30/11/2024

CRÍTICA | O CONDE DE MONTE CRISTO


O Conde de Monte Cristo, dirigido por Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière, é uma grandiosa adaptação do clássico de vingança e redenção de Alexandre Dumas. Com um elenco liderado por Pierre Niney no papel de Edmond Dantès, o filme traduz a obra literária para o cinema contemporâneo com um foco em espetáculo visual e um tom melodramático que resgata o espírito dos épicos cinematográficos de longas do gênero, sendo por muitas vezes mais do mesmo.

A história segue Edmond Dantès, um jovem marinheiro injustamente acusado de conspiração com Napoléon Bonaparte e traído por amigos que desejavam puxar o seu tapete, uma vez que Edmond acabava de ser promovido a capitão por salvar uma mulher que caiu ao mar. Preso no sombrio Château d’If, ele encontra no seu companheiro de cela Abade Faria (Pierfrancesco Favino) não apenas uma chance de escapar, mas também o conhecimento e os recursos para se reinventar como o enigmático Conde de Monte Cristo. Sua jornada de vingança contra aqueles que o traíram, incluindo Fernand (Bastien Bouillon), Villefort (Laurent Lafitte) e Danglars (Patrick Mille), é retratada com intrincados esquemas e uma elegância quase que teatral.

A força do filme está em sua apresentação visual. A cinematografia de Nicolas Bolduc captura paisagens exuberantes e interiores surreais, enquanto os figurinos e cenários de época evocam a grandiosidade da alta sociedade parisiense do século XIX. A trilha sonora de Jérôme Rebotier complementa o drama com intensidade e sofisticação, conferindo peso às cenas mais emocionais e tensão às intrigas. Pierre Niney é um Dantès convincente, equilibrando vulnerabilidade e determinação em sua transição de jovem ingênuo para um homem consumido pela vingança. Sua atuação brilha nas cenas de disfarce e manipulação, bem como nos momentos mais íntimos, especialmente ao lado de Anaïs Demoustier, que interpreta Mercedes, seu amor perdido. A química entre os dois é bem interessante, e suas interações destacam a tragédia de um romance que nunca pôde florescer completamente.


No entanto, apesar de seu impacto visual e das performances teatrais, o filme apresenta limitações narrativas. O roteiro de Delaporte e de La Patellière condensa o romance extenso de Dumas em três horas de duração, resultando em um ritmo frenético que sacrifica a exploração profunda dos temas centrais, como a moralidade da vingança e o impacto psicológico das ações de Dantès. As complexas dinâmicas entre os personagens são frequentemente simplificadas, e algumas subtramas que poderiam enriquecer a narrativa são relegadas ao segundo plano.

Além disso, a abordagem estilizada e melodramática, embora eficaz em momentos de alta emoção, pode afastar espectadores que buscam uma versão mais introspectiva ou realista da história. O filme prioriza a grandiosidade e o entretenimento, deixando de lado a sutileza e a profundidade que poderiam torná-lo mais marcante. 

Porém o longa é um espetáculo digno de seu legado literário. Ele combina elementos de tragédia, romance e ação em um pacote visualmente deslumbrante, que celebra o poder do cinema como entretenimento. Para os fãs de Dumas e do gênero de drama histórico, o filme oferece uma experiência interessante e emocionalmente satisfatória, mesmo que não alcance todo o potencial de sua fonte original.

27/11/2024

CRÍTICA | CABRINI


Cabrini, dirigido por Alejandro Monteverde (de o Som da Liberdade), é uma biografia da freira italiana Francesca Saverio Cabrini, mais conhecida como Madre Cabrini, que em sua vida dedicou-se a ajudar imigrantes italianos em Nova York no final do século XIX. A obra tenta capturar sua determinação heroica e os desafios enfrentados em sua missão de construir orfanatos e hospitais para os pobres. No entanto, o filme é sobrecarregado por sua abordagem reverencial, que compromete a complexidade e o impacto emocional da narrativa.

