25/09/2025

CRÍTICA | UMA BATALHA APÓS A OUTRA


Uma Batalha Após a Outra é mais do que apenas um título provocativo, é uma síntese perfeita do que Paul Thomas Anderson entrega nesta obra grandiosa, caótica e irresistivelmente política. Inspirado de forma livre no romance Vineland de Thomas Pynchon, o filme não busca fidelidade literal, mas sim capturar o espírito paranoico, subversivo e satírico do autor para transportá-lo à era contemporânea. O resultado é um longa fascinante: um thriller de ação com energia de quadrinhos, um drama de contracultura carregado de humor e um comentário contundente sobre os Estados Unidos de ontem e de hoje. 

O filme abre com uma sequência em um centro de detenção de imigrantes que imediatamente contextualiza seu tom: imagens que parecem arrancadas de telejornais recentes são filtradas pela lente estilizada de Anderson, que expõe a violência institucionalizada e a frieza da burocracia. Nesse cenário conhecemos Bob, vivido por Leonardo DiCaprio em uma de suas atuações mais surpreendentes e multifacetadas. Bob é um ex-revolucionário perdido em sua própria decadência, um homem que alterna entre o devoto apaixonado da juventude e o pai desajeitado, destruído pelo vício e pela falta de propósito. DiCaprio equilibra tragicomédia e emoção com notável naturalidade: se em certos momentos o vemos correndo pelas ruas usando roupão, patético e desorientado, em outros transmite o peso devastador da culpa e do amor por sua filha.

A personagem de Perfídia, interpretada com uma intensidade incendiária por Teyana Taylor, rouba a cena nas primeiras sequências. Grávida e implacável, ela desafia estereótipos ao encarnar a força revolucionária feminina em sua forma mais crua e perigosa. A imagem dela disparando um fuzil de assalto enquanto carrega a vida dentro de si é ao mesmo tempo absurda, poética e profundamente perturbadora, um símbolo visual que Anderson sabe manipular como provocação política. Do outro lado, Sean Penn dá vida ao Coronel Steven Lockjaw, vilão caricatural e repulsivo, cuja performance grotesca funciona tanto como crítica ao autoritarismo quanto como farsa sexualizada.


No centro emocional da trama está Willa, filha de Bob e Perfídia, interpretada por Chase Infiniti. Criada longe da mãe e sob a sombra de um pai autodestrutivo, Willa é o elo entre gerações e um reflexo de como os erros políticos e pessoais reverberam nas vidas das crianças. Treinada em artes marciais, madura além da idade, ela encarna a esperança e o peso de uma juventude obrigada a lidar com as falhas dos adultos. A relação entre pai e filha é, sem dúvida, a âncora dramática do filme, e é através dela que Anderson equilibra o espetáculo caótico com uma camada íntima e profundamente humana.

Se a narrativa já parece suficientemente complexa, Anderson a expande com personagens secundários que adicionam camadas de ironia e crítica social. Lockjaw, obcecado por Perfídia, busca aceitação em uma sociedade secreta de supremacistas brancos, um arco narrativo que revela tanto a hipocrisia quanto o ridículo dessas ideologias. Benicio del Toro, como o sensei de Willa, traz uma mistura de humor e seriedade, atuando como mentor improvável e aliado em meio à confusão crescente. O filme ainda se permite mergulhar em sátiras escancaradas, como as reuniões de supremacistas retratadas quase como um espetáculo farsesco, sem perder a ameaça latente que carregam.

Visualmente, Uma Batalha Após a Outra é um espetáculo. Filmado em VistaVision, o longa tem uma escala épica que contrasta o íntimo com o monumental: perseguições de carro em colinas desérticas parecem montanhas-russas de pura adrenalina, helicópteros militares aterrissam em meio a ruas devastadas, e o caos urbano se mistura com imagens de silêncio inquietante. A trilha sonora de Jonny Greenwood reforça esse contraste, alternando entre acordes estridentes que ecoam a paranoia e momentos líricos que ampliam a carga emocional.

