22/08/2024

crítica | Estômago 2: O Poderoso Chef

Estômago 2: O Poderoso Chef é uma sequência que, mesmo carregando o peso de um antecessor icônico, consegue se destacar com uma identidade própria e uma ambição internacional que poucos filmes brasileiros ousaram atingir. Dirigido por Marcos Jorge, o filme leva os espectadores de volta ao mundo gastronômico e criminal que cativou o público em 2007, mas com uma nova abordagem que, ao mesmo tempo que homenageia, também ousa se desviar das expectativas estabelecidas pelo primeiro filme.

A trama, que se desenrola em duas linhas temporais simultâneas, continua a explorar a interseção entre comida e poder, mas desta vez com um foco renovado. Em vez de seguir o querido Raimundo Nonato, interpretado por João Miguel, o filme nos apresenta Roberto, interpretado por Nicola Siri, um ator fracassado que se transforma em Don Caroglio, um chefe da máfia siciliana. Essa mudança de protagonista pode desagradar alguns fãs do original, mas é justamente essa ousadia que dá ao filme sua força e originalidade. Roberto é um personagem complexo, cuja jornada de ator decadente a mafioso é marcada por uma dualidade crescente e complexa.

O filme faz uso eficaz de uma narrativa fragmentada, que não apenas mantém o espectador atento, mas também permite que a história de Roberto se desenrole de forma rica e interessante. A fotografia impecável colabora para criar uma atmosfera tensa e cinematograficamente sofisticada, que dialoga diretamente com o imaginário popular sobre a máfia italiana. No entanto, a decisão de relegar Raimundo Nonato a um papel secundário pode ser vista como um ponto fraco. Embora João Miguel brilhe sempre que está em cena, a trama principal acaba por ofuscá-lo, transformando-o em um coadjuvante de luxo em seu próprio universo.

O grande destaque, no entanto, vai para a atuação de Nicola Siri, cuja interpretação de Don Caroglio é simultaneamente carismática e ameaçadora. Siri transita com fluidez entre o português, italiano e inglês, trazendo uma autenticidade rara e necessária para um filme que aspira a um público global. A sua performance é o verdadeiro prato principal deste banquete cinematográfico, e é ela que mantém o filme em pé, mesmo quando o roteiro deixa algumas pontas soltas.

Embora "Estômago 2: O Poderoso Chef" não seja perfeito e apresente alguns momentos em que a narrativa se torna empacada ou perde o foco, ele ainda assim oferece uma experiência rica e satisfatória. O filme se mantém fiel ao espírito do original, mas com uma nova roupagem que dialoga com as tendências atuais do cinema e o crescente nicho por narrativas culinárias. 

Estômago 2: O Poderoso Chef é uma prova do amadurecimento do cinema nacional. Com uma produção mais ambiciosa que seu antecessor, o filme consegue ser ao mesmo tempo divertido e reflexivo, e tem potencial para conquistar audiências tanto no Brasil quanto no exterior. Raimundo Nonato, com sua faca e seu talento, mais uma vez mostra que a comida pode ser uma poderosa arma — e o cinema brasileiro, um banquete para os cinéfilos.

21/08/2024

crítica | Pisque Duas Vezes


Dirigido por Zoë Kravitz, “Pisque Duas Vezes” é uma ousada estreia na direção que entrelaça suspense psicológico, humor ácido e uma incisiva crítica social. O filme segue Frida, interpretada por Naomi Ackie, uma jovem ambiciosa que é convidada para uma ilha paradisíaca pertencente ao bilionário da tecnologia Slater King interpretado por Channing Tatum. O convite, inicialmente, parece ser uma oportunidade dos sonhos, mas rapidamente se transforma em um pesadelo de luxo, onde a opulência esconde segredos sinistros. Zoë Kravitz, mais conhecida por seu trabalho como atriz em The Batman, demonstra um domínio surpreendente da narrativa visual, usando uma cinematografia atmosférica que prende o espectador do início ao fim.

A ilha, com seu cenário de tirar o fôlego, é filmada de maneira a capturar tanto sua beleza quanto sua claustrofobia crescente. Zoë Kravitz utiliza o espaço para criar uma tensão impressionante, onde cada cenário, por mais luxuoso que seja, carrega uma sensação de perigo iminente. Essa dualidade entre o sonho e o pesadelo permeia o filme, com Frida navegando entre a admiração e a desconfiança. A personagem, que começa deslumbrada pela generosidade de Slater, logo percebe que a realidade é muito mais complexa e perturbadora do que aparenta. Naomi Ackie entrega uma performance poderosa, trazendo à tona a vulnerabilidade e a determinação de Frida, enquanto ela tenta desvendar os mistérios que a cercam.