Cristiana Dell'Anna interpreta Cabrini com intensidade e seriedade, transmitindo sua devoção e perseverança. Seu desempenho evita o melodrama exagerado frequentemente encontrado em filmes de temática religiosa, mas é prejudicado por diálogos excessivamente simplistas e repetitivos. A personagem é retratada como quase perfeita, deixando pouco espaço para nuances ou questionamentos. Esse retrato unilateral resulta em uma falta de profundidade que enfraquece a conexão emocional do público com Cabrini como pessoa.

O roteiro, assinado por Monteverde e Rod Barr, segue uma estrutura que alterna entre os esforços de Cabrini para enfrentar a burocracia clerical e as condições opressivas em Five Points, um bairro notoriamente violento de Nova York. Embora essas lutas sejam importantes para entender sua missão, a repetição de cenas onde Cabrini desafia líderes religiosos e políticos reduz o impacto narrativo. A trama se torna monótona, carecendo de variação ou surpresas. O foco excessivo em confrontos burocráticos também diminui o tempo dedicado a explorar suas interações com as crianças e freiras sob seus cuidados.

O design de produção e a cinematografia de Gorka Gómez Andreu conseguem criar uma atmosfera convincente da Nova York do século XIX, com detalhes que destacam a opressiva pobreza e a xenofobia enfrentada pelos imigrantes italianos. No entanto, a insistência em iluminações angelicais exageradas em praticamente todas as cenas interiores transmite uma artificialidade que destoa do realismo necessário para um drama histórico. Essa escolha visual tenta reforçar a santidade de Cabrini, mas acaba prejudicando a autenticidade do filme.


Apesar de seu potencial para explorar questões sociais e religiosas pertinentes, "Cabrini" opta por uma abordagem convencional e segura. A história de uma mulher que desafiou as normas de sua época para realizar grandes feitos poderia ter oferecido um retrato mais humano e multifacetado, mas o filme se contenta em exaltar Cabrini como uma figura impecável e exemplar, sem reconhecer as contradições ou complexidades que tornam as histórias humanas mais impactantes.

Embora Alejandro Monteverde tenha criado um drama tecnicamente competente, o filme carece de uma narrativa instigante ou emocionalmente rica. Personagens secundários, como as jovens freiras que acompanham Cabrini, são quase invisíveis em termos de desenvolvimento, enquanto figuras como Vittoria, uma prostituta em redenção, são tratadas mais como dispositivos narrativos do que como personagens plenamente formadas. As crianças do orfanato, que deveriam ser o coração da história, aparecem apenas superficialmente, com apenas uma recebendo nome e um breve arco.

Cabrini é um filme que deixa a desejar tanto em termos de profundidade emocional quanto de inovação narrativa. Para aqueles que buscam uma representação inspiradora e direta da vida de Madre Cabrini, ele oferece uma experiência acessível e sem grandes riscos. No entanto, para espectadores que esperam uma exploração mais profunda e questionadora das lutas e dilemas enfrentados por essa figura histórica que são de extrema importância, o filme pode parecer mais uma oportunidade perdida do que uma celebração significativa.

26/11/2024

CRÍTICA | MOANA 2


Em 2016, Moana conquistou o coração do público ao apresentar uma heroína corajosa e independente, cuja jornada não girava em torno de um romance convencional, mas sim de seu crescimento pessoal e sua conexão com sua cultura dos povos originários. O filme rapidamente se tornou um marco dentro do mundo Disney, reverenciado por sua animação deslumbrante, trilha sonora memorável e uma protagonista que era, ao mesmo tempo, uma mulher forte e independente. O que mais poderia se pedir de uma sequência para Moana é honrar o legado de seu antecessor, enquanto tenta se expandir a história de Moana e de seu mundo de forma convincente e inovadora. Infelizmente, apesar das grandes expectativas, Moana 2 parece um produto de um estúdio que está mais preocupado com os números de bilheteira do que com a autenticidade criativa que fez o primeiro filme brilhar.

A trama de Moana 2 nos leva três anos após os eventos do filme original. Moana, agora uma líder de sua comunidade, precisa novamente embarcar em uma jornada épica para salvar sua terra natal de uma maldição. Para isso, ela reúne uma nova equipe e recorre a Maui, o semideus interpretado por Dwayne Johnson. A premissa, por si só, oferece uma boa base para a continuidade do personagem e a exploração de novas aventuras, mas é justamente aí que o filme começa a vacilar.