Narrativamente, Anderson brinca com gêneros e tons. Assim como em Magnólia e Boogie Nights, ele cruza histórias, alterna drama e comédia, e costura personagens díspares em uma tapeçaria de caos controlado. Aqui, porém, há um elemento novo: uma fúria política que não se esconde atrás de metáforas sutis. O filme expõe diretamente a violência das instituições, a hipocrisia de elites e a falência de movimentos revolucionários corroídos por contradições internas. Ainda assim, há espaço para um humor ácido e surreal, o que impede que a obra se torne um panfleto e a transforma em algo muito mais vivo e contraditório.

O mais impressionante é como Anderson mantém a fluidez desse turbilhão. Com mais de duas horas e quarenta de duração, o filme poderia facilmente se perder em digressões, mas ao contrário, constrói um ritmo viciante que prende o espectador. As batalhas são muitas, pessoais, políticas, culturais e o título não poderia ser mais apropriado. Cada sequência parece ser uma luta dentro de outra, um reflexo de como a vida nos Estados Unidos contemporâneo é retratada como uma guerra constante, seja contra o outro, contra o sistema ou contra si mesmo.

Uma Batalha Após a Outra é ao mesmo tempo um espetáculo de ação, uma sátira feroz e um drama profundamente humano. Anderson prova novamente sua maestria em combinar estilos díspares e entregar um cinema que desafia, provoca e entretém em igual medida. Com DiCaprio em uma de suas performances mais humanas e contraditórias, Teyana Taylor incendiando a tela com sua presença marcante e um elenco de apoio igualmente afiado, o filme se firma como um dos trabalhos mais ambiciosos do diretor.

No fim, a obra não é apenas sobre revolução ou sobre paternidade, mas sobre como resistir em meio ao absurdo, como encontrar amor e sentido em um mundo em colapso. É um filme que reflete a paranoia de Pynchon, a estética de Anderson e a urgência política do nosso tempo. Um épico anárquico e emocional, que reafirma a capacidade do cinema de traduzir o caos da história em uma bela experiência e imagens inesquecíveis.

18/09/2025

Critica | Zoopocalipse - Uma Aventura Animal


Zoopocalipse - Uma Aventura Animal é uma animação que consegue equilibrar o gênero de terror com uma dose de humor leve, direcionada ao público infantil, mas com momentos que podem envolver também os adultos. Embora a história não seja exatamente uma grande inovação, ela tem um charme peculiar, que se mantém através de seus personagens carismáticos e seu visual bem construído e exagerado.

A trama se passa no zoológico Colepepper, onde a protagonista Gracie, uma jovem loba, vive uma vida pacata até que um meteoro cai no local, trazendo consigo uma misteriosa substância que transforma os animais em criaturas zumbis. A partir desse momento, Gracie e seu improvável aliado, o leão da montanha Dan, precisam se unir para salvar o zoológico e seus amigos sobreviventes. Essa premissa, apesar de simples, possui uma grande carga de potencial, principalmente no que diz respeito ao contraste entre a inocência de Gracie e o cinismo de Dan. O que poderia ser um típico enredo de animação com personagens que se tornam amigos ao longo da jornada, ganha um pouco mais de profundidade por meio da química entre os dois. Gracie é uma loba jovem e cheia de vida, enquanto Dan, um leão da montanha, representa o "mestre" que deseja retornar ao seu habitat selvagem. Juntos, eles formam uma dupla que cativa, embora os arcos de seus personagens sejam previsíveis. 


O filme faz uso da comédia para criar momentos leves e descontraídos, com personagens como o lêmure Xavier, que é obcecado por filmes e constantemente tenta aplicar clichês de cinema ao mundo ao seu redor, fazendo referências que, no geral, podem passar despercebidas pelo público mais jovem, mas que servem para entreter os adultos. O humor, aliás, é um ponto positivo: sem cair no exagero de piadas simples, ele se equilibra com gags visuais e diálogos rápidos, sem se tornar excessivamente infantil ou repetitivo. 

No entanto, há um desequilíbrio na construção dos personagens secundários, que acabam por se tornar estereótipos de animais. Embora cada um tenha uma característica marcante, como o gorila grandalhão ou o avestruz convencido, o filme perde a oportunidade de explorar essas figuras mais a fundo. Isso torna a dinâmica entre os animais um tanto unidimensional, quando poderia ser mais rica. Embora isso não prejudique a experiência de forma significativa, falta algo para tornar o grupo de sobreviventes mais interessante e memorável.