Pisque Duas Vezes não é apenas um thriller psicológico, é também uma crítica mordaz ao mundo dos super ricos e às dinâmicas de poder que governam suas interações. Em uma atualidade onde questões de consentimento e abuso de poder estão constantemente em discussão, o filme se destaca por sua crítica social afiada. Slater King, traz um carisma especial de Channing Tatum, principalmente em uma cena específica com apenas duas palavras (I’m sorry) sendo repetidas várias vezes aumentando a tensão da cena, ele é o típico milionário encantador que esconde intenções perigosas sob uma fachada de filantropia e charme. A dinâmica entre Slater e Frida explora a tensão entre privilégio e vulnerabilidade, e como o poder pode corromper até as relações mais aparentemente inocentes.

A direção de Kravitz é estilisticamente audaciosa, mas não sem falhas. O roteiro, co-escrito por ela, começa com uma premissa intrigante e uma construção de mundo rica, mas, à medida que a trama avança, ela se enreda em sua própria complexidade. A narrativa, que inicialmente cativa com seu mistério e tensão, começa a perder o fôlego na segunda metade do filme. O ritmo torna-se irregular, e algumas das reviravoltas, embora impactantes, podem parecer previsíveis para espectadores mais experientes em thrillers. Contudo, esses deslizes não tiram o mérito do filme, que continua sendo uma obra esteticamente impecável e emocionalmente poderosa.

O uso da música e do som em Pisque Duas Vezes merece destaque. Kravitz seleciona uma trilha sonora que amplifica a atmosfera de tensão e isolamento da ilha. Cada nota parece cuidadosamente escolhida para aumentar a sensação de desconforto, enquanto os silêncios estratégicos criam momentos de pura ansiedade. Esse cuidado com o som, combinado com a cinematografia imersiva, eleva o filme, transformando-o em uma experiência sensorial completa.


Outro aspecto interessante do filme é a exploração das relações humanas sob pressão. Zoë Kravitz constroi personagens complexos que, à medida que o filme avança, revelam camadas inesperadas. O elenco de apoio, incluindo performances compactas mas eficazes de atores como Adria Arjona, Alia Shawkat, Haley Joel Osment e Christian Slater contribui para a riqueza do enredo, oferecendo perspectivas adicionais sobre o microcosmo de poder e privilégio que Kravitz critica. Cada personagem é um reflexo das diversas facetas da sociedade moderna, onde o poder se manifesta de maneiras sutis e nem sempre óbvias.

Pisque Duas Vezes é ousado e estiloso e se destaca como uma experiência única. Kravitz prova ser uma diretora talentosa, capaz de criar um filme que não só entretém, mas também provoca reflexão. Este é o tipo de filme que pode ganhar um culto de seguidores, especialmente entre aqueles que apreciam narrativas que desafiam a percepção da realidade. Se você está em busca de uma experiência que mistura suspense psicológico com uma dose saudável de mistério, "Pisque Duas Vezes" certamente merece um lugar na sua lista.

20/08/2024

CRÍTICA | Meu Amigo Pinguim

Meu Amigo Pinguim, dirigido por David Schurmann, é um exemplo de como uma narrativa simples pode tocar profundamente o público quando apresentada com sinceridade e autenticidade. O filme é baseado na história real do vínculo entre um pescador brasileiro, João, e um pinguim argentino chamado DinDin, destacando a relação improvável e comovente que se desenvolve entre eles.

Jean Reno, no papel de João, oferece uma performance espetacular e carregada de emoções como um homem em luto, cuja vida é transformada pela chegada inesperada de DinDin. Jean Reno transmite com muita realeza a dor e a alegria de seu personagem, proporcionando uma interpretação que é ao mesmo tempo vulnerável e impactante. Adriana Barraza, como Maria, a esposa de João, adiciona uma camada de estabilidade emocional e serenidade à história, equilibrando o drama com uma presença constante e reconfortante de uma história muito triste inicialmente.

A escolha de usar pinguins reais na grande maioria das cenas, em vez de animações ou efeitos especiais, confere ao filme uma autenticidade que é rara em produções do tipo. A cinematografia de Anthony Dod Mantle captura a perspectiva do pinguim de forma encantadora e realista, criando um senso de perspectiva muito realista que enriquece a experiência visual.