O maior problema de Moana 2 é que, apesar de sua grandiosidade, ele nunca consegue capturar a mesma magia do original. A narrativa, por vezes, parece uma colagem de ideias, com várias ameaças e perigos que não têm o mesmo peso ou complexidade emocional do que vimos anteriormente. Embora a busca por Maui traga uma sensação de familiaridade, o personagem parece um tanto deslocado, já que a dinâmica entre ele e Moana não evolui de forma substancial. Em vez de aprofundar o vínculo entre os dois, o filme se perde em clichês narrativos que falham em ressoar de maneira tão profunda quanto no primeiro.


Outro aspecto que pesa contra Moana 2 é o tom. Enquanto o original tinha uma abordagem firme em relação ao empoderamento feminino e à valorização da cultura dos povos originários, a sequência, apesar de tentar manter esses valores, muitas vezes soa como um produto mais voltado para as convenções de um blockbuster. O humor forçado, as piadas previsíveis e a inclusão de novos personagens que não agregam muito à trama tornam o filme mais mecânico do que uma verdadeira continuação emocionalmente impactante.

Originalmente o longa foi concebido como uma série para o Disney+, o fato de o filme ter sido reeditado para um lançamento nos cinemas levanta questões sobre o comprometimento da Disney com a qualidade do material. O filme tenta soar grandioso e épico, mas, no fundo, parece ter sido acelerado para atender a uma demanda de mercado, ao invés de uma evolução orgânica da história e dos personagens.

Diante desse cenário, Moana 2 deixa a impressão de que a Disney está tentando mais manter uma fórmula de sucesso do que realmente expandir o universo e a profundidade do primeiro filme. O filme ainda possui elementos que agradam ao público infantil, como canções pegajosas, cenas de ação intensas e a presença carismática de Maui, mas falta-lhe a alma que fez Moana ser considerado um clássico moderno. A ausência de uma verdadeira inovação e a sensação de "mais do mesmo" tornam a experiência decepcionante para quem esperava algo mais substancial.

Moana 2 é um filme que, embora tecnicamente competente e com momentos de diversão, não consegue capturar a essência de seu predecessor. O sentimento de uma história inacabada, tratada de forma apressada e com uma clara falta de risco criativo, torna difícil recomendar Moana 2 como algo mais do que uma tentativa bem intencionada, mas falha, de capitalizar o sucesso do original. Quando o filme se afasta do espírito que o tornou especial, ele acaba apenas reforçando a ideia de que nem toda sequência precisa ser feita.

18/11/2024

CRÍTICA | A LINHA DA EXTINÇÃO


A Linha da Extinção, dirigido por George Nolfi, é um thriller de sobrevivência ambientado em um mundo devastado por monstros indestrutíveis conhecidos como "ceifadores". O filme segue Will (Anthony Mackie), um pai solteiro que vive nas Montanhas Rochosas com seu filho Hunter (Danny Boyd Jr.). Três anos após a aparição dessas criaturas, que mataram grande parte da população global, os poucos sobreviventes se refugiaram acima de 2.400 metros de altitude, onde os monstros não conseguem ir. No entanto, quando Hunter enfrenta uma emergência médica, Will é forçado a descer para buscar os recursos necessários, embarcando em uma jornada perigosa acompanhado por Nina (Morena Baccarin) e Katie (Maddie Hasson).

O grande mérito do filme está na cinematografia de Shelly Johnson, que explora as paisagens deslumbrantes do Colorado de forma a contrastar a beleza natural com a ameaça iminente dos ceifadores. As tomadas amplas e os movimentos de drones capturam o isolamento e a vulnerabilidade dos personagens diante da vastidão do mundo ao redor. Os efeitos visuais também merecem elogios; os ceifadores, inspirados em criaturas de filmes como “Alien” e “Jurassic Park”, são imponentes e intimidadores, mesmo que pouco originais. A trilha sonora de H. Scott Salinas ajuda a intensificar as cenas de ação e suspense, mantendo a tensão ao longo do filme.

