma excepcional.

Entre os personagens secundários, alguns momentos deixam a sensação de que eles poderiam ter recebido um pouco mais de destaque na trama. Embora isso não prejudique a experiência geral do filme, desperta o desejo de explorar mais a fundo esses personagens cativantes que cruzam o caminho dos protagonistas.

Claro que um filme chamado "O Dublê" não poderia deixar de transmitir uma mensagem sobre a importância dos dublês na indústria cinematográfica, e de uma forma bem legal o filme oferece uma experiência de entretenimento puro e descompromissado em contraste com os blockbusters atuais que são repletos de CGI. Nos creditos conseguimos ver algumas cenas reais dos dublês de Ryan Gosling, conectando o público ainda mais à autenticidade da produção.

"O Dublê" é uma carta de amor ao glamour do cinema clássico de Hollywood, destacando a importância dos dublês com uma mistura encantadora de ação, humor e romance. Com cenas de acrobacias impressionantes e referências irreverentes a cultura pop, o filme oferece uma fuga nostálgica e autêntica do cinema contemporâneo, evitando os excessos de CGI, e deixando o público com uma sensação duradoura de encanto e nostalgia.

Nota: 4.5/5.0

25/04/2024

CRÍTICA | A NATUREZA DO AMOR


O longa franco-canadense "A natureza do amor", dirigido por Monia Chokri, é um romance carregado de drama e com um toque de comédia que aborda a história de Sophia, uma professora universitária de 40 anos de idade que se vê diante de uma paixão avassaladora por um homem completamente diferente da sua realidade.

A trama se desenvolve de forma natural ao retratar num primeiro momento o relacionamento extremamente confortável, para não dizer cômodo, de Sophia com Xavier. Um homem intelectual que, assim como sua amada, entende de diversos assuntos como filosofia, política, vinhos e arte. Após comprarem um chalé no campo que necessita de diversas reformas, Xavier contrata Sylvian, o empreiteiro responsável pela obra, por quem Sophia se apaixona.

A partir desse momento, Monia Chokri nos presenteia com um roteiro que traz todas as nuances que uma paixão carrega na vida real. O desejo, os sonhos, as inseguranças, as diferenças e semelhanças são colocadas na balança por Sophia, muito bem interpretada pela atriz Magalie Lépine Blondeau que consegue transparecer com bastante naturalidade todos os sentimentos vividos pela sua personagem nesta montanha russa de emoções.



O título do filme é destrinchado de forma brilhante através das aulas de Sophia, que aborda a complexidade do amor e surge ao longo da trama parafraseando filósofos famosos como Platão e Bell Hooks. As narrações, que aparecem de maneira pontual, fazem uma conexão com o momento pelo qual a protagonista está passando na trama.


Carregado de cenas sensuais muito bem trabalhadas em cores quentes, gestos e sons, o longa ainda traz uma trilha sonora envolvente e cenas de humor que aproximam o espectador do filme. A trama também levanta discussões acerca da humanidade, política e feminismo, deixando nítido os posicionamentos de Chokri, conhecida por abordar temas provocativos em suas obras.


Aclamado em Cannes e com o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no César 2024, a maior premiação de cinema da França, "A natureza do amor" aborda de forma criativa e real toda a complexidade que envolve o simples ato de se apaixonar.


Nota: 4.0/5.0


CRÍTICA | CONTRA O MUNDO


"Contra o Mundo" é um filme que se aventura em uma linha do tempo sombria e distópica, onde a vingança é o motor que impulsiona o protagonista, conhecido apenas como "Garoto", interpretado por Bill Skarsgård, em sua jornada contra a tirania da família Van Der Koy. A premissa apresentada é intrigante: um menino órfão, surdo e sem voz, jurando vingança após sua família ser brutalmente assassinada pela matriarca de uma dinastia pós-apocalíptica. No entanto, apesar dessa premissa promissora, a execução do filme deixa muito a desejar em termos de profundidade e coesão narrativa.

Bill Skarsgård entrega uma performance sólida, transmitindo a determinação e a ferocidade de seu personagem principalmente através de sua expressão física. No entanto, a escolha de não escalar um ator com deficiência auditiva para o papel principal levanta questões sobre a autenticidade da representação de pessoas com deficiência que o filme tenta propor.


