29/01/2025

Crítica | O Homem Do Saco


O Homem do Saco, dirigido por Colm McCarthy, é uma tentativa de resgatar o horror folclórico por meio de uma entidade clássica, mas o filme tropeça em clichês, falta de tensão e uma execução genérica que impede qualquer impacto duradouro. Embora o design do monstro e alguns efeitos práticos sejam aceitáveis, o longa falha em entregar um terror convincente ou personagens memoráveis, resultando em uma experiência esquecível.

A trama segue Patrick McKee (Sam Claflin), que, enfrentando dificuldades financeiras, retorna à casa de sua infância com sua esposa Karina (Antonia Thomas) e seu filho Jake (Carnell Vincent Rhodes). Lá, Patrick descobre que o "Bagman", uma entidade folclórica que sequestra crianças "boas" para enfiá-las em seu saco, voltou a assombrar a região. Embora a premissa tenha potencial, a execução se apoia em convenções gastas do gênero, barulhos no meio da noite, luzes piscando e uma boneca assustadora que nunca é realmente usada de forma criativa.

O roteiro, assinado por John Hulme, parece mais interessado em despejar informações do que em construir uma atmosfera de mistério. Em vez de explorar a mitologia do "Bagman" de forma significativa, o filme opta por diálogos expositivos e cenas que reciclam sustos previsíveis. A tentativa de criar tensão com os pesadelos de Patrick e os sons ao redor da casa carece de impacto, resultando em uma narrativa que nunca atinge seu potencial.

McCarthy, demonstra aqui uma abordagem visual sem inspiração. Apesar de evitar o uso excessivo de filtros de cor, o filme apresenta uma cinematografia plana, com pouca variação nas composições e um uso mínimo de sombras ou iluminação para intensificar o suspense. A ambientação em uma cidade pequena, com uma mina abandonada como palco de terror, poderia ter sido usada de forma mais evocativa, mas acaba sendo subutilizada.


Sam Claflin entrega um desempenho competente como Patrick, um homem assombrado por seu passado e tentando proteger sua família. No entanto, o roteiro não dá ao personagem profundidade suficiente para que o público se importe com sua jornada. Antonia Thomas, por sua vez, é relegada a um papel de esposa frustrada, com pouca relevância na trama, além de reclamar sobre a flauta de brinquedo do filho.

Os personagens secundários, incluindo o irmão de Patrick (Steven Cree) e outras figuras da cidade, são esquecíveis, com diálogos genéricos e motivações mal desenvolvidas. Até mesmo o "O Homem do Saco", interpretado por Will Davis, é uma figura que carece de presença real no filme, apesar de um design visual aceitável. O monstro é mais eficaz quando permanece envolto em sombras, mas suas aparições raramente causam medo genuíno.

Apesar das falhas, há alguns aspectos interessantes no filme. O uso de efeitos práticos no design do "O Homem do Saco" é satisfatório, e a decisão de terminar o filme com um tom sombrio adiciona um elemento de surpresa que impede que a conclusão seja completamente formulaica. No entanto, esses méritos não são suficientes para compensar a falta de originalidade e impacto do filme como um todo.

Crítica | Emilia Pérez


O longa "Emilia Pérez", dirigido por Jacques Audiard, é um musical ousado e estilizado que mistura drama, sátira e uma boa dose de absurdo. Ambientado em um México “europeu”, com a história de um líder de cartel que passa por uma transição de gênero para escapar de seu passado, o filme busca explorar temas como redenção, identidade e poder. No entanto, apesar de seus momentos de brilho visual e atuações memoráveis, o longa sofre com inconsistências temáticas e abordagens questionáveis sobre questões sensíveis. 

A trama segue Manitas Del Monte (Karla Sofía Gascón), um líder de cartel temido que decide abandonar sua vida de crimes, mudando de identidade para se tornar Emilia Pérez. Para isso, ele contrata a advogada Rita (Zoe Saldaña), que se vê envolvida em uma missão que inclui cirurgias de redesignação de gênero e a criação de uma nova identidade legal. A narrativa se desenrola como uma ópera narcótica, onde números musicais elaborados, como a consulta com um cirurgião plástico em Bangkok, contrastam com os momentos mais íntimos de introspecção.