Apesar do visual impressionante, o roteiro de John Glenn, Jacob Roman e Kenny Ryan é uma combinação de clichês do gênero. A trama, que mistura elementos de “Um Lugar Silencioso”, oferece poucas surpresas e segue um caminho previsível. A jornada do trio principal é marcada por desafios já esperados e revelações que tentam, sem sucesso, adicionar profundidade emocional aos personagens.

Anthony Mackie traz uma performance interessante como Will, equilibrando carisma e desespero em sua luta para proteger o filho. Morena Baccarin, como Nina, traz intensidade ao papel de uma cientista com um passado traumático e uma missão de salvar a humanidade. No entanto, Maddie Hasson, que interpreta Katie, se destaca ao dar ao filme um toque de rebeldia e otimismo com um lado cômico, mesmo sendo prejudicada por diálogos expositivos que tentam forçar empatia em momentos previsíveis.



A Linha da Extinção tenta explorar questões sobre o significado de sobrevivência e a importância da engenhosidade humana diante de crises. No entanto, esses temas são ofuscados por uma abordagem mais focada na ação e em soluções violentas. A narrativa levanta questões sobre a luta pela retomada da humanidade, mas as respostas dadas pelos personagens são mais agressivas do que reflexivas, o que limita o impacto filosófico do filme.

O filme também sofre com diálogos ocasionais que utilizam metáforas questionáveis, como o comentário de Katie sobre "retomar nosso lugar no topo da cadeia alimentar", que pode ser interpretado de maneira errônea, biologicamente falando, uma vez que os ceifadores não se alimentam de humanos. Essas escolhas enfraquecem a tentativa de humanizar a luta contra os ceifadores, reduzindo a história a apenas um espetáculo de ação.

Apesar de seus defeitos, A Linha da Extinção entrega o que promete, um thriller pós-apocalíptico com ação intensa e cenários impressionantes. Embora careça de originalidade e profundidade, ele é um entretenimento eficiente para quem busca escapismo. A direção de George Nolfi mantém o ritmo e aproveita bem os recursos visuais, mesmo que a história não se eleve acima dos filmes do gênero. Com duração de apenas 80 minutos, o filme é um passatempo razoável, mas não deixa uma marca duradoura.

14/11/2024

CRÍTICA | HEREGE


Herege, o novo thriller psicológico dos diretores Scott Beck e Bryan Woods, é um filme de terror que não se propõe a apenas assustar, mas a questionar as crenças que moldam o comportamento humano. A partir de um cenário intimista, limitado a uma casa isolada, o filme nos convida a refletir sobre a natureza da fé, a necessidade de acreditar em algo maior e o poder assustador das ideias que controlam as massas. Infelizmente, embora seja uma obra repleta de tensão e com atuações brilhantes, o filme tropeça ao tentar responder suas próprias perguntas filosóficas, apresentando um desfecho que, embora impactante, é mais simplista do que o material promissor sugere.

A trama começa com uma premissa interessante: duas missionárias mórmons, a Irmã Barnes (Sophie Thatcher) e a Irmã Paxton (Chloe East), são convidadas a visitar a casa do Sr. Reed (Hugh Grant), um homem interessado em discutir a fé mormon. O que parece ser uma simples conversa sobre religião logo se transforma em um jogo mental torturante, onde as duas jovens são forçadas a confrontar suas próprias crenças enquanto enfrentam os testes cada vez mais sombrios de Reed. A tensão cresce de forma orgânica, à medida que o anfitrião, inicialmente afável, vai se revelando como um manipulador implacável, pronto para desafiar a fé das missionárias de maneira brutal.

A grande surpresa de "Herege" é a performance de Hugh Grant. Conhecido por seus papeis em comédias românticas, Grant se entrega de corpo e alma a um vilão complexo e sinistro. Sua interpretação do Sr. Reed é um exercício de sutileza. Ele transita com maestria entre o charme e a inquietante sensação de que algo está muito errado. Ao longo do filme, Grant usa seu habitual sorriso travesso e uma postura gentil para disfarçar a ameaça crescente que seu personagem representa. Sua capacidade de construir tensão com olhares e pequenas inflexões de voz é impressionante, tornando Reed uma figura assustadora sem nunca recorrer a exageros.

