25/06/2025

CRÍTICA | Megan 2.0


Se M3GAN (2023) foi a boneca assassina que o mundo não sabia que precisava, um delírio pop com uma IA homicida, passos de dança virais e um carisma sombrio M3GAN 2.0 tenta ser a evolução lógica: maior, mais ousada, mais apocalíptica. Mas a atualização, apesar de divertida em muitos momentos, sofre do mesmo mal que tantas sequências de ficção científica, o excesso de ideias e a perda do charme original.

Enquanto o primeiro filme brincava com a “nomofobia”, o horror cotidiano da dependência tecnológica no ambiente doméstico, M3GAN 2.0 se projeta para a escala global sai o terror de babás substitutas, entra a ameaça de androide militarizado. M3GAN agora encara AMELIA, uma robô de combate nascida da sua própria codificação, mas desprovida de charme, uma T-1000 de saia dourada e zero carisma.

A analogia com “O Exterminador do Futuro 2” é inevitável (e assumida pelo próprio filme), se antes M3GAN era a vilã letal, aqui ela assume o arquétipo do anti-herói, reprogramada para salvar, não matar. O problema é que, ao transformá-la em protagonista simpática, o filme abre mão de parte significativa de sua força original, sua ameaça imprevisível, seu humor ácido, sua ambiguidade fascinante.

Allison Williams retorna como Gemma, agora uma reformada "ex-desenvolvedora" em cruzada contra os perigos da IA. Sua jornada de culpa e redenção é tratada com a sutileza de um bloco de dados, ela escreveu um livro, foi à TV se desculpar, e agora vive como relutante heroína de bunker. Violet McGraw, como Cady, ganha pouco espaço no roteiro, o que enfraquece a conexão emocional que sustentava o primeiro filme.


Entre os vilões humanos, temos o bilionário excêntrico Alton Appleton (Jemaine Clement), uma típica caricatura do Vale do Silício, e um elenco de coadjuvantes descartáveis, alvos fáceis das investidas mecânicas das IA’s. A crítica à tecnocracia está lá, mas embalada em paródias tão exageradas que perdem o impacto.

Ainda que a narrativa vacile, M3GAN continua sendo o coração ou processador do filme. Jenna Davis (voz) e Amie Donald (performance física) criam uma personagem que transita entre a doçura ameaçadora e a ironia calculada com maestria. Se antes ela aterrorizava com canções pop e olhos de vidro, agora ela arranca gargalhadas com monólogos sarcásticos, referências a Kate Bush e saídas de cena com toalha no ombro.

Sua presença em tela continua impactante, e mesmo quando o roteiro tenta torná-la uma heroína redimida, há sempre um lampejo de sua essência vilanesca espreitando por trás do sorriso plastificado. Ela não é apenas uma boneca assassina. É um meme cultural.

Dirigido novamente por Gerard Johnstone, o filme tenta replicar os acertos do original e expandi-los com cenas de ação maiores, efeitos visuais mais ambiciosos e uma trilha sonora até que interessante. Há espaço para piadas que evocam Beetlejuice, Steven Seagal e até Wallace & Gromit. Algumas funcionam maravilhosamente bem como o número musical absolutamente perturbador, outras soam como ruído ensurdecedor.

O problema é que M3GAN 2.0 quer ser muitas coisas ao mesmo tempo: sátira, thriller, ação futurista e sociotecnológico. Em seu esforço de agradar a todos os públicos, perde um pouco da precisão que tornava o primeiro filme tão eficiente e coeso.

23/06/2025

Crítica | F1 O FIlme


Há filmes que chegam aos cinemas com o motor já roncando alto, acelerando direto rumo ao estrelato embalados por nomes de peso, marketing específico e um apelo visual que promete (e muitas vezes entrega) um espetáculo. “F1: O Filme”, de Joseph Kosinski, é exatamente isso: um blockbuster de alta octanagem, com brilho reluzente, estrelado por um Brad Pitt carismático e eternamente atraente, mas também é um produto claramente feito sob medida mais para o branding da Fórmula 1 do que para a arte do cinema.