Jacques Audiard, conhecido por explorar vidas marginalizadas, aplica sua sensibilidade habitual a uma história que parece fugir ao seu domínio. Embora consiga integrar sequências musicais grandiosas sem perder a fluidez da narrativa, a abordagem exagerada e teatral muitas vezes subverte a profundidade emocional que o filme espera passar.

A direção de Audiard é marcada por um estilo visual deslumbrante. As recriações da cidade do México, filmadas em estúdios parisienses, oferecem um ambiente fantasmagórico que mistura o artificial e o natural. A cinematografia de Paul Guilhaume, repleta de contrastes de luz e escuridão, enfatiza a tensão entre a opulência e a violência que permeiam o universo do filme. Sequências coreografadas, como o número de Rita com um conjunto de enfermeiras girando pacientes, lembram a grandiosidade de espetáculos da Broadway, mas também evidenciam o exagero que pode alienar o público sobre uma temática tão sensível e importante.


Karla Sofía Gascón é o destaque do elenco, entregando uma performance multifacetada que explora as contradições de Emília, uma busca sincera por redenção misturada à persistência de traços manipuladores e violentos. Zoe Saldaña traz intensidade como Rita, uma advogada cínica que gradualmente questiona sua moralidade, enquanto Selena Gomez, embora subutilizada como Jessi, adiciona uma camada de vulnerabilidade à história. Adriana Paz também merece menção como Epifanía, cuja presença discreta contrasta com o espetáculo em torno dela.

Apesar de sua ambição, o filme tropeça em sua abordagem de temas complexos como transição de gênero e violência. Audiard tenta afirmar a feminilidade de Emília, mas frequentemente recai em estereótipos que reduzem sua jornada a um artifício narrativo. A transição de gênero, em vez de ser explorada com nuance, é tratada como um instrumento para reforçar a transformação moral da protagonista, o que pode parecer insensível ou simplista.

Além disso, o uso do narcotráfico como pano de fundo é problemático. A narrativa explora os efeitos colaterais da violência de forma superficial, priorizando o espetáculo sobre uma análise mais profunda das causas e consequências desse problema real. Essa abordagem, combinada com o distanciamento cultural do diretor, levanta questões sobre a legitimidade da representação e a exploração de narrativas latinas por um olhar estrangeiro.


Emilia Pérez também possui momentos de beleza e criatividade que merecem reconhecimento. A fusão entre musical e melodrama é corajosa, e os números musicais são visualmente impactantes. A performance de Gascón, em particular, adiciona um peso emocional que ajuda a ancorar o filme em meio ao caos estilizado.

No final das contas, Emilia Pérez é um filme visualmente marcante e narrativamente ousado, que busca combinar o espetáculo do musical com um drama de redenção e identidade. No entanto, sua abordagem exagerada e, por vezes, insensível aos temas que propõe explorar, enfraquece seu impacto emocional. Embora conte com atuações poderosas, principalmente de Karla Sofía Gascón, e uma direção estilizada de Jacques Audiard, o filme tropeça ao tratar questões complexas de maneira superficial. Ainda assim, sua ambição estética e narrativa faz com que Emilia Pérez seja uma experiência intrigante, mesmo que desigual.

26/01/2025

CRÍTICA | Paradise


Paradise, a nova série do Disney+ que chega ao catalogo do straeaming no dia 28 de Janeiro, marca mais uma colaboração entre o talentoso ator Sterling K. Brown e o criador Dan Fogelman, ambos conhecidos por seu trabalho em "This is Us". Enquanto essa nova empreitada parece se afastar da narrativa emocional que consagrou sua série anterior, o resultado final é uma mistura de altos e baixos que, embora interessante, ainda não consegue se estabelecer como uma obra-prima.