Ao lado dele, Thatcher e East oferecem performances igualmente incríveis. Paxton, interpretada por East, é a mais ingênua das duas missionárias, o que a torna vulnerável e, ao mesmo tempo, a personagem que mais cresce ao longo da história. Já Barnes, de Thatcher, é a mais racional, mas também está constantemente à beira do colapso psicológico enquanto tenta entender o que está acontecendo. A dinâmica entre os três personagens é o ponto forte do filme, criando uma relação de poder em constante mutação que mantém o público na ponta da cadeira.


Beck e Woods fazem um excelente trabalho ao construir uma atmosfera de claustrofobia. A casa isolada de Reed se torna um personagem por si só, com suas escadas sombrias e corredores sinuosos que parecem refletir a crescente sensação de confinamento das missionárias. O trabalho do diretor de fotografia Chung-hoon Chung é excepcional. Ele usa a câmera de forma hábil para intensificar a tensão, focando em rostos expressivos e em detalhes sutis que amplificam a sensação de desconforto. No entanto, apesar de todo o talento visual, poderia haver um pouco mais de ousadia nos ângulos de câmera. Algumas escolhas mais arriscadas poderiam ter acentuado ainda mais o clima de pavor e desorientação.

Em seu núcleo, "Herege" é uma exploração da natureza da crença. O Sr. Reed, em sua obsessão por questionar a fé das missionárias, propõe uma série de desafios filosóficos e teológicos. Ele joga com a ideia de que todas as religiões são, de alguma forma, construções humanas, moldadas por mitos antigos e mitologias universais. O filme levanta questões instigantes sobre o que nos leva a acreditar no que acreditamos — será que nossa fé é genuína ou simplesmente um produto das histórias que nos foram contadas ao longo dos séculos?

Infelizmente, o filme peca ao tentar responder a essas questões. Ao longo de sua narrativa, "Herege" parece sugerir que todas as religiões são apenas mecanismos de controle, uma simplificação que, embora pertinente, acaba por reduzir um tema muito mais complexo e multifacetado a uma única linha de pensamento. A tentativa de Reed de revelar a "verdadeira" religião no ato final, embora projetada para ser uma grande revelação, se torna algo previsível e um tanto decepcionante, especialmente quando a própria narrativa de Reed é revelada como sendo baseada em falácias e distorções de sua compreensão de teologia. O impacto do filme, em vez de ser uma reflexão profunda sobre o significado da fé, acaba sendo uma crítica superficial à instrumentalização da religião.

Apesar de seu final mais simplista, "Herege" ainda é uma experiência eficaz como thriller psicológico. A tensão, a dúvida e o medo crescem a cada cena, mantendo o espectador atento. O filme nunca se permite cair no melodrama ou na violência explícita. Ao contrário, ele utiliza o diálogo e a psicologia reversa dos personagens para criar um horror que é tanto mental quanto emocional. Esse tipo de terror intelectual, mais raro no gênero, é o que torna "Herege" um filme que merece ser visto, especialmente por quem busca uma reflexão mais profunda sobre as forças que nos controlam, sejam elas religiosas, sociais ou pessoais. 

O longa é um thriller psicológico de alto nível que brilha principalmente pela sua construção de tensão, pela performance de Hugh Grant e pela reflexão provocadora sobre as raízes da fé humana. Embora o filme falhe ao simplificar questões complexas em sua tentativa de apresentar uma grande revelação, ele ainda consegue ser uma experiência inesquecível e perturbadora. Para aqueles que gostam de um terror que provoca mais do que apenas sustos, este é um filme que vale a pena ser encarado, mesmo que, no final, as perguntas que ele levanta sejam mais complexas do que as respostas que tenta oferecer.

13/11/2024

CRÍTICA | GLADIADOR II


Após mais de duas décadas desde o épico Gladiador (2000), Ridley Scott retorna à arena romana com Gladiador II, uma sequência que carrega o peso de corresponder a um clássico adorado e a responsabilidade de explorar novos horizontes. Embalado por expectativas imensas e pela promessa de reviver a grandeza de seu predecessor, o filme oferece um espetáculo visual deslumbrante e cenas de ação de tirar o fôlego. No entanto, enquanto a produção encanta pelos excessos visuais e pela ambição estética, ela tropeça ao buscar a mesma profundidade emocional que transformou o original em um marco do cinema moderno.