Brad Pitt encarna Sonny Hayes, um veterano do automobilismo que retorna ao paddock três décadas após um acidente quase fatal. É o típico cowboy solitário em versão high-tech: rebelde, desencantado, sexy e, claro, ainda mais sábio. Hayes já não corre por glória ou dinheiro, mas por uma adrenalina quase mística. Essa jornada de redenção não é nova (ecoando Top Gun: Maverick e até Cars), mas ganha uma certa potência emocional graças à direção estilizada de Joseph Kosinski e ao histórico inegável de Brad Pitt, ainda que sua paleta expressiva siga limitada.

A trama se ancora em fórmulas familiares, o veterano que ensina o novato (Damson Idris), o chefe da equipe desesperado (Javier Bardem, divertido e carismático), a técnica brilhante e subestimada (a excelente Kerry Condon, que segura com talento os diálogos mais cafonas) e o vilão corporativo genérico (Tobias Menzies em modo “caricatura”). Tudo soa previsível e é, mas a execução é, no mínimo, vistosa.


As corridas são um verdadeiro espetáculo. Filmadas com uma intensidade sensorial absurda, misturando carros reais, câmeras IMAX 360° e efeitos digitais de tirar o fôlego, as sequências em pista são um deleite visual, mesmo que faltem a elas clareza narrativa e tensão real. Kosinski parece mais interessado na imersão estética do que em transmitir as nuances estratégicas das corridas e nisso o filme perde para “Ford vs Ferrari”, por exemplo, onde cada curva carregava peso dramático. Aqui, a velocidade deslumbra, mas raramente emociona.

O filme tem muitos méritos, é tecnicamente impressionante, divertido em vários momentos e até educativo para quem nunca viu uma corrida de F1. Há algo de encantador na forma como Kosinski transforma pit stops em balé mecânico e nos convida a ver pneus, downforce e CFD como poesia de engenharia. Mas, ao mesmo tempo, essa grandiloquência é superficial. É um filme que desliza na pista de entretenimento, mas nunca mergulha nos boxes da profundidade emocional.

A decisão de usar imagens reais do acidente de Martin Donnelly como base para o passado traumático de Hayes é polêmica. Embora tecnicamente eficaz, é um gesto que pode parecer exploratório uma tentativa de trazer gravidade a um filme que, em sua essência, é muito mais sobre estilo do que sobre substância.


Tal como Barbie, F1: O Filme é uma megaprodução licenciada pela marca que retrata, com o envolvimento direto de seus ícones (Lewis Hamilton é produtor e aparece em cena), um esporte que se reinventa como entretenimento global. É, ao fim, uma carta de amor da Fórmula 1 a si mesma, embalada em couro sintético e trilha sonora de Hans Zimmer.

É cinema? Sim. É arte? Em alguns momentos. Mas, acima de tudo, é um espetáculo corporativo embalado para consumo rápido – um carro de corrida feito para impressionar a arquibancada, não para abrir o capô da alma.

Crítica | Quebrando Regras


Quebrando Regras é um daqueles filmes que, mesmo com imperfeições técnicas e narrativas, conquista o espectador pela potência de sua história. Inspirado em fatos reais, o longa narra a jornada de Roya Mahboob, uma professora afegã visionária que ousa desafiar a estrutura patriarcal de sua sociedade ao fundar uma startup de tecnologia voltada à educação de meninas. Em um país onde ensinar ciência e tecnologia a mulheres é visto como um ato revolucionário, Roya forma o primeiro time de robótica composto apenas por garotas no Afeganistão e coloca seus nomes no cenário global.

A grande força do filme está justamente aí: em dar voz a uma história real de coragem e superação, sem se apoiar em clichês hollywoodianos ou estereótipos desgastados. Ao contrário do que geralmente se vê quando o cinema aborda o Afeganistão, Quebrando Regras opta por destacar o lado emocional, humano e resiliente de um povo que luta diariamente por dignidade e reconhecimento.