O design de animação segue um estilo exagerado e lúdico, com cores vibrantes e formas pouco realistas que tornam a experiência visualmente interessante, especialmente para crianças. A escolha por esse visual mais cartoonizado é acertada, pois cria uma atmosfera divertida, ao mesmo tempo que se afasta da ideia de realismo, o que é essencial para manter o tom leve. A animação também se utiliza de elementos de terror leves, como os animais zumbis, que têm um toque de "horror fofo" sua aparência é estranha, mas não chega a ser assustadora para um público infantil. No entanto, para os adultos, há um prazer sutil em ver esses elementos de horror suavizados, uma abordagem que remete ao estilo dos filmes de terror B dos anos 50, algo que parece intencional, com uma homenagem à estética das produções antigas de ficção científica. 


O filme também possui uma crítica social interessante sobre a necessidade de trabalho em equipe e lealdade, mas sem perder o foco na diversão. A mensagem de que nem sempre é possível enfrentar os desafios sozinho mesmo para os mais fortes e independentes, como Dan é abordada de maneira sutil, o que a torna eficaz sem ser didática demais.

No entanto, o filme não escapa de suas limitações. A história é previsível, os personagens não chegam a se aprofundar o suficiente e o ritmo, embora apto, não oferece grandes surpresas. Faltou algo para que o enredo fosse mais impactante, talvez uma maior complexidade nas relações entre os animais ou uma trama que não se apoiasse tanto em clichês. O uso de uma estética nostálgica e as referências cinematográficas podem agradar aos pais, mas também podem fazer o filme parecer um tanto desconectado da geração que ele pretende atingir.

"Zoopocalipse - Uma Aventura Animal" é uma animação que cumpre o que promete: um filme leve, divertido e com uma pitada de suspense. No entanto, ele peca por não aproveitar todo o seu potencial, deixando a impressão de que poderia ter ido além, tanto em termos de desenvolvimento de personagens quanto de complexidade narrativa. A produção é um bom entretenimento para uma tarde chuvosa, mas dificilmente deixará uma marca profunda em quem a assiste. Ideal para crianças mais novas que se divertem com o visual colorido e as situações de ação, mas talvez não tão atraente para um público mais velho.

CRÍTICA | A Longa Marcha: Caminhe ou Morra



Emergindo da fase distópica de Stephen King, escrita sob o pseudônimo de Richard Bachman, "A Longa Marcha: Caminhe ou Morra" chega aos cinemas como um drama tenso e surpreendente. O diretor Francis Lawrence, já experiente no universo de jovens aprisionados em jogos mortais após seu trabalho na saga "Jogos Vorazes", demonstra mais uma vez sua habilidade em traduzir para as telas um espetáculo de sobrevivência. O filme nos transporta para uma versão alternativa e desoladora da “América” dos anos 1970, onde um regime autoritário pacifica sua população marginalizada com um evento anual sádico, um verdadeiro circo de sangue projetado para testar os limites da resistência humana e da sanidade juvenil.

A premissa é terrivelmente simples e interessante. Cinquenta rapazes, cada um representando seu estado de origem, são convocados para uma competição anual: caminhar por uma longa estrada rural sem nunca diminuir a velocidade para menos de 5 quilômetros por hora. Se um competidor desacelera, recebe um aviso. Após três avisos, um pelotão de soldados que os acompanha o executa a tiros. O objetivo é ser o último homem de pé, uma meta que transforma uma simples caminhada em uma jornada psicológica brutal através do medo, da exaustão e da inevitabilidade da morte, evocando os horrores de um recrutamento militar forçado, como o da era do Vietnã, que tanto inspirou Stephen King.


O roteiro de JT Mollner concentra-se com acerto na dinâmica entre os competidores, transformando o que poderia ser uma narrativa estática em uma experiência cinematográfica de prender o fôlego. O coração do filme reside na amizade que floresce entre o sensível Ray Garraty, interpretado grandiosamente por Cooper Hoffman, e o otimista McVries, vivido por David