A trama gira em torno de Xavier Collins (Brown), um agente do Serviço Secreto que se vê em um turbilhão emocional e profissional após encontrar o presidente Cal Bradford (James Marsden) morto em circunstâncias suspeitas. Essa premissa, que poderia facilmente se transformar em um clichê de thriller político, é enriquecida pela habilidade de Fogelman de entrelaçar flashbacks que revelam a complexidade das relações interpessoais. É nesse aspecto que "Paradise" se destaca, os momentos de passado e presente criam uma narrativa que permite ao público entender não apenas a dinâmica entre os personagens, mas também os traumas que os moldaram.

O elenco, composto por nomes como Julianne Nicholson e Glynn Turman, é outro trunfo do show. Brown é carismático e traz uma profundidade emocional ao seu papel, enquanto Marsden, mesmo em sua breve presença, entrega um desempenho bem interessante. Nicholson, como Samantha Redmond, oferece uma performance que chama a atenção, especialmente nas cenas mais íntimas de dor e vulnerabilidade.



A estrutura episódica que lembra "Lost" proporciona momentos intrigantes, mas a narrativa se desvia, tornando-se mais confusa à medida que avança. Embora as reviravoltas sejam uma marca registrada do estilo de Fogelman, algumas delas parecem forçadas e previsíveis, diluindo a tensão que deveria permeá-las. O mistério central, em si, carece de urgência, o que prejudica o impacto emocional que a morte do presidente deveria carregar.

Ainda assim, "Paradise" não pode ser descartado como um mero thriller genérico. O seriado tenta explorar temas de luto, família e responsabilidade, embora, por vezes, esses elementos emocionais se percam em meio a tramas mais complexas. O desejo de Fogelman de criar uma narrativa rica e multifacetada é louvável, mas a execução pode deixar os espectadores confusos e, em alguns momentos, desinteressados. Esperamos que os próximos episódios entreguem muito, para validar o peso de todos os envolvidos nesta série.

CRÍTICA | COVIL DE LADRÕES 2


Covil de Ladrões 2 chega com grandes expectativas e um novo direcionamento que se distingue de seu antecessor. Escrito e dirigido por Christian Gudegast, o filme se inspira em clássicos de ação, oferecendo uma narrativa que não se limita apenas a perseguições frenéticas e tiroteios desenfreados.

O protagonista, Nick O’Brien (Gerard Butler), ainda enfrenta as consequências do roubo ao Federal Reserve que marcou o primeiro filme. O'Brien, que se vê em um momento de crise pessoal e profissional, decide se unir ao criminoso Donnie Wilson (O'Shea Jackson Jr.) na Europa, após descobrir que ele está envolvido em um elaborado esquema para roubar o World Diamond Authority. A reviravolta dessa união, onde Nick se torna um aliado mais do que um perseguidor, adiciona uma camada interessante à narrativa, ressaltando um desenvolvimento mais emocional entre os personagens.

Ao contrário do primeiro filme, que era uma explosão de testosterona, "Covil de Ladrões 2" investe em momentos de camaradagem e humor entre os protagonistas. A química entre Butler e Jackson Jr. é um dos pontos altos, trazendo uma leveza que contrasta com a tensão do planejamento do assalto. O filme se destaca pela sua ênfase nos detalhes do planejamento criminoso, quase como um procedimento metódico, o que pode surpreender aqueles que esperavam uma abordagem mais convencional.

Entretanto, a longa duração de 140 minutos pode parecer excessiva para alguns. Christian Gudegast se permite explorar cada aspecto do plano, resultando em uma narrativa que se desvia do frenético estilo de ação de muitos blockbusters contemporâneos. Apesar disso, o tempo investido em construir a relação entre Nick e Donnie se mostra recompensador, trazendo um peso emocional que engrandece o filme.


A ação, quando ocorre, é primorosamente coreografada, especialmente em uma sequência de perseguição nas montanhas da França, que destaca a tensão e a grandiosidade sem recorrer ao CGI exagerado. A direção de Gudegast também é elogiável ao criar uma atmosfera de realismo nas cenas de ação, fazendo com que cada tiro tenha um peso e uma consequência.

Porém, o enredo se complica com a introdução de diversas subtramas envolvendo máfias e vinganças que, em certos momentos, parecem desnecessárias. A falta de profundidade em personagens secundários também é notável, fazendo com que a narrativa central fique em evidência, mas deixando um certo vazio em torno dos coadjuvantes.