Contudo, nem tudo é perfeito. A montagem do filme, por vezes, opta por cortes abruptos e saltos temporais mal contextualizados, o que pode confundir o espectador e comprometer a fluidez da narrativa. O filme se dedica a contar a história de quatro meninas brilhantes, mas esbarra em uma abordagem superficial de suas trajetórias individuais. Ao longo de seus 120 minutos, o longa toca nas dores, sonhos e transformações dessas jovens, mas sem aprofundá-las como poderia. O resultado é um envolvimento emocional que funciona, mas permanece na superfície — com potencial para ser mais tocante caso houvesse mais tempo (ou vontade) de mergulhar na complexidade de cada personagem.

As atuações são simples, mas encantadoras. Existe uma sinceridade palpável em cena, que torna fácil simpatizar com os personagens e torcer por eles. Já o roteiro, apesar de alguns diálogos que poderiam ser mais bem trabalhados, cumpre bem seu papel de emocionar e inspirar, mantendo a essência da história viva e acessível.

Um ponto que merece reflexão é a escolha pelo idioma inglês, mesmo com o filme se passando majoritariamente no Afeganistão. A decisão claramente busca alcançar o público internacional, especialmente o norte-americano, mas acaba afastando um pouco o espectador da imersão cultural que a língua nativa poderia proporcionar.

Quebrando Regras pode não ser um filme perfeito — e nem precisa ser. Sua missão é maior: contar uma história necessária sobre igualdade, educação e resistência feminina. E nisso, ele acerta em cheio. É um filme que emociona, inspira e nos lembra que fazer o bem, mesmo diante de tantos obstáculos, é uma das formas mais nobres de deixar uma marca na história.


19/06/2025

CRÍTICA | EXTERMÍNIO: A EVOLUÇÃO

Após duas décadas de silêncio, Danny Boyle retorna triunfante ao universo que ajudou a redefinir o mundo zumbi em 2002 com Extermínio (28 Days Later). Extermínio 3: A Evolução, oficialmente intitulado 28 Anos Depois, não é apenas uma continuação cronológica, é um mergulho denso nas cicatrizes de um mundo pós-apocalíptico que, assim como o nosso, aprendeu a normalizar o trauma. E, diferente da enxurrada de filmes de zumbi surgidos nos anos 2000, este capítulo não recicla jump scare ele os reinventa.

Ambientado quase três décadas após o surto do Vírus da Raiva, o novo filme opta por um escopo contido e intimista. Esqueça pandemias globais e exércitos de infectados cercando Nova York o terror aqui é mais local, mais inteligente, mais britânico. Danny Boyle rejeita a escala épica de Hollywood para construir tensão com precisão cirúrgica, como já fizera anteriormente. O Reino Unido está isolado. O mundo seguiu em frente. Mas dentro dessas ilhas, a infecção não é apenas biológica: ela é social, histórica, emocional.

A escolha de centrar a narrativa em uma comunidade insular e autossuficiente, com tradições ritualísticas de sobrevivência, é engenhosa. A Ilha Sagrada é tanto metáfora quanto cenário, um país que se isolou do continente, preso entre a nostalgia de um passado idealizado e o medo de um futuro incontrolável dos ecos não sutis do Brexit.

Alfie Williams, estreante em longas-metragens, é a maior revelação do filme. Como Spike, ele não só carrega o peso da trama, ele encarna o olhar inocente que confronta o horror institucionalizado. O menino que parte para "matar um infectado" como rito de passagem, apenas para descobrir nuances morais e afetivas em meio aos monstros, é um acerto narrativo raro. Boyle extrai dele uma performance que jamais soa forçada, há medo genuíno, mas também curiosidade, humanidade.

Aaron Taylor-Johnson e Jodie Comer são excelentes como pais dilacerados entre proteger e preparar, e Ralph Fiennes, como o enigmático Dr. Kelson, entrega uma performance perturbadora, à altura dos personagens ambíguos que permeiam a sua filmografia.