A trama acompanha Lucius (Paul Mescal), agora adulto e determinado a honrar o legado de Maximus, seu herói e figura paterna. Consumido pelo desejo de vingança contra aqueles que destruíram sua família e lar, Lucius se encontra em uma posição semelhante à de seu pai, forçado a lutar como gladiador no Coliseu. No entanto, ao contrário de Maximus, cuja raiva era intensa e direta, Lucius é um personagem mais introspectivo, que equilibra vulnerabilidade e fúria contida. Mescal consegue transmitir essa complexidade e até tem momentos em que brilha com nuances dramáticas, mas sua performance nunca alcança a mesma intensidade crua de Crowe. Enquanto Lucius luta para conquistar sua própria identidade na sombra de Maximus, o filme enfrenta o mesmo desafio: encontrar uma força emocional única que o diferencie de seu predecessor.

O filme é, sem dúvida, um espetáculo visual extraordinário. Ridley Scott, agora aos 86 anos, continua a demonstrar sua habilidade magistral em criar cenas de combate impressionantes, elevando o padrão das batalhas de gladiadores com sequências ambiciosas e visualmente arrojadas. Desta vez, somos presenteados com confrontos espetaculares que vão além da realidade, incluindo rinocerontes invadindo a arena e um combate naval no Coliseu inundado, onde tubarões famintos aguardam os derrotados. Embora esses elementos sejam visualmente deslumbrantes e elevem a grandiosidade do filme, eles acabam, por vezes, ultrapassando o limite do verossímil e sacrificando a profundidade dramática. Onde o primeiro Gladiador capturava a essência trágica e poética dos duelos, esta sequência opta pelo exagero, privilegiando o espetáculo sobre a narrativa emocional, e transformando a arena em um cenário de fantasia onde o impacto das batalhas parece mais visual que emocional.


O ponto alto do filme está nas performances de seu elenco de apoio, com Denzel Washington e Pedro Pascal trazendo profundidade aos seus papéis. Washington rouba a cena como o maquiavélico Macrinus, um ex-escravo cuja astúcia o coloca em posição de ascender socialmente através das lutas de gladiadores. Com seu carisma incomparável e presença magnética, Washington dá ao personagem um toque de complexidade e crueldade, tornando-o simultaneamente fascinante e ameaçador. Já Pascal interpreta o general Marcus Acacius com uma dignidade contida e uma aura de lealdade que contrastam com a brutalidade da arena, enriquecendo o filme com momentos de nobreza silenciosa.

Ao lado deles, Joseph Quinn e Fred Hechinger, como os imprevisíveis imperadores Geta e Caracalla, entregam atuações intensas e voláteis que remetem ao inesquecível imperador interpretado por Joaquin Phoenix. Contudo, apesar do talento do elenco, o roteiro frequentemente falha em dar coesão às suas histórias, resultando em diálogos pouco inspirados e em tramas paralelas que carecem de inovação. Enquanto as atuações elevam o filme, os arcos de alguns personagens acabam prejudicados por uma narrativa que, ao tentar emular o primeiro Gladiador, fica refém de repetições e de uma estrutura previsível.

A maior decepção de Gladiador II é sua incapacidade de escapar da sombra de seu predecessor. Ridley Scott e sua equipe tentam recriar as temáticas de vingança, honra e luta pelo poder que deram ao primeiro filme seu peso trágico, mas, ao longo do caminho, se perdem em um excesso de referências e homenagens ao passado. A estrutura narrativa parece mais uma tentativa de espelhar o filme original do que de construir uma nova história com profundidade, resultando em uma colagem de referências, fan services e de conflitos que não têm o mesmo impacto emocional. Enquanto o primeiro Gladiador retratava com intensidade a jornada de um homem comum contra a corrupção do império, esta sequência acaba sendo uma ode ao espetáculo visual, sem a mesma alma. Ao se apoiar tanto no que o primeiro filme representou, Gladiador II carece de uma identidade própria, oferecendo uma experiência que, embora divertida, é facilmente esquecível e, ao final, pouco acrescenta ao legado de Maximus.