O longa é uma proposta ousada que reflete uma evolução do primeiro filme. Embora ainda tenha elementos típicos de um filme de ação padrão, a obra se transforma em um estudo de personagens inesperados e uma trama mais interessante. Indicado para quem é fã de thrillers que esbanjam ação e desenvolvimento de personagens, este filme é o top um da lista. Com um final que deixa a porta aberta para uma possível continuação, a expectativa sobre o que virá a seguir se torna um convite à reflexão sobre o gênero e suas possibilidades.

CRÍTICA | A Verdadeira Dor


Jesse Eisenberg, em seu segundo trabalho como escritor e diretor, apresenta "A Verdadeira Dor", uma comédia dramática que transcende as expectativas de um filme desse gênero convencional. Com uma duração enxuta de 90 minutos, o filme se desdobra como uma amálgama vibrante entre o humor e a profundidade emocional, centrando-se na relação conflituosa entre dois primos judeus americanos, David (Eisenberg) e Benji (Kieran Culkin), em uma viagem à Polônia após a morte de sua avó, uma sobrevivente do Holocausto.

A química entre os protagonistas é palpável. David, um homem autoconsciente e neurótico, contrasta fortemente com Benji, um espírito livre e irreverente, cujas palavras saem de sua boca sem filtro. A dinâmica entre eles cria um terreno fértil para um diálogo afiado, que se transforma em um embate verbal tanto cômico quanto revelador. Eisenberg demonstra um talento notável ao balancear o humor ácido com momentos de profunda vulnerabilidade, especialmente em cenas onde a tensão entre o passado e o presente emerge de forma devastadora.

Kieran Culkin entrega uma performance memorável como Benji, um personagem que evoca tanto risadas quanto empatia. Culkin consegue navegar entre uma alma descontraída e a angústia interna de seu personagem, revelando as complexidades de um homem que busca se reconectar em meio ao luto. Sua atuação é, sem dúvida, uma das melhores do ano, e sua presença cativa cada vez que aparece em cena.


O roteiro de Eisenberg é interessante ao explorar temas como trauma geracional e a natureza do turismo do Holocausto, proporcionando uma crítica mordaz ao comportamento social dos protagonistas. Enquanto David busca um entendimento emocional mais profundo, Benji frequentemente choca os outros personagens com suas opiniões intransigentes, criando um campo de batalha que expõe as fragilidades de ambos.

Eisenberg também se destaca como diretor, mostrando um olho aguçado para a cinematografia e o ritmo. As escolhas musicais, predominantemente compostas por Chopin, adicionam uma camada de melancolia que complementa a narrativa e ajuda a estabelecer o tom do filme. O uso de montagens visuais simples, mas poderosas, permite que o público absorva a gravidade da história sem sobrecarregar a obra com histrionismo desnecessário.


O filme é uma reflexão sobre a desconexão familiar e a busca por significado em meio à dor. Eisenberg consegue equilibrar momentos de leveza com um profundo respeito pela dor e pela história que os personagens carregam, apesar de diálogos cômicos desnecessários o longa transforma o que poderia ser uma comédia leve em uma reflexão até que comovente sobre a condição humana.

A Verdadeira Dor vai além do que se espera de uma comédia. É um filme que, com sua combinação estranha de humor e tragédia, captura a complexidade das relações humanas e a inevitabilidade da dor, mostrando que, às vezes, o riso é apenas uma máscara que usamos para enfrentar a realidade. A habilidade de Eisenberg em criar uma narrativa que provoca tanto risos quanto lágrimas é uma marca de sua maturidade como cineasta.

CRÍTICA | A ACOMPANHANTE PERFEITA


Acompanhante Perfeita, dirigido por Drew Hancock, é um thriller de ficção científica que combina humor ácido e críticas sociais em um enredo engenhoso e imprevisível. Utilizando a crescente fascinação por inteligência artificial e sua interseção com dinâmicas de poder, o filme oferece uma experiência ao mesmo tempo divertida e perturbadora, que desafia as expectativas do público.