A proposta de "evolução" dos infectados é mais do que uma justificativa para novos vilões. Os Alfas, infectados mutantes que caçam em bandos e demonstram organização predatória, representam uma mutação do próprio gênero zumbi. Eles não são mortos-vivos, mas sim vivos sem freios morais, uma cateegoria contundente da ferocidade humana em tempos extremos. A ameaça não é mais apenas o contágio, mas a inteligência tribal da barbárie.

Boyle e Garland continuam a se recusar a chamar suas criaturas de "zumbis", e com razão: o horror aqui é existencial. Os infectados são espelhos deformados da humanidade. Eles não têm fome de cérebros, mas de significado. E talvez por isso, 28 Anos Depois ainda causam um desconforto mais duradouro que qualquer susto passageiro.

O uso de iPhones e drones para capturar as imagens deste novo capítulo é mais do que um truque de marketing. Boyle está interessado em redescobrir a urgência do digital. A estética crua, quase documental, remete ao impacto deste universo, que parece tão real quanto uma gravação amadora de um colapso urbano. Ao usar a tecnologia do cotidiano, ele faz com que a destruição pareça próxima, íntima e quase inevitável.

A fotografia é suja, os planos são angulosos e irregulares, e há momentos em que o filme parece mais uma reportagem de guerra do que uma ficção. Tudo isso contribui para a sensação de claustrofobia moral que domina o longa.

O filme é assustador. Mas seu terror mais potente está nas entrelinhas. Como Boyle e Garland sugerem, o que resta da civilização é a memória e os monumentos de crânios erigidos pelo Dr. Kelson são tanto uma homenagem quanto um aviso. A saga aqui promete muito mais do que correria, sangue e adrenalina. Ela quer discutir memória, reconstrução e identidade.

Extermínio 3: A Evolução é menos uma continuação e mais um reflexo brutal de um mundo que aprendeu a conviver com o colapso. Danny Boyle entrega um terror íntimo, sujo e existencial, onde a verdadeira ameaça não são apenas os infectados, mas a lenta erosão da empatia e da memória coletiva. Um filme que grita menos, mas fere mais fundo.

07/06/2025

CRÍTICA | COMO TREINAR O SEU DRAGÃO


Quando a DreamWorks anunciou que Como Treinar o Seu Dragão ganharia uma versão em live-action, muita gente ficou com um pé atrás. Afinal, adaptar uma animação tão amada é arriscado. Mas a verdade é que o estúdio não só respeitou a obra original — ele entregou um filme grandioso, emocionante e visualmente espetacular.

Dirigido por Dean DeBlois, o mesmo da trilogia animada, o novo filme traz o jovem Soluço (vivido por Mason Thames) tentando encontrar seu lugar em uma vila viking onde dragões são vistos como inimigos. Sem a força dos guerreiros ao seu redor, ele aposta na inteligência e sensibilidade — e tudo muda quando cruza o caminho do Fúria da Noite, um dragão lendário que ele decide não matar. Nasce ali uma amizade improvável, que desafia séculos de medo e abre espaço para um novo futuro entre humanos e dragões.

A história é praticamente a mesma da animação, mas aqui ela ganha outra dimensão. Ver Berk em live-action é uma experiência à parte. A vila foi recriada com um nível de detalhe impressionante: casas de madeira gigantes, cenários costeiros, forjas, vilarejos, tudo parece saído de um conto nórdico — mas palpável. É uma daquelas produções em que você acredita que o mundo é real. E isso é mérito tanto da direção de arte quanto da fotografia, que beira o épico, especialmente em cenas de voo e batalhas.

O elenco está muito bem escalado. Mason Thames entrega um Soluço cativante, com um olhar sincero e um crescimento emocional que convence. Gerard Butler retorna como Stoico, o pai durão e imponente, e dá um peso emocional ao personagem. Nico Parker faz uma Astrid forte, destemida e com boa química com Soluço. E Nick Frost, como o ferreiro Bocão Bonarroto, garante leveza e humor nos momentos certos.