O filme enfrenta algumas dificuldades quando se desvia da narrativa central para explorar a perspectiva dos pesquisadores que estudam os padrões de migração dos pinguins, sendo um pouco rápido demais e desproporcional à realidade de um pesquisador. Essas partes, embora relevantes, parecem menos trabalhadas e, em alguns momentos, podem parecer artificiais em comparação com a profundidade do restante do filme. A inserção dessas subtramas, especialmente quando a narrativa retorna à Patagônia Argentina, pode desacelerar a fluidez da história e desviar o foco do vínculo principal entre João e DinDin.

Apesar desses pontos, a mensagem central de amizade e redenção ressoa com muita força. A história de João e DinDin é apresentada com ternura e verdade, fazendo com que o espectador se sinta emocionalmente representado. O filme conclui com cenas reais, que apesar de ser baseado em fatos reais, ver o Sr. João verdadeiro proporciona um fechamento satisfatório e muito emocionante.

Meu Amigo Pinguim pode até não parecer essencial à primeira vista, mas sua autenticidade e o coração genuíno de uma linda comunidade ribeirinha, fazem dele uma experiência emocionalmente rica e necessária. O filme oferece uma mensagem poderosa sobre a importância das conexões multiespécies e a capacidade de cura através da amizade e do amor, sendo uma escolha recomendada para quem aprecia histórias reais e tocantes sobre a relação entre humanos e animais.

Nota: 5.0/5.0

16/08/2024

CRÍTICA | Kind Of Kindness


"Tipos de Gentileza", dirigido por Yorgos Lanthimos, é mais uma incursão do cineasta no cinema de arte que desafia as convenções e mergulha em territórios desconfortáveis. Conhecido por seu estilo peculiar, Lanthimos entrega aqui um filme que mistura humor negro, violência e surrealismo, compondo uma obra que exige atenção plena e um gosto apurado pelo bizarro.

A narrativa se desdobra em três histórias entrelaçadas, cada uma explorando temas profundos como controle, transformação e fé. No entanto, é preciso paciência e interesse pelos detalhes para seguir o fio condutor dessas tramas, já que o roteiro é denso e se recusa a entregar respostas fáceis. Esse é, ao mesmo tempo, o ponto forte e a fraqueza do filme: enquanto a complexidade pode fascinar os entusiastas do cinema de Lanthimos, pode também afastar o espectador que busca uma experiência mais convencional.

Visualmente, "Tipos de Gentileza" é um espetáculo. Lanthimos usa e abusa de planos-detalhe que enriquecem a estética do filme, criando uma imersão visual que complementa o tom surreal e perturbador da narrativa. A cinematografia é impecável, fazendo uso de ângulos e composições que acentuam o desconforto e a estranheza que permeiam a obra.

A trilha sonora merece destaque por sua capacidade de intensificar a tensão nas cenas-chave. Utilizando sons agudos de forma precisa, Lanthimos manipula o espectador, criando uma sensação de desconforto que ressoa com o tom geral do filme. Além disso, a escolha de "Sweet Dreams" como um fio condutor musical é brilhante. A canção, já conhecida por seu clima etéreo e um tanto sombrio, se entrelaça com o elemento do sonho, que é central nas três histórias. Essa integração da música com a narrativa adiciona uma camada extra de significado e coesão à trama, fazendo com que a canção se torne quase um personagem em si.

O elenco, como era de se esperar, entrega performances memoráveis. Jesse Plemons, em particular, destaca-se ao interpretar três personagens com estilos de atuação distintos em cada uma das histórias. Sua versatilidade brilha, mostrando um talento que vai além do que já vimos em seus papéis anteriores. Emma Stone, que foi o grande nome em "Poor Things", aqui cede o holofote para Plemons, embora o elenco como um todo esteja afiado e em sintonia com a visão do diretor.

Apesar de suas qualidades, "Tipos de Gentileza" não é um filme para todos. O ritmo lento, a falta de explicações claras e o tom sombrio podem alienar parte do público. No entanto, para os apreciadores do trabalho de Lanthimos e do cinema de arte, é uma experiência rica e provocadora que vale cada minuto de atenção. O filme não busca agradar, mas sim desafiar e instigar reflexões sobre os caminhos imprevisíveis da vida e o papel da gentileza em meio ao caos.