Gladiador II é, sem dúvida, um espetáculo visual que entrega momentos de ação memoráveis e atuações marcantes. No entanto, ao tentar capturar a mesma profundidade emocional e relevância cultural do original, o filme acaba tropeçando em sua própria ambição. É uma sequência que, embora entretendo, falta o vigor narrativo e a autenticidade que fizeram de Gladiador um marco. Ridley Scott, em sua busca pelo grandioso, oferece um filme que se aproxima mais de um tributo estilístico do que de uma evolução verdadeira. Em um cenário saturado de sequências e reboots, Gladiador II se destaca visualmente, mas dificilmente encontrará o mesmo lugar no coração do público.

Ao fim, é uma experiência visualmente impressionante, mas que não ecoa com a mesma intensidade, deixando a sensação de que, ao tentar reviver o legado de Maximus, Scott criou uma sombra onde uma nova luz poderia brilhar.

06/11/2024

CRÍTICA | OPERAÇÃO NATAL


"Operação Natal" é o mais novo filme de Jake Kasdan, que combina o espírito natalino com ação e comédia de um jeito inusitado. O filme traz um elenco de peso, liderado por Dwayne Johnson, Chris Evans e Lucy Liu, e apresenta uma trama que começa devagar, mas engrena à medida que as histórias se entrelaçam. A premissa curiosa é o sequestro do Papai Noel e a tentativa desesperada da Força Tarefa (ELF) de resgatá-lo para salvar o Natal. O Comandante Callum Drift (Dwayne Johnson) e o famoso caçador de recompensas Jack O'Malley (Chris Evans) formam uma dupla improvável que, entre socos e piadas, precisa recuperar a figura mais icônica do Natal a tempo de manter a magia viva.

O elenco é um dos pontos altos da produção. Chris Evans surpreende ao assumir um papel mais cômico e menos heroico, contrastando bastante com seu tradicional Capitão América. Ele demonstra um timing cômico que explora um lado diferente de sua atuação, acrescentando leveza ao filme. Já Dwayne Johnson interpreta um personagem que, embora não traga nada de novo, é mais contido e pé no chão, oferecendo uma atuação sólida, mas previsível. Lucy Liu, que muitos já não viam há algum tempo nas telonas, aparece pouco, mas deixa sua marca e traz aquele toque nostálgico para os fãs.


A grande surpresa, no entanto, vem com J.K. Simmons como uma versão peculiar do Papai Noel, ou melhor, "Das Neves". É uma releitura ousada e divertida do personagem, e Simmons entrega um Papai Noel como ninguém jamais viu: durão, com carisma e uma abordagem mais moderna e inusitada. Vale a pena assistir, nem que seja só para ver essa nova face do bom velhinho.

O roteiro é o maior ponto de oscilação do filme. No início, as histórias são apresentadas de maneira apressada, o que prejudica a conexão inicial do público com os personagens. Demora um pouco para o enredo realmente "engatar", mas, quando o faz, ganha ritmo e as cenas de ação e comédia fluem melhor. É claro que a narrativa poderia ter sido melhor trabalhada para oferecer uma transição mais suave e envolvente desde o começo.

Um ponto que deixa a desejar são os efeitos especiais. Em alguns momentos, o visual não corresponde à grandiosidade que a trama exige, o que é uma pena, pois filmes de ação ambientados no Polo Norte têm potencial para impressionar visualmente. Esse deslize acaba por comprometer a imersão em algumas cenas que, embora divertidas, poderiam ter maior impacto se contassem com efeitos mais realistas.


Por outro lado a fotografia é repleta de cores vibrantes e cenários encantadores, o filme constrói uma atmosfera mágica que celebra o Natal com um toque diferente. A trilha sonora une canções clássicas natalinas a batidas intensas, alternando entre momentos lúdicos e cenas de pura adrenalina. O filme surpreende ao incluir criaturas mitológicas de outras épocas e tradições, como o imponente Cavaleiro Sem Cabeça e a enigmática Abóbora Flamejante do Halloween, que aparecem em cenas engraçadas e enriquecem a trama com um contraste inesperado.