O enredo apresenta sequências de ação intensas e coreografadas, mas a edição frenética muitas vezes dificulta a apreciação desses momentos. A trilha sonora, o locutor e um dialeto peculiar adicionam camadas desnecessárias, deixando a sensação de que a narrativa está constantemente em movimento sem nunca se aprofundar verdadeiramente em suas temáticas ou personagens.

A violência apresentada é extrema, o que, junto com as reviravoltas da trama, parece mais interessado em chocar o público do que em desenvolver uma história coesa e significativa. O filme parece ser mais um episódio de uma série estilo “Demolidor” do que uma obra que realmente ressoa com o espectador e inspira admiração no cinema.

Embora "Contra o Mundo" possa atrair o público mais jovem, imerso em uma cultura de entretenimento acelerado e referências pop, sua falta de desenvolvimento dos personagens e sua abordagem superficial deixam uma sensação de vazio. O filme parece ser apenas uma mistura de elementos estilísticos exuberantes com referências pop, e falha em oferecer uma experiência verdadeiramente impactante

24/04/2024

CRÍTICA | RIVAIS


"Rivais", dirigido pelo talentoso Luca Guadagnino, mergulha os espectadores em um turbilhão emocional onde os limites entre amor, ambição e rivalidade se entrelaçam de forma complexa e sedutora. Nesta trama não linear, somos apresentados a um "trisal" mal resolvido, cuja dinâmica é exposta ao longo de diferentes períodos temporais, mantendo o público envolvido e intrigado desde o primeiro momento.

O elenco, encabeçado por Zendaya, Mike Faist e Josh O'Connor, entrega performances magnéticas, exalando talento e carisma em cada cena. A química entre os protagonistas é palpável, adicionando uma camada extra de tensão, emoçãoe tesão a um enredo já carregado de conflitos e paixões conturbadas.

O cenário do mundo do tênis serve como pano de fundo perfeito para esta história de rivalidade e redenção. Guadagnino não poupa esforços em retratar realisticamente a intensidade e a exigência desse esporte, culminando em algumas sequências de jogos eletrizantes e visualmente impressionantes.


A trilha sonora, aliada ao uso criativo de câmeras lentas, contribui para a atmosfera envolvente do filme, amplificando o drama e a tensão em momentos-chave. A direção de fotografia de Sayombhu Mukdeeprom é simplesmente deslumbrante, capturando cada detalhe com uma sensibilidade estética que eleva a experiência de ver o filme a um outro nível, em alguns momentos temos closes em rostos suados e em outros estamos tensos acompanhando de perto uma partida emocionante de tênis.

O roteiro, inteligentemente construído, utiliza elementos como a "Arma de Tchekhov" de maneira magistral, oferecendo ao público uma narrativa rica em nuances e reviravoltas inesperadas. Os diálogos são afiados e reveladores, explorando as complexidades dos personagens e suas motivações ocultas.


O desfecho de "Rivais" é um testemunho da ousadia e originalidade do filme, provocando reações diversas e garantindo debates acalorados entre os espectadores. Para alguns, será uma conclusão satisfatória e impactante, enquanto para outros poderá gerar frustração ou perplexidade. Pessoalmente, eu fico entre os que admiraram e aplaudiram a coragem da equipe criativa em desafiar o obvio e oferecer uma conclusão que se distancia do previsível. 

"Rivais" é um mergulho profundo nas complexidades das relações humanas, é arrebatador e de tirar o fôlego. Luca Guadagnino conduz muito bem a narrativa, explorando os intricados laços emocionais entre os personagens enquanto explora o mundo competitivo do tênis. O filme oferece uma visão cativante e emocionante dessa rivalidade, envolvendo o espectador em uma jornada que vai muito além das linhas da quadra.

23/04/2024

CRÍTICA | FÉRIAS TROCADAS


"Férias Trocadas" chega aos cinemas brasileiros trazendo consigo uma proposta simples, porém extremamente eficaz: uma comédia leve e descontraída que promete arrancar risadas do público do início ao fim. Sob a direção de Bruno Barreto e com a produção da Paris Filmes, o filme entrega uma história clássica de troca de identidades, mas com um toque especial de humor nordestino e personagens carismáticos.

A trama gira em torno de José Eduardo, carinhosamente chamado de Zé, um homem simples e bem-humorado que, por meio de uma rifa, ganha uma viagem para Cartagena. Animado com a oportunidade de aventura, ele parte para a Colômbia na companhia de sua esposa e filha blogueira. No entanto, uma confusão na reserva de hotel acaba colocando-os em um luxuoso resort, ao invés da modesta pousada que esperavam. Enquanto isso, do outro lado da história, um empresário arrogante, também chamado José Eduardo, e sua família acabam no lugar de Zé, resultando em uma série de situações cômicas e inesperadas.