"Tipos de Gentileza" é um filme complexo e visualmente fascinante, que consolida Yorgos Lanthimos como um dos diretores mais ousados de sua geração. Contudo, sua natureza densa e desafiadora faz dele um filme que, embora brilhante, é destinado a um público seleto, apaixonado pelo cinema como forma de arte e expressão.

Nota: 3.0/5.0

15/08/2024

Crítica | Alien: Romulus

“Alien: Romulus” é o mais recente capítulo da icônica franquia de ficção científica e terror que começou em 1979 com “Alien, o 8º Passageiro”. Sob a direção de Fede Álvarez, o filme tenta recuperar a atmosfera claustrofóbica e o terror psicológico que consagraram a série, ao mesmo tempo que busca atrair tanto os fãs antigos quanto novos espectadores. No entanto, enquanto o filme acerta em alguns aspectos, outros elementos deixam a desejar, criando uma experiência que, embora intensa, não atinge todo o seu potencial.

Logo de início, o filme impressiona com seu visual. A direção de arte e os efeitos especiais recriam com maestria o ambiente sombrio e opressor de uma estação espacial abandonada, evocando a mesma sensação de isolamento e perigo constante do filme original. Os xenomorfos, criaturas que se tornaram ícones do cinema de terror, continuam aterrorizantes, com uma atualização visual que os torna ainda mais assustadores. A fotografia de “Romulus” é fascinante e perturbadora, mergulhando o espectador em uma imersão completa no terror espacial.

No entanto, onde o filme brilha em atmosfera, ele tropeça na narrativa. O roteiro, embora tenha bons momentos de tensão e sustos, apresenta problemas de ritmo, com algumas partes da trama se arrastando sem necessidade. A tentativa de explorar as origens dos xenomorfos e de conectar este filme aos anteriores é válida, mas a execução acaba sendo confusa e, por vezes, cansativa. O clímax, felizmente, recupera parte do fôlego perdido, entregando uma sequência de ação e suspense que deve agradar aos fãs do gênero.


Embora haja uma tentativa de diversificar o elenco e de criar arcos emocionais, a profundidade dos personagens é limitada. A relação entre Rain, interpretada por Cailee Spaeny, e seu irmão adotivo, Andy, é o destaque emocional do filme, trazendo um toque mais humano à história. No entanto, os outros personagens não recebem o mesmo cuidado no desenvolvimento, tornando difícil para o público se importar com seus destinos. Essa falta de conexão emocional acaba enfraquecendo o impacto do filme.

“Alien: Romulus” também é repleto de referências e homenagens aos clássicos da franquia. Enquanto isso pode agradar os fãs de longa data, o uso excessivo de fanservice pode prejudicar a originalidade da obra. Em alguns momentos, parece que o filme está mais preocupado em capturar a essência dos filmes anteriores do que em se estabelecer como algo único e inovador.

“Alien: Romulus” é uma experiência densa e assustadora que consegue, em grande parte, resgatar o terror que tornou a franquia famosa. No entanto, a falta de inovação na narrativa e o desenvolvimento superficial dos personagens impedem que o filme alcance um nível superior. Para os fãs leais, há muitos elementos nostálgicos para apreciar, mas para aqueles que buscam algo novo e surpreendente, o filme pode decepcionar. Mesmo assim, é uma adição digna à série, que mantém viva a essência aterrorizante dos xenomorfos e que, sem dúvida, atrairá um novo público.

Nota: 3.8/5.0

14/08/2024

Crítica | Meu Filho, Nosso Mundo

"Meu Filho, Nosso Mundo" é um drama necessário que mergulha nas complexidades emocionais e sociais de uma família ao descobrir que seu filho é diagnosticado com autismo. Dirigido com uma visão muito sensível, o filme aborda as dificuldades e os desafios que os pais separados enfrentam, mas também celebra as pequenas vitórias que tornam essa jornada tão única.

A trama gira em torno de uma família comum, que vê sua rotina virar de cabeça para baixo após o diagnóstico. A mãe, interpretada de uma forma muito emocionante pela atriz Rose Byrne, retrata uma mulher determinada e cheia de amor, mas que luta com a frustração e o medo do desconhecido se mostrando muitas vezes sobrecarregada. O pai interpretado por Bobby Cannavale, por outro lado, simboliza o pragmatismo e a dificuldade em lidar com algo que não pode ser resolvido com soluções rápidas e diretas. A dinâmica entre os dois é o coração do filme, mostrando como o autismo afeta não só a criança, mas toda a estrutura familiar e todos em volta que tem algum tipo de relação com a criança.