Mas é impossível falar do filme sem destacar os dragões. A tecnologia usada para criar essas criaturas é de cair o queixo. Banguela continua sendo uma estrela à parte — engraçado, expressivo, fofo e, ao mesmo tempo, poderoso. O CGI é tão bem feito que em vários momentos a gente esquece que aquilo não é real. Os voos, os olhares, a movimentação… tudo contribui para reforçar o laço entre ele e Soluço, que é o coração da trama.


Outro grande acerto é a trilha sonora. A mesma composição épica e emocional da animação está de volta e continua arrebatadora. Ouvir os temas principais em uma sala IMAX, com som e imagem de altíssima qualidade, eleva a experiência ao máximo. É um filme que te prende pela emoção, pela beleza e pela ação.


Os personagens aqui são menos caricatos que na animação, o que é esperado em uma versão mais realista. Mas o espírito está todo lá: a mensagem sobre empatia, coragem e mudança de mentalidade continua poderosa e atual. A amizade entre Soluço e Banguela ainda emociona como antes, talvez até mais.

Como Treinar o Seu Dragão (2025) não é só uma boa adaptação, é uma verdadeira ode ao poder da amizade, da empatia e da coragem de mudar o mundo com um simples ato de compaixão. É o tipo de filme que te faz sair do cinema com o coração leve, o olho cheio de brilho e a certeza de que algumas histórias são tão poderosas que conseguem voar de uma animação direto para a realidade, sem perder a alma no caminho.

05/06/2025

CRÍTICA | june e john


Luc Besson sempre foi um diretor que oscilou entre o espetáculo e a sensibilidade idiossincrática. De “O Quinto Elemento” ao intimista “Angel-A”, sua carreira é marcada por uma inquietação criativa que, por vezes, encontra eco no inesperado. “June e John”, seu novo longa que segundo rumores foi filmado em segredo com um iPhone durante o lockdown de 2020, representa justamente isso, uma tentativa deliberada de voltar às raízes da criação artística crua, despojada e, em certo sentido, romântica ainda que nem sempre bem-sucedida.

Na superfície, “June e John” parece mais um derivativo de amores à primeira vista e jornadas de autodescoberta, John (Luke Stanton Eddy), um funcionário oprimido pela rotina fria de Los Angeles, conhece June (Matilda Price), uma figura super vibrante que o leva para uma vida de transgressão, cor e caos. É um roteiro simples, quase esquemático, mas que Luc Besson utiliza como pretexto para uma experiência cinematográfica mais sensorial do que narrativa.

Filmado com celular e uma equipe reduzida, o longa adota um estilo "cinema de guerrilha" que resgata o espírito de liberdade e invenção dos primeiros filmes do diretor, como “Subway” ou mesmo “Le Dernier Combat”. As imperfeições técnicas, longe de comprometerem a obra, conferem-lhe uma crueza emocional que combina com o estado de exceção em que foi produzido, pleno lockdown pandêmico. Há, nisso, um valor histórico e estético que transcende o aparato.

Contudo, essa entrega ao estilo tem seu preço. A trama é uma mistura de “Bonnie & Clyde” com “La La Land” e pitadas de surrealismo pop, muitas vezes se perde em sua própria languidez. O romance entre os protagonistas é mais alegórico que palpável, mais ideia do que cerne. Matilda Price tem charme e uma presença bem marcante, mas sua June parece escrita para ser o arquétipo da "pixie dream girl, só que, com armas", enquanto John é um espectador da própria vida, salvo por conveniência de roteiro.


Luc Besson parece mais interessado em construir imagens icônicas do que em desenvolver personagens complexos. Cenas como o assalto impulsivo, os mergulhos nos motéis do deserto e o paraquedismo como metáfora de liberdade são belas, sim, mas também correm o risco de parecer colagens emocionais que não necessariamente se conectam em uma trajetória dramática consistente. Há muito charme visual, perucas, helicópteros, pores do sol californianos, armas, mas pouca substância emocional além da superficial.

O maior mérito de “June e John”, no entanto, está em seu contexto de criação. Não é um filme para ser lido apenas pelos seus méritos narrativos ou técnicos, mas como um gesto, um diretor consagrado, confinado por uma pandemia global, reencontra a paixão artesanal de contar uma história com o que tem à mão.