Edmilson Filho brilha em cena ao interpretar os dois lados de seus personagens, entregando performances distintas e extremamente divertidas. Sua química com Aline Campos, que interpreta sua esposa, é evidente, contribuindo para o clima descontraído do filme. Klara Castanho também se destaca como a blogueira Rô, adicionando carisma ao elenco com sua performance cativante.


O filme não se destaca pela originalidade de sua trama, seguindo a fórmula clássica de comédias de troca de identidades. No entanto, o roteiro bem escrito e as situações bem elaboradas conseguem manter o interesse do público, explorando as diferenças entre os ambientes e personagens de uma forma muito interessante.

Com piadas leves e um humor acessível, "Férias Trocadas" é uma ótima opção para quem busca um momento leve e descontraído no cinema. O filme é uma verdadeira celebração do humor brasileiro, com sua narrativa divertida e personagens carismáticos que certamente conquistarão o público.

"Férias Trocadas" é uma comédia divertida que, embora possa não trazer uma história inovadora, certamente proporcionará boas risadas e momentos de descontração para quem assistir. É o tipo de filme perfeito para ser desfrutado em uma tarde relaxante no cinema, garantindo diversão garantida para todos os espectadores.

Nota: 3.5/5.0

18/04/2024

Crítica | Abigail


"Abigail" chega aos cinemas trazendo uma ousada e diferente incursão no mundo dos vampiros, desafiando algumas convenções do gênero ao abraçar o cômico e o absurdo com fervor. Sob a direção de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, e com a produção de Chad Villella, o filme mergulha os espectadores em uma jornada vertiginosa repleta de humor e sangue jorrando em proporções épicas, tão épicas que o longa foi classificado para maiores de 18.

A trama começa com um enredo aparentemente familiar: um grupo de criminosos aceita um trabalho para sequestrar a filha de um homem poderoso. No entanto, a reviravolta vem quando descobrem que a doce e inocente Abigail, a bailarina de doze anos, esconde um segredo sombrio - ela é uma vampira insaciável, sedenta por sangue e jogos de caça. Alisha Weir brilha no papel de Abigail, misturando a graça de uma bailarina com a brutalidade vampiresca e essa mistura é o charme do filme, ao mesmo tempo fascinante e hilária.


O elenco de apoio se destaca, com performances notáveis e bem engraçadas de Dan Stevens como o astuto Frank e Melissa Barrera como a empática Joey. Destaque também para Giancarlo Esposito, que mesmo com um papel de figurante de luxo, deixa sua marca nos minutos que aparece. Kevin Durand como Peter traz uma dose adicional de humor a cada momento em que está em tela. Enquanto alguns filmes de terror falham ao tentar ser excessivamente sérios, "Abigail" triunfa ao abraçar o lado lúdico e até mesmo bobo de seus personagens, mérito total deste elenco de apoio que consegue te fazer rir e deixar tenso com as situações enfrentadas na trama.

A abordagem de terror se faz presente em cenas sangrentas e vívidas que homenageiam os grandes clássicos do gênero. Desde explosões de corpos até chuvas de vísceras e entranhas, "Abigail" oferece um espetáculo visualmente impressionante para quem gosta do horror e do gore. Como um bom terror cômico o filme consegue equilibrar o macabro com a diversão, resultando em uma experiência que oscila entre sustos genuínos e boas risadas.


Embora o roteiro possa se tornar um pouco prolixo em sua exposição e diálogos, ele mantém o público engajado com plot-twists inteligentes e referências divertidas à cultura pop do terror e vampiresca, vamos de "Nosferatu" a "Crepúsculo" em minutos. E, em meio a toda a carnificina, há um tema emocional subjacente de conexão entre pais e filhos, que adiciona uma certa profundidade à trama.

"Abigail" não tem medo de ser diferente. Desde seu início mais cadenciado até seu explosivo e caótico terceiro ato, o filme é uma explosão de diversão e terror com uma talentosa bailarina, que na verdade é uma vampira sanguinária. Seu humor irreverente e sua abordagem diferente das convenções vampirescas fazem dele uma adição refrescante ao universo dos vampiros no cinema. Para quem busca uma mistura de terror, comédia e um toque de lúdico, "Abigail" é uma escolha certeira.