Um dos melhores pontos do filme é a representação cuidadosa do autismo. O jovem William Fitzgerald que interpreta o filho consegue transmitir, com sutileza, o mundo interno de uma criança autista, evitando os clichês e estereótipos muitas vezes associados à condição como vemos em séries de TV. Sua performance é, ao mesmo tempo, comovente e verdadeira, oferecendo ao público uma visão genuína do que é viver com autismo. Além de outros atores e atrizes de peso incluindo Robert De Niro, Whoopi Goldberg, Vera Farmiga e Rainn Wilson.

A direção é espetacular em capturar tanto os momentos de tensão quanto os de ternura com um mix de emoções, com uma fotografia que acentua o contraste entre o caos e a calmaria na vida da família. As cenas são intercaladas com ambientações distintas e momentos de introspecção, permitindo ao espectador uma compreensão mais profunda dos personagens e suas motivações.

"Meu Filho, Nosso Mundo" não se limita a ser um filme apenas sobre autismo, é uma história sobre aceitação, traumas familiares, amor incondicional e a luta para encontrar um equilíbrio em meio a adversidades. É uma obra que convida o público a enxergar além das aparências e a entender que, por trás de cada diagnóstico, existe uma pessoa única, com suas próprias experiências, jeito e capacidades.

Com uma narrativa bem estruturada e performances emocionantes, o filme se destaca como um retrato honesto e esperançoso das complexidades da vida familiar em circunstâncias difíceis através da lente da mãe, do pai, do avô e da criança. É uma obra que sensibiliza e, ao mesmo tempo, inspira, lembrando-nos da força do amor e da importância de construir um mundo mais inclusivo, compreensivo e enxergar sempre o outro entendendo e lidando com suas especificidades.

Nota 5.0/5.0

13/08/2024

CRÍTICA | Os Inseparáveis

Os Inseparáveis, dirigido por Jérémie Degruson, é uma animação que promete encantar todas as idades com sua história de amizade, sonhos e aventura. Baseado em uma ideia original dos roteiristas indicados ao Oscar por "Toy Story," o filme inevitavelmente evoca comparações com o clássico da Disney, especialmente pela premissa de dar vida a brinquedos e bonecos que enfrentam desafios no mundo real. No entanto, "Os Inseparáveis" busca traçar sua própria identidade, apostando na mistura de estilos de animação para contar uma história sobre a busca pelo heroísmo e a realização dos sonhos.

A narrativa nos transporta para o mágico mundo dos bonecos de um antigo teatro no Central Park, onde a vida ganha novas cores quando as luzes se apagam. Entre os personagens, destaca-se Don, um boneco sonhador que anseia por algo mais na vida do que ser o bobo da corte. Ao lado de DJ Doggie Dog, um carismático animal de pelúcia com grandes aspirações no mundo do rap, Don embarca em uma jornada épica pela cidade de Nova York, enfrentando perigos e descobrindo o verdadeiro significado da amizade e da coragem.

O grande diferencial de "Os Inseparáveis" está na forma como a animação alterna entre diferentes estilos para representar as diversas camadas da realidade e da imaginação dos personagens. Quando mergulhamos na mente criativa de Don, o filme assume um estilo de desenho animado mais clássico, quase como uma pintura em movimento, que nos remete às aspirações heroicas do protagonista. Já as sequências ambientadas no "mundo real" são apresentadas em uma animação 3D mais moderna, trazendo uma distinção visual clara e envolvente que enriquece a narrativa.

Apesar da evidente semelhança com "Toy Story," o filme consegue se destacar ao introduzir uma abordagem única à jornada do herói. Don, cansado de seu papel repetitivo como bobo da corte, decide que é hora de se tornar o herói que sempre quis ser. Ao longo do caminho, ele encontra DJ Doggie Dog, cuja personalidade vibrante e amor pela música rap trazem humor e energia à história. A relação entre os dois é o coração do filme, e juntos eles enfrentam desafios e crescem como personagens, transmitindo uma mensagem poderosa sobre amizade e perseverança.

O enredo também se beneficia da presença de vilões caricatos, um casal de ladrões que, em busca de dinheiro, decide roubar as marionetes do teatro. Essa trama secundária serve como catalisadora para a aventura de Don e DJ Doggie Dog, que, ao se verem livres na cidade, se veem obrigados a ajudar patos, guaxinins e, finalmente, resgatar seus amigos das mãos dos vilões. A jornada de Don o leva a perceber que sua busca pelo heroísmo idealizado não se encontra em um castelo no céu, mas sim no valor das amizades e nas pequenas ações do cotidiano.