O filme segue Iris (Sophie Thatcher), uma androide criada para satisfazer as necessidades emocionais e físicas de Josh (Jack Quaid). O que começa como uma aparente comédia romântica logo dá lugar a um thriller repleto de reviravoltas. Durante uma viagem para uma mansão remota com amigos de Josh, um evento traumático, o assassinato de Sergey (Rupert Friend) por Iris em legítima defesa desencadeia uma cadeia de eventos que revelam a verdadeira natureza de Iris e das pessoas ao seu redor. O enredo, embora compactado em 97 minutos, é habilmente estruturado com flashbacks e surpresas que mantêm o público intrigado.

Drew Hancock traz segurança ao longa, equilibrando suspense, sátira e momentos absurdos. O roteiro brinca com as expectativas do público, explorando temas como misoginia, controle e ética na criação de inteligência artificial. A revelação de que Iris é um robô é tratada de maneira rápida, permitindo que o filme se concentre em questões mais profundas, como o instinto de autopreservação e as consequências do abuso de poder. A sátira sobre a masculinidade tóxica, personificada por Josh, é afiada, e o humor ácido permeia o filme sem diminuir sua tensão.

Sophie Thatcher entrega uma performance excepcional como Iris, transitando com habilidade entre a vulnerabilidade humana e a eficiência robótica. Sua luta pela sobrevivência e sua busca por independência tornam a personagem surpreendentemente empática. Jack Quaid, por outro lado, retrata Josh como um homem inseguro e manipulador, oferecendo uma atuação que equilibra charme e vilania. O elenco de apoio, incluindo Harvey Guillén e Rupert Friend, adiciona camadas cômicas e dramáticas, embora alguns personagens, como o de Megan Suri, não sejam totalmente desenvolvidos.


A cinematografia de Eli Born destaca a beleza da mansão isolada e cria um contraste irônico entre a paisagem ensolarada e os eventos sombrios que ocorrem dentro dela. O design de produção e os efeitos visuais reforçam a credibilidade do mundo futurista do filme, enquanto a trilha sonora ajuda a intensificar os momentos de suspense e humor.

O filme aborda questões éticas sobre a criação de IA senciente e as dinâmicas de poder em relacionamentos, tanto humanos quanto artificiais. A história de Iris reflete debates contemporâneos sobre misoginia e objetificação, mostrando como os "companheiros robóticos" podem ser uma extensão de ideais problemáticos. A jornada de Iris, de subserviência programada à independência, é uma metáfora eficaz para a luta por autonomia e respeito.

Acompanhante Perfeita é uma mistura bem sucedida de ficção científica, suspense e sátira social, que oferece tanto entretenimento quanto reflexão. Apesar de algumas falhas de lógica no ato final e personagens secundários pouco explorados, o filme é um thriller impressionante e uma vitrine para o talento de Sophie Thatcher. Para os fãs de thrillers inteligentes e provocativos é uma escolha imperdível.

16/01/2025

CRÍTICA | CONCLAVE



Conclave, dirigido por Edward Berger e baseado no best-seller de Robert Harris, é um thriller político ambientado nos bastidores da Igreja Católica, especificamente no processo de escolha de um novo Papa. Apesar do potencial intrínseco ao tema, o filme entrega uma narrativa previsível e, por vezes, absurda, que desperdiça a oportunidade de explorar os vieses e intrigas reais do Vaticano.

O filme acompanha o Cardeal Lawrence (Ralph Fiennes), que lidera o conclave após a morte do Papa. Ele se encontra em meio a um grupo de cardeais que disputam secretamente o poder, incluindo figuras como o liberal Bellini (Stanley Tucci), o reacionário Tedesco (Sergio Castellitto) e o enigmático Benitez (Carlos Diehz), um recém-nomeado cardeal de Cabul. No entanto, à medida que as votações avançam, mistérios sobre corrupção e segredos pessoais vêm à tona, culminando em um desfecho inesperado e controverso.