Nota: 4.0/5.0

14/04/2024

Crítica | Guerra Civil


"Guerra Civil" chega aos cinemas no dia 18 de abril e mergulha de cabeça no turbilhão violento de uma guerra civil nos Estados Unidos, mas sua verdadeira essência reside na jornada dos fotojornalistas que arriscam suas vidas para capturar a realidade crua e visceral dos conflitos. Dirigido com maestria por Alex Garland, o filme nos guia por uma emocionante "road trip" através de uma América dilacerada pela violência, enquanto nos mostra os desafios, dilemas éticos e sacrifícios enfrentados pelos profissionais da imprensa em busca de verdades e de uma imagem perfeita.

Se tem um aspecto que chama atenção desde os primeiros minutos de "Guerra Civil" é a cinematografia, cada cena é meticulosamente composta, capturando a devastação e o caos de um ambiente de guerra com uma beleza sombria. A experiência de assistir a este filme em IMAX é verdadeiramente arrebatadora, mergulhando o espectador em um mundo de destruição e desespero. Os detalhes visuais não passam despercebidos, adicionando camadas de profundidade à narrativa e ressaltando a habilidade de Rob Hardy (diretor de fotografia) em criar uma atmosfera imersiva. 


Além da cinematografia, a mixagem de som e a trilha sonora desempenham um papel crucial na construção da tensão e do realismo do filme. Cada disparo de arma ressoa na sala de cinema, transportando o público para o calor do conflito e intensificando a experiência sensorial. A música complementa perfeitamente as cenas, amplificando as emoções e acentuando os momentos de ação e angústia.

O elenco de "Guerra Civil" entrega performances excelentes, com destaque para Wagner Moura, Kirsten Dunst e Cailee Spaeny. Wagner Moura brilha em seu papel como um fotojornalista com uma pitada de loucura e humor, proporcionando alívio cômico em meio à carnificina da guerra. Kirsten Dunst traz uma profundidade cativante a sua personagem, retratando uma profissional disposta a arriscar tudo em nome da captura da verdade. No entanto, é Cailee  Spaeny quem rouba a cena como a jovem e destemida "estagiária", cuja determinação e inocência cativam o público e refletem a jornada de crescimento e aprendizado enfrentada pelos protagonistas.


A trama de "Guerra Civil" vai muito além de simplesmente retratar os horrores da guerra. Ela explora temas complexos como ética, humanidade e o papel da imprensa em momentos de crise. O filme lança luz sobre as dificuldades enfrentadas pelos fotojornalistas, que se encontram constantemente em um dilema moral entre documentar a realidade e intervir para ajudar aqueles em perigo. Esta dualidade é explorada de maneira franca e honesta, oferecendo uma visão poderosa e comovente da profissão.

"Guerra Civil" é uma verdadeira aula de fotojornalismo em forma de filme. Com um ritmo eletrizante e uma estética incrível, é definitivamente um dos melhores filmes do ano. Um testemunho da resiliência humana, da busca pela verdade e do poder transformador da imagem. Um filme que não apenas merece ser visto, mas também refletido e discutido, especialmente nas salas de aula de jornalismo, onde sua mensagem ressoará por muito tempo.

Nota: 5.0/5.0

11/04/2024

Crítica | A Paixão Segundo G.H.


"A Paixão Segundo G.H.": É uma jornada profunda no labirinto da existência de Clarice Lispector, o mais novo filme do diretor Luiz Fernando Carvalho é uma adaptação cinematográfica fascinante do renomado romance homônimo de Clarice Lispector, trazendo à tela a mente fragmentada e os devaneios existenciais da protagonista de maneira sinestésica e desafiadora. Luiz Fernando Carvalho além de diretor é roteirista e produtor do filme, e ele consegue fazer com que o filme mergulhe nas profundezas da subjetividade de G.H., uma escultora que é interpretada por Maria Fernanda Cândido, cuja vida é transformada após um encontro perturbador em sua própria casa.

Luiz Fernando Carvalho opta por uma abordagem radical, adotando o fluxo de pensamento característico do romance para conduzir a narrativa. Isso resulta em um filme denso e poético, onde as reflexões e os devaneios da protagonista são entrelaçados com imagens estilizadas e sons intensos, criando uma atmosfera de pesadelo íntimo, porém mostrando um lado oculto da arte.