As piadas e situações cômicas do filme são simples, mas eficazes, especialmente para o público infantil. Um destaque curioso é o uso da música "Where Is My Mind," que é inserida de maneira genial, trazendo uma camada adicional de emoção à narrativa e se fixando na playlist de todos os adultos que assistirem ao filme.

Embora o roteiro seja previsível e siga a fórmula clássica da jornada do herói, "Os Inseparáveis" cumpre seu papel de entreter e inspirar. O filme aborda temas universais de forma acessível e visualmente atraente, com cores vibrantes e animação de alta qualidade. No entanto, a familiaridade com "Toy Story" é inegável, e essa semelhança pode ser vista tanto como uma homenagem quanto como uma limitação, dependendo do ponto de vista do espectador.

"Os Inseparáveis" é um filme encantador que, apesar de não inovar drasticamente no gênero, consegue cativar com sua mistura de estilos de animação, personagens carismáticos e uma mensagem atemporal sobre amizade e sonhos. Para aqueles que são fãs de histórias de brinquedos que ganham vida, é uma opção que, mesmo lembrando "Toy Story," oferece uma experiência divertida e emocional por si só.

Nota: 4.0/5.0

11/08/2024

CRÍTICA | A A VIÚVA CLICQUOT


"A Viúva Clicquot" é um filme biográfico que narra a trajetória de Barbe-Nicole Ponsardin, uma jovem viúva que, após a morte prematura do marido, desafiou as normas do século XIX e assumiu a administração dos negócios de vinho do casal. Ao fazer isso, ela não só salvou a empresa da falência como também revolucionou a indústria de Champagne, tornando-se uma das pioneiras do setor. O filme é baseado no livro "The Widow Clicquot: The Story of a Champagne Empire and the Woman Who Ruled It", de Tilar J. Mazzeo.

Dirigido por Thomas Napper e estrelado por Haley Bennett, é uma ambiciosa tentativa de trazer para as telas a fascinante história de Barbe-Nicole Ponsardin, a mulher por trás do icônico champanhe Veuve Clicquot. Embora o filme se destaque por sua estética refinada e pelo retrato histórico de uma figura pioneira, ele enfrenta desafios significativos em sua execução que limitam seu impacto.

Estética e Atmosfera

Um dos maiores acertos do filme é sua estética. A direção de fotografia de Caroline Champetier é notável por capturar a beleza rústica e sensual dos vinhedos e da paisagem de Reims, criando um ambiente que reflete tanto a nobreza quanto a severidade da trajetória de Barbe-Nicole. Os tons escuros e terrosos usados na cinematografia ajudam a estabelecer uma atmosfera que é ao mesmo tempo sofisticada e carregada de tensão.

A trilha sonora austera de Bryce Dessner complementa bem a ambientação, adicionando uma camada de profundidade emocional que acentua a luta e a paixão da protagonista. A combinação desses elementos cria uma experiência visualmente rica e envolvente, que, infelizmente, não é totalmente aproveitada pelo roteiro.


Roteiro e Narrativa

É aqui que o filme enfrenta seus principais problemas. O roteiro, escrito por Erin Dignam e Christopher Monger, opta por uma abordagem que, embora historicista, falha em capturar a verdadeira essência da trajetória empreendedora de Barbe-Nicole. Em vez de se concentrar nas suas inovações e na sua influência na indústria de champanhe, o filme passa muito tempo explorando sua vida emocional e os conflitos psicológicos com François Clicquot, interpretado por Tom Sturridge.

A narrativa se desvia frequentemente do foco principal, mergulhando em flashbacks e aspectos da vida pessoal que acabam por fragmentar a história. A estrutura não linear, que oscila entre o passado e o presente, além de intercalar sonhos líricos com realismo histórico, acaba diluindo a força da narrativa e tornando a evolução da personagem menos coesa.

O roteiro também faz uma escolha questionável ao dedicar tempo considerável a eventos secundários e figuras históricas, como Napoleão, em detrimento do desenvolvimento mais profundo das conquistas empresariais de Barbe-Nicole. Isso resulta em uma sensação de que o filme não consegue cumprir totalmente sua promessa de retratar a ascensão e o impacto de uma das primeiras mulheres empreendedoras da França.