Ralph Fiennes como Cardeal Lawrence entrega uma performance impecável (nem parece que um dia foi o temido Lord Voldemort), retratando um personagem torturado por dúvidas de fé e dividido entre sua responsabilidade institucional e os segredos que ameaçam a integridade do processo. Sua presença dá um ar de gravidade que eleva algumas das cenas mais tensas do filme.

A cinematografia de Stéphane Fontaine e o design de produção de Suzie Davies criam uma atmosfera esteticamente rica, com uma Capela Sistina recriada e ambientes que refletem o peso histórico do Vaticano. Apesar disso, o uso exagerado de locais como o distrito EUR de Roma, com sua arquitetura moderna e fria, diminui a autenticidade visual.


O filme tenta capturar a diversidade ideológica entre os cardeais, abordando debates sobre tradição, modernidade, imigração e tolerância religiosa. Embora raso, esse aspecto traz alguma relevância ao contexto contemporâneo.

Adaptado por Peter Straughan, o roteiro se apoia em clichês que esvaziam a complexidade do material original. Intrigas que poderiam ser desenvolvidas com sofisticação se transformam em reviravoltas forçadas, como o uso de um relatório incriminador escondido na cama do Papa ou o discurso inspirador, mas genérico, do candidato "underdog".

Apesar de contar com um elenco renomado, incluindo Stanley Tucci e John Lithgow, os cardeais são caricaturais, representando arquétipos sem profundidade. O enredo reduz a narrativa a um duelo simplista entre bons e maus, sem explorar os dilemas morais ou políticos que poderiam enriquecer a história.


O final tenta surpreender ao revelar algo muito extremo, uma decisão que soa mais como uma provocação gratuita do que uma reflexão significativa. Essa reviravolta não só subverte o tom do filme, mas também carece de contexto narrativo, tornando-se uma escolha que parece forçada e desconectada do restante da trama.

Embora o filme pretenda capturar o mistério e a intriga do conclave, ele falha em transmitir a complexidade da Igreja Católica como instituição. Problemas reais, como as disputas de poder e as questões de corrupção dentro da Cúria, são abordados de forma simplista e pouco crível, de certa forma com o seu lastro apenas em blasfêmia.

O longa tinha todos os ingredientes para ser uma exploração fascinante das intrigas políticas e espirituais do Vaticano, uma das instituições mais poderosas do mundo, mas acaba se contentando com uma execução genérica e caricatural. Apesar das boas atuações e da direção incrivelmente sofisticada, o filme tropeça em seu roteiro mal desenvolvido e em reviravoltas que sacrificam credibilidade em troca de choque superficial. É um exemplo de como um conceito rico pode ser diluído quando a profundidade e a autenticidade são substituídas por fórmulas previsíveis. Um filme que começa com promessas de grandeza, mas termina como uma experiência esquecível.

CRÍTICA | LOBISOMEM


O longa dirigido por Leigh Whannell, é uma reinvenção ousada do clássico The Wolf Man (1941), da Universal Pictures. Inspirado pela atmosfera de isolamento e tensão durante a pandemia, Whannell transforma o conto sobrenatural de licantropia em uma tragédia íntima de horror familiar e psicológico, com um foco no terror e jump scare.

O filme acompanha Blake Lovell (Christopher Abbott), um homem que retorna à cabana isolada de sua infância no Oregon com sua esposa Charlotte (Julia Garner) e sua filha Ginger (Matilda Firth), após herdar a propriedade de seu pai falecido. Quando Blake é atacado por uma criatura misteriosa, ele começa a sofrer uma transformação horrível, tanto física quanto emocional, ameaçando a segurança de sua família.

Leigh Whannell, conhecido por O Homem Invisível (2020), continua a mostrar sua habilidade em equilibrar sustos de causar infartos com narrativas intimistas. A cinematografia explora a natureza isolada do cenário com imagens sombrias e claustrofóbicas, intensificando a sensação de perigo iminente. As cenas de transformação de Blake, realizadas com efeitos super arcaicos, capturam a brutalidade física e emocional de sua metamorfose estranha.