A fotografia, assinada por Paulo Mancini e Miquéias Lino, desempenha um papel crucial na construção dessa atmosfera, enquanto a performance impecável de Maria Fernanda Cândido dá vida à complexidade emocional de G.H. A atriz entrega através da narração do livro, monólogos que evocam uma gama de sentimentos e hesitações, destacando-se em uma cena particularmente marcante e nojenta envolvendo a morfologia de uma barata.

O diretor equilibra habilmente as palavras e as imagens, criando um retrato multifacetado de G.H. e seu mundo interior em constante fluxo apesar de várias perturbações. Embora a abordagem experimental do filme possa desorientar alguns espectadores, aqueles que se entregarem ao redemoinho interior de G.H. serão recompensados com uma experiência cinematográfica singular e provocativa.

"A Paixão Segundo G.H." não é apenas uma adaptação do romance de Clarice Lispector, mas sim uma exploração profunda da condição humana e das angústias femininas. Luiz Fernando Carvalho demonstra sua paixão pela interseção entre literatura e cinema, desafiando convenções narrativas e nos levando a uma jornada intrigante e desafiadora através da arte e de toda complexidade da literatura brasileira.

Nota: 5.0/5.0

07/04/2024

Crítica | Evidências do Amor


Evidências do Amor chega aos cinemas brasileiros trazendo uma viagem musical e romântica através do tempo, em uma paráfrase do filme "Inception" onde sonhos são vividos dentro de outros sonhos, uma experiência tão real que muda a realidade dos personagens, algo bem diferente e que logo de inicio chama a atenção.

Pela primeira vez o cinema brasileiro abraça uma abordagem realmente inovadora, explorando o poder das canções populares em narrativas cinematográficas, com foco total na música e não no artista. Neste filme, a icônica canção "Evidências" escrita por José Augusto e Paulo Sergio Valle e interpretada por Chitãozinho & Xororó, torna-se mais do que apenas uma trilha sonora, transformando-se em um elemento mágico que conduz o protagonista, Marco Antônio (interpretado por Fábio Porchat), por uma jornada de autoconhecimento e reflexão sobre seu relacionamento com Laura (interpretada por Sandy).


O enredo mergulha numa mistura de romance, sonhos e segundas chances, onde Marco Antônio é transportado literalmente para o passado sempre que ouve os acordes de "Evidências". Essa viagem no tempo não é usada para alterar o passado, mas sim para que o protagonista possa entender melhor os eventos que levaram ao fim de seu relacionamento. É como se ele pudesse retroceder no tempo e encontrar as evidências dos erros que pensava não ter cometido. O filme faz uso desse recurso de forma intensiva, enquanto os personagens acompanham o público na compreensão de como isso pode ajudá-los a se tornarem pessoas melhores.

A trilha sonora, destacando a música de José Augusto e Paulo Sérgio Valle na voz de Chitãozinho e Xororó, desempenha um papel fundamental na narrativa, sendo revisitada várias vezes ao longo do filme. Surpreendentemente, mesmo com suas múltiplas versões, a música não se torna saturada; pelo contrário, ela adiciona uma camada de suspense, deixando o espectador ansioso para descobrir qual memória do casal será explorada em seguida.



A parte cômica do filme destaca-se com a performance de Fábio Porchat e Evelyn Castro, cuja química em cena proporciona momentos de muito humor e emoção. Porchat, em particular, equilibra bem os momentos de comédia com uma representação sincera dos traumas emocionais de seu personagem. Já Sandy não tem um viés cômico e sim mais dramático, e continua sendo a Sandy que conquistou milhões de fãs por aí.

O filme busca explorar o contraste entre seus personagens, refletindo sobre a máxima popular de opostos que se atraem. No entanto, enquanto o filme se esforça para ser descolado e moderno, acaba sendo mais retrô em sua abordagem, evocando um sentimento de nostalgia através de sua estética e trilha sonora.

"Evidências do Amor" entrega uma história sobre amor, perdão e autoconhecimento, embalada pelas melodias cativantes de uma das canções mais amadas do país. Apesar de alguns gaps, o filme proporciona momentos de diversão e reflexão, servindo como uma celebração da música popular brasileira e de suas histórias de amor atemporais

Nota: 4.0/5.0

04/04/2024

Crítica | Jorge Da Capadocia


Jorge da Capadócia chega aos cinemas mostrando que o cinema nacional está vivendo uma fase inovadora, mergulhando na história do santo católico São Jorge. Sob a direção cuidadosa e perspicaz de Alexandre Machafer, o filme nos transporta para o ano de 303 D.C., um momento crucial na história do Império Romano, onde a fé cristã enfrentava uma perseguição feroz liderada pelo imperador Diocleciano.