Atuações

Haley Bennett oferece uma interpretação competente e intensa como Barbe-Nicole, mas é prejudicada por um roteiro que não lhe dá a oportunidade de explorar plenamente a complexidade de sua personagem. A atriz consegue transmitir a determinação e a paixão de sua personagem, mas a falta de foco no aspecto empreendedor da trama reduz o impacto de sua performance.

Tom Sturridge, como François Clicquot, desempenha um papel secundário que, embora bem interpretado, se torna um desvio que não contribui significativamente para o núcleo da história. A interação entre os personagens principais, embora emocionalmente carregada, às vezes parece uma distração em relação à verdadeira força da narrativa.

Conclusão

"A Viúva Clicquot" é um filme que oferece uma visão visualmente rica e esteticamente agradável da vida de Barbe-Nicole Ponsardin. Sua recriação da época e o retrato da protagonista são dignos de nota, e a atuação de Haley Bennett é um ponto alto. No entanto, a abordagem do roteiro, que se perde em aspectos secundários e deixa de focar de maneira adequada nas conquistas empresariais da protagonista, limita a força da narrativa.

Apesar de suas falhas, o filme merece ser assistido por sua contribuição à preservação da memória de uma figura histórica importante e pela sua beleza cinematográfica. Para aqueles interessados na história de pioneiras empresariais ou na indústria de champanhe, "A Viúva Clicquot" ainda oferece uma visão intrigante, ainda que não totalmente efervescente como o champanhe que celebra.

08/08/2024

CRÍTICA | Borderlands


"Borderlands: O Destino do Universo Está em Jogo" é um filme que se propõe a capturar a essência de uma das franquias de videogame mais icônicas da última década. Baseado no universo caótico e irreverente criado pela Gearbox Software, o filme leva os espectadores a uma jornada intensa e visualmente deslumbrante através do planeta Pandora. Sob a direção de Eli Roth, o longa tenta equilibrar a narrativa frenética e o humor ácido que caracterizam os jogos, ao mesmo tempo em que introduz novos elementos para a tela grande.

A história gira em torno de Lilith (Cate Blanchett), uma criminosa com um passado misterioso, que retorna a Pandora em busca da filha desaparecida de Atlas (Edgar Ramirez), o poderoso líder de uma das maiores corporações de armas da galáxia. A missão, que poderia ser um tanto convencional, ganha um toque de originalidade e caos com a inclusão de um grupo peculiar de personagens: o mercenário Roland (Kevin Hart), a jovem e imprevisível Tiny Tina (Ariana Greenblatt), o gigantesco e perigoso Krieg (Florian Munteanu), a excêntrica cientista Dr. Tannis (Jamie Lee Curtis) e, claro, o icônico robô falante Claptrap, dublado por Jack Black.


A estética do filme é, sem dúvida, um de seus maiores trunfos. A cinematografia faz um excelente trabalho em recriar o visual único dos jogos, com cores vibrantes, cenários detalhados e uma atmosfera que se assemelha muito a uma gameplay caótica. A sensação de estar dentro de um jogo é reforçada pela edição dinâmica e pela forma como a ação é conduzida, com sequências que parecem diretamente extraídas das batalhas intensas que os fãs conhecem e amam.

No entanto, "Borderlands" também sofre de alguns problemas típicos de adaptações de videogames para o cinema. Embora o roteiro tente condensar muita informação em um espaço de tempo limitado, o resultado é um enredo denso e por vezes confuso, que pode afastar aqueles que não estão familiarizados com o universo dos jogos. As piadas e diálogos, embora eficazes em muitos momentos, às vezes parecem forçadas, tentando desesperadamente replicar o humor rápido e irreverente dos games.

Os fãs da franquia,  provavelmente encontrarão um afago aqui. O filme é uma verdadeira carta de amor aos jogadores, repleta de referências, personagens e situações que remetem diretamente aos jogos. Para quem aprecia a estética e o tom caótico dos games, "Borderlands" entrega exatamente o que promete: uma experiência visualmente impressionante, com uma ação desenfreada e uma boa dose de diversão insana.


As atuações também merecem destaque, especialmente Cate Blanchett, que traz uma presença forte e carismática como Lilith, e Jack Black, que, como sempre, rouba a cena com seu Claptrap hilariamente tagarela. Kevin Hart e Jamie Lee Curtis também adicionam camadas interessantes a seus personagens, ajudando a manter o ritmo acelerado da trama.