Christopher Abbott entrega uma performance interessante, transmitindo a agonia e o desespero de um homem que lentamente perde sua humanidade. Julia Garner de Ozark brilha como Charlotte, uma esposa que precisa lidar com a crescente ameaça de seu marido transformado, destacando a tensão emocional e a resiliência maternal. A jovem Matilda Firth também se destaca, contribuindo com uma vulnerabilidade genuína que reforça o drama familiar.


A decisão de usar efeitos práticos em vez de CGI para o lobisomem é algo estranho. Trabalhando com o maquiador Arjen Tuiten (O Labirinto do Fauno), Whannell cria um monstro que é tanto aterrorizante quanto visualmente distinto, evitando a aparência clássica de lobisomem em favor de algo mais “normal” e próximo de uma doença degenerativa.

Embora o filme seja repleto de tensão, ele ocasionalmente se arrasta, especialmente durante os momentos iniciais. A construção do suspense, embora eficaz, poderia ser mais bem dosada para manter o público engajado.

Whannell introduz uma metáfora interessante sobre infecção e isolamento, refletindo ansiedades pós-pandemia, mas não explora totalmente as implicações psicológicas e sociais desse conceito. Isso deixa a narrativa rica, mas superficial em alguns aspectos.

"Lobisomem" é mais do que uma simples história de terror, é uma meditação sobre perda, isolamento e o impacto do trauma no núcleo familiar. Whannell moderniza o mito do lobisomem com relevância contemporânea, criando uma experiência que é ao mesmo tempo aterrorizante e emocionalmente ressonante. Embora não seja perfeito, o filme reafirma o potencial dos Monstros da Universal para serem reinventados de forma criativa e impactante.

15/01/2025

CRÍTICA | ANORA



Anora, dirigido e roteirizado por Sean Baker, é uma montanha-russa emocional que desafia expectativas e transcende gêneros de forma magistral. O filme apresenta a história de Anora (Mikey Madison), uma jovem trabalhadora do sexo em Brooklyn, que, ao se casar impulsivamente com Ivan (Mark Eidelshtein), herdeiro de um oligarca russo, acredita ter encontrado sua chance de mudar de vida. No entanto, o que parecia um conto de fadas rapidamente se transforma em uma narrativa cheia de camadas e surpresas.

Baker sabe como capturar o público desde o início. Em menos de 10 minutos, somos introduzidos ao mundo de Anora de maneira sutil, mas intrigante, sem rodeios excessivos. O roteiro é uma aula de como manter o espectador curioso, evitando previsibilidades e entregando reviravoltas que chocam e encantam na mesma medida.


Mikey Madison entrega uma performance visceral e cativante. Sua Anora é uma mistura de vulnerabilidade e determinação, uma mulher jovem com sonhos e esperanças, mas marcada por uma realidade dura. Madison comunica muito mais com olhares e gestos do que com palavras, e suas emoções transbordam para a tela de maneira comovente. 

Mark Eidelshtein, por sua vez, interpreta Ivan com uma infantilidade que inicialmente soa peculiar, mas que logo revela ser um traço intrínseco ao personagem. Sua atuação dá peso à dinâmica do casal, ao mesmo tempo inocente e complexa.

O que realmente diferencia Anora é sua habilidade em navegar por diversos gêneros. Baker inicia o filme como um drama romântico, transforma-o em uma comédia hilária e, finalmente, mergulha o público em um drama psicológico denso e perturbador. Essa transição é feita de forma orgânica e fluida, sem jamais perder o ritmo. A comédia atinge seu auge no meio do filme, arrancando risadas genuínas, enquanto o desfecho força o espectador a refletir sobre os traumas de Anora e os efeitos que eles terão em sua vida.


Visualmente, Anora é deslumbrante. A cinematografia utiliza closes nos olhos dos personagens para transmitir emoções profundas, enquanto os planos abertos das cenas mais picantes adicionam uma camada estética ao filme. As cenas de sexo, longe de serem gratuitas, são construídas com cuidado, revelando intimidade e vulnerabilidade. 

A trilha sonora, embora funcional, não se destaca. Cumpre seu papel em ambientar o público nas boates e nas situações mais intensas, mas carece de momentos memoráveis que poderiam elevar ainda mais a experiência.