A narrativa se desenrola em torno de Jorge, interpretado polo também diretor Alexandre Machafer, um capitão do exército romano cuja lealdade é testada quando confrontado com a brutalidade das ordens do imperador contra os cristãos. O roteiro, assinado por Matheus Souza, mergulha profundamente na jornada emocional de Jorge, enquanto ele enfrenta o dilema entre sua devoção à sua fé e às suas convicções morais, e a pressão esmagadora do poder político.


Um dos pontos fortes do filme é a sua autenticidade visual e ambiental. As locações são deslumbrantes, transportando o espectador para a atmosfera turbulenta e opressiva do Império Romano. Os efeitos especiais são impressionantes, especialmente nas cenas envolvendo o dragão, onde cada detalhe é meticulosamente elaborado para criar uma experiência visual rica e imersiva.

O figurino também merece destaque, contribuindo para reforçar a sensação de autenticidade histórica. Cada traje é cuidadosamente elaborado para refletir a época e o status dos personagens, adicionando camadas de profundidade à narrativa.


A ascensão de Jorge é retratada de forma escalonada e convincente, com o filme explorando seu crescimento pessoal e espiritual de maneira cativante. No entanto, em alguns momentos, o ritmo da narrativa pode parecer um pouco lento, mas isso é compensado pela riqueza do enredo e pela profundidade dos personagens.

Além disso, "Jorge da Capadócia" acerta ao explorar todo o viés religioso do personagem, oferecendo uma visão fresca e perspicaz sobre a história de São Jorge. O filme transcende os padrões convencionais do cinema nacional, apresentando uma narrativa rica e envolvente que ressoa com diversos públicos.

"Jorge da Capadócia" é umq filme que não apenas educa e inspira, mas também desafia as expectativas do público. É uma jornada emocionante e edificante que merece ser vista e apreciada por todos. Uma oportunidade imperdível para mergulhar na história fascinante de um dos santos mais venerados do mundo.

Nota: 4.0/5.0

Crítica | A Primeira Profecia


Em "A Primeira Profecia", o diretor Arkasha Stevenson nos leva a uma viagem sinistra causadora de arrepios e tensão, mas eventualmente atormentada por suas próprias ambições e conexões com o clássico “A Profecia” de 1976 que o inspirou.

A trama traz a noviça Margaret, interpretada brilhantemente por Nell Tiger Free, cuja vida se entrelaça com eventos sombrios após sua chegada a um convento em Roma. Com um padre misterioso (interpretado por Bill Nighy) e uma aura de prenúncio, o filme mergulha em um universo de terror que promete momentos de susto e suspense, porém só promete mesmo pelos trailers, mas não entrega tanto.


A performance de Nell Tiger Free se destaca e é o grande diferencial do filme, pois ela incorpora com uma fotografia belíssima trazendo momentos importantes e necessários, oferecendo nuances e intensidade, especialmente em uma cena marcante no clímax do filme. No entanto, apesar de sua presença marcante, o filme muitas vezes vacila em manter o equilíbrio entre sutileza e histeria, especialmente à medida que a trama se desenrola dando “muito enfoque na criança errada”.

Bill Nighy e Ralph Ineson trazem peso e gravidade aos seus papeis, mas acabam sobrecarregados pela exposição e pela complexidade do universo de “A Profecia”. O filme se debate em sua própria mitologia enquanto tenta alcançar seu desfecho pré-ordenado, deixando algumas pontas soltas no caminho e uma grande correria no fim, os efeitos sonoros são de extrema importância aqui junto com a fotografia dão a emoção ao filme, porém gastam tempo demais nisso.


Apesar de seus tropeços, o filme entrega momentos de terror visceral, perturbador e sangrento (incluindo uma cena de morte perante crianças). Desde conflitos sobre a sanidade de Margaret até imagens impactantes que exploram os abusos dentro da Igreja Católica, o filme não hesita em incomodar e perturbar o espectador. No entanto, sua confiança excessiva em choques visuais em detrimento de uma narrativa mais coesa pode deixar alguns espectadores desejando por uma abordagem mais equilibrada. 

"A Primeira Profecia" oferece uma jornada sombria que de fato prende a atenção e está recheada de "jump scare", é um filme perfeito para uma noite bem silenciosa de outono enquanto as sombras se espalham.

Nota: 4.0/5.0