"Borderlands: O Destino do Universo Está em Jogo" é um filme que, apesar de seus tropeços, consegue capturar a essência dos jogos em que se baseia. Embora não seja uma obra-prima cinematográfica, é uma aventura divertida que certamente agradará aos fãs da franquia. Se você é um jogador que já se perdeu por horas no mundo caótico de Pandora, este filme é para você. Para os demais, pode ser uma introdução curiosa e, no mínimo, visualmente cativante ao universo dos jogos.

07/08/2024

CRÍTICA | É ASSIM QUE ACABA


A adaptação cinematográfica de "É Assim Que Acaba," dirigida por Justin Baldoni, enfrenta o enorme desafio de transpor a complexa e densa narrativa de Colleen Hoover para as telas, tratando de temas delicados como abuso doméstico, trauma e superação. Baldoni, que também interpreta o personagem Ryle Kincaid, optou por envelhecer os protagonistas, uma decisão que adiciona uma camada de maturidade à trama, mas que também trouxe algumas controvérsias, especialmente em relação à fidelidade ao livro e à representação dos personagens.

A escolha de Blake Lively para o papel de Lily Bloom é, sem dúvida, um dos pontos altos do filme. Lively traz uma intensidade emocional necessária para representar uma mulher marcada por um passado doloroso, mas que busca reconstruir sua vida com esperança. Sua performance é sincera, especialmente nas cenas em que Lily se confronta com os fantasmas de seu passado e as cicatrizes emocionais que eles deixaram.

Justin Baldoni, por outro lado, entrega uma performance convincente como Ryle, um personagem que exala charme e carisma, mas que gradualmente revela um lado sombrio e perturbador. No entanto, a decisão de Baldoni de também dirigir o filme pode ter influenciado na forma como o personagem é tratado. O Ryle do filme, embora problemático, parece mais suavizado em comparação com sua versão literária, o que pode gerar críticas por não abordar com a mesma intensidade a gravidade de suas ações abusivas.

Brandon Sklenar, interpretando Atlas Corrigan, o primeiro amor de Lily, oferece uma presença calmante e gentil, representando uma figura de estabilidade em meio ao caos emocional de Lily. Sua química com Lively é palpável, mas o filme não aprofunda suficientemente sua história e motivação, o que poderia ter enriquecido ainda mais a narrativa.


A direção de Baldoni é competente ao criar um ambiente visualmente atraente, com uma cinematografia que destaca a dualidade na vida de Lily: o sonho de uma nova vida em Boston versus os pesadelos persistentes de seu passado. No entanto, o roteiro, ao tentar condensar uma história rica e complexa em um filme de duas horas, acaba por sacrificar nuances importantes da trama original.

Enquanto o livro de Hoover explora de forma mais profunda os traumas e a jornada emocional de Lily, o filme por vezes simplifica questões que exigiam um tratamento mais delicado. A abordagem do abuso doméstico, por exemplo, é um tema que demanda sensibilidade e profundidade. No entanto, o filme, em sua tentativa de não se tornar excessivamente sombrio, por vezes flerta com uma romantização perigosa desses relacionamentos, algo que já era um ponto de crítica na obra original.

"É Assim Que Acaba" é, em sua essência, uma história sobre sobrevivência e a luta para quebrar ciclos de violência e trauma. O filme tem momentos impactantes que mostram a devastação emocional causada pelo abuso doméstico e o quão difícil é para as vítimas escaparem dessas situações.

A narrativa também se depara com o desafio de equilibrar o romance com a realidade dura que Lily enfrenta. A reentrada de Atlas na vida de Lily serve como um contraponto necessário à toxicidade de seu relacionamento com Ryle, mas o filme não tem tempo de explorar plenamente as complexidades que essa dinâmica traz. Como resultado, a mensagem sobre a importância de tomar decisões saudáveis e romper com padrões prejudiciais pode não ressoar tão fortemente quanto poderia.

"É Assim Que Acaba" é um retrato emocionante de como os relacionamentos e o passado moldam nosso presente e futuro, revelando as complexidades e desafios enfrentados por uma mulher que luta para romper com ciclos de abuso e trauma. Através de performances intensas e uma narrativa envolvente, o filme nos lembra de como várias formas de abuso contra a mulher ainda são perigosamente normalizadas em nossa sociedade, desafiando-nos a refletir sobre as consequências dessas relações e a importância de tomar decisões que promovam a saúde emocional e a libertação pessoal.

Nota: 4.5/5.0