Anora é um filme denso, multifacetado e impactante. faz você rir, relaxar e se envolver com seus momentos mais leves, apenas para, no final, cravar uma lâmina afiada em sua consciência. Sean Baker conduz a trama com maestria, transformando uma história de amor improvável em uma reflexão brutal sobre escolhas, traumas e o peso das cicatrizes emocionais.

Nota: 5.0/5.0

13/01/2025

CRÍTICA | MARIA CALLAS


Maria Callas, dirigido por Pablo Larraín, é o capítulo final da trilogia do diretor sobre mulheres icônicas e atormentadas, precedido por Jackie (2016) e Spencer (2021). Desta vez, Larraín foca nos últimos dias da lendária soprano Maria Callas, interpretada por Angelina Jolie, oferecendo uma visão estilizada e melancólica de uma figura que alterna entre o divino e o humano com sua impecável voz. Contudo, enquanto o filme apresenta uma bela fotografia e uma atuação impressionante de Angelina Jolie, ele falha em capturar a essência mais humana e complexa de Callas.

Ambientado em Paris na década de 1970, o filme segue Callas em sua reclusão, navegando entre memórias de uma carreira brilhante e a dor de um amor perdido por Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer). Uma entrevista imaginária com um jornalista fictício, batizado de "Mandrax" em referência ao tranquilizante favorito de Callas, serve como dispositivo narrativo para explorar flashbacks de momentos cruciais de sua vida, desde sua infância na Grécia ocupada pelos nazistas até os palcos de Veneza e seu tórrido romance com Onassis.

A direção de Larraín e a cinematografia evocativa capturam uma Paris burguesa e elegante, intocada pelas mudanças culturais da época. O uso de diferentes proporções de tela e preto e branco para os flashbacks é uma escolha estilística interessante, mas que reforça a sensação de distanciamento entre o público e a protagonista. A atenção meticulosa ao figurino e à ambientação cria um ambiente de opulência que combina com a figura de Callas, mas às vezes pesa sobre a narrativa, tornando o filme visualmente mais fascinante do que emocionalmente impactante.

Jolie entrega uma performance bela e digna, canalizando a aura de Callas como uma diva sobre humana. Ela treinou para cantar as árias do filme, misturando sua voz às gravações originais da soprano, o que adiciona uma camada de autenticidade. No entanto, a interpretação de Jolie é tão reverente que priva Callas de qualquer vulnerabilidade real. Sua Callas é uma figura distante, quase mitológica, que parece mais um ícone intocável do que uma mulher atormentada por seus próprios demônios.


O roteiro de Steven Knight, embora repleto de diálogos espirituosos, é pouco eficaz em conferir urgência ou tensão à narrativa. O foco no romance com Onassis, que recebe mais atenção do que suas realizações artísticas, é frustrante. Callas é reduzida à sombra de um relacionamento, enquanto sua complexidade como artista e ser humano é deixada de lado. Além disso, a trama se move sem direção clara, com as divagações físicas e mentais da protagonista resultando em uma narrativa que carece de impulso emocional.

Enquanto Jackie e Spencer exploraram suas heroínas em camadas, revelando tanto suas fragilidades quanto suas forças, "Maria Callas" parece hesitar em humanizar sua protagonista. A dicotomia entre "Maria", a mulher, e "La Callas", a diva, é frequentemente mencionada, mas o filme não a explora de forma significativa. Callas permanece em um pedestal, e o filme, mesmo intitulado "Maria", parece mais interessado em "La Callas".

Maria Callas é uma obra visualmente impressionante e sofisticada, com uma performance incrível. No entanto, a falta de profundidade emocional e a abordagem excessivamente reverente impedem que o filme atinja o mesmo impacto de outros trabalhos de Larraín. Para os admiradores da soprano, ele oferece um retrato estilizado de seus últimos dias, mas aqueles que buscam uma exploração mais íntima e reveladora de sua vida e legado podem se sentir desapontados. Apesar de seu glamour, "Maria Callas" carece da alma que fez de sua protagonista uma figura tão fascinante e complexa.