"Operação Natal" é uma mistura de filme de ação com comédia natalina que abre de forma positiva a temporada de filmes de fim de ano. A trama conquista por explorar o valor da família e da parceria. Com um elenco carismático e um enredo que mistura o clima natalino com uma pegada de "Missão Impossível", o filme diverte e entrega uma experiência leve e despretensiosa. Para quem busca uma aventura natalina fora dos padrões, "Operação Natal" vale a conferida, especialmente para ver como o improvável e o inusitado podem salvar o Natal.

05/11/2024

CRÍTICA | Ainda Estou Aqui


Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, traz ao cinema uma narrativa poderosa sobre crimes cometidos na ditadura militar brasileira, adaptada do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Em meio ao cenário opressor da década de 1970, o filme segue Eunice Paiva (Fernanda Torres), esposa do ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello), que foi sequestrado e desapareceu após ser detido pelo regime militar. A narrativa mergulha na experiência traumática da família Paiva, entrelaçando momentos de dor, medo e resistência em uma trama que consegue equilibrar realismo e emoção.

O filme inicia de maneira impactante, com uma cena que mostra Eunice boiando na praia do Leblon, enquanto um helicóptero militar passa sobrevoando a areia, simbolizando a constante ameaça e vigilância a que a família estava submetida. Walter Salles utiliza essa atmosfera de opressão para construir uma narrativa que explora o cotidiano da família Paiva em um ambiente onde o medo é quase palpável. A direção busca focar na reação de Eunice e de seus filhos diante da violência crescente, enfatizando o impacto do terror do regime sobre os lares brasileiros.


Fernanda Torres nos presenteia com uma atuação memorável, trazendo complexidade à personagem de Eunice, que é apresentada como uma mulher forte, consciente das ameaças ao seu redor, e determinada a proteger seus filhos. Fernanda evita exageros emocionais, optando por uma performance contida, marcada pela presença e resiliência, o que torna suas cenas ainda mais impactantes. A sua presença é complementada pela breve, mas tocante, participação de Fernanda Montenegro, que interpreta Eunice em idade avançada, afetada pelo Alzheimer, em uma aparição que reforça a carga histórica e emocional do filme.

A cinematografia de Adrian Tejido é outro ponto alto da produção. A paleta de cores sóbria e os enquadramentos cuidadosamente compostos trazem um toque de melancolia, e o uso de câmeras de mão em momentos de tensão contribui para a sensação de imersão. A trilha sonora de Warren Ellis acrescenta profundidade, com composições que ecoam o luto e a incerteza dos personagens, pontuadas por músicas emblemáticas do período que reforçam o recorte histórico.

Embora o filme seja tecnicamente impecável, ele peca em alguns aspectos emocionais. A abordagem de Salles, embora respeitosa, é bastante contida (se tratando de atos ocorridos durante uma ditadura militar), o que impede que o público sinta uma conexão mais profunda com os personagens. Em vez de aprofundar o drama interno dos membros da família Paiva, o diretor mantém uma distância, optando por uma visão protocolar e estética do Brasil sob o regime militar. Essa escolha limita o envolvimento emocional e faz com que o filme, em certos momentos, pareça mais uma recriação histórica do que uma história profundamente humana e real.


Outro ponto que enfraquece um pouco o impacto do filme é o ato final. O desfecho, que inclui a presença de Fernanda Montenegro e a reparação histórica trazida pela Comissão da Verdade em 2012, é emocionalmente tocante, mas sua execução não atinge o mesmo nível das cenas anteriores e essa grande atriz brasileira poderia ter tido falas em cena. O ritmo desacelera, e a narrativa perde um pouco da força acumulada, resultando em um clímax que parece menos poderoso do que o esperado, considerando a magnitude do tema abordado.

Ainda Estou Aqui se destaca como uma das produções brasileiras mais relevantes dos últimos anos, especialmente em um momento de renovação das discussões sobre o legado da ditadura no Brasil. O filme consegue honrar a memória daqueles que sofreram com o regime militar, e é um testemunho contra o esquecimento e a favor da resistência. Walter Salles entrega uma obra esteticamente primorosa e historicamente necessária, reforçando a importância do cinema como ferramenta de memória e crítica.