É impossível ignorar o paralelo com a própria jornada de John, preso à rotina opressora, ele redescobre a pulsação da vida ao lado de June. “June e John” é, nesse sentido, o filme mais pessoal de Luc Besson desde Angel-A; despretensioso, errático, mas carregado de autenticidade e desejo de expressão.

04/06/2025

CRÍTICA | BAILARINA

No universo brutal, estilizado e quase mitológico de John Wick, Bailarina surge como um spin-off ambicioso que tenta fundir a disciplina do balé com o caos. Dirigido por Len Wiseman e protagonizado por Ana de Armas como Eve Macarro, uma assassina treinada pela seita Ruska Roma, o filme promete muito, entrega ação até dizer chega, mas tropeça em suas próprias pretensões narrativas.

Bailarina acompanha a jornada de vingança de Eve, que, após o assassinato de sua família, embarca em uma espiral de violência, disciplina e catarse emocional. Ambientado entre os eventos de John Wick: Capítulo 3 e Capítulo 4, o longa aproveita o rico universo já construído e se ancora em figuras conhecidas como John Wick (Keanu Reeves), Winston (Ian McShane) e a Diretora (Anjelica Huston). Apesar disso, Bailarina tenta firmar sua própria identidade.

O roteiro, assinado por Shay Hatten, busca construir uma protagonista multifacetada ferida, resiliente e eficiente. Entretanto, Eve parece ser escrita mais como uma “projeção idealizada” de uma mulher fatal do que uma figura genuinamente complexa. Ana de Armas tem carisma de sobra e entrega o que pode com o material que recebe, mas o desenvolvimento de sua personagem peca por excesso de foco na estética e falta de substância.

Se Bailarina é inconsistente como drama psicológico, ao menos é um deleite visual. A cinematografia francesa, com seus tons frios e arquitetura imponente, serve como pano de fundo para sequências de luta elegantemente coreografadas, muitas das quais evocam a precisão de um pas de deux transformado em balé de sangue.

A abordagem física do combate é mais crua do que nos filmes centrais da franquia, refletindo a inexperiência da protagonista. Essa escolha de direção, coordenada por Stephen Dunlevy, funciona ao transmitir vulnerabilidade e realismo, ainda que ocasionalmente reduza o ritmo do filme.

A trilha sonora de Klaus Badelt é interessante e, em certos momentos, sublime sobretudo nas cenas que mesclam dança e violência, remetendo à tradição operística que permeia o universo John Wick. No entanto, a música também se torna invasiva em pontos onde o silêncio poderia falar mais alto. A tentativa de comover o espectador por vezes recorre ao óbvio, reduzindo o impacto de cenas que exigiam mais sutileza.

A presença de Keanu Reeves é mais decorativa do que essencial. O próprio John Wick parece inserido à força, funcionando mais como um símbolo de marketing do que como um pilar narrativo. Isso prejudica a fluidez do enredo, que já sofre com uma trama rasa e diálogos expositivos. Ainda assim, Bailarina entrega o que os fãs esperam em termos de ação, incluindo um confronto de cair o queixo com lança-chamas, lutas com picadores de gelo e execuções em passarelas teatrais.

Há quem imagine que Bailarina é a "Cinderela de John Wick", e há verdade nisso, a jovem órfã, treinada em segredo, que transforma sapatilhas em armas. Mas falta ao conto de fadas distorcido algo essencial, empatia. A personagem principal é eficiente, mas raramente cativa. Sua dor é mostrada, mas não sentida.

Bailarina é um filme estiloso, violento e repleto de energia, mas com pouca alma. Ele funciona como extensão visual do universo John Wick, com combates criativos e uma direção de arte impressionante, mas carece da profundidade emocional que sua premissa promete. Para quem busca adrenalina e coreografias, é um prato cheio. Para quem esperava um novo clássico do cinema de ação com peso dramático, resta apenas a frustração de uma coreografia belamente executada, mas vazia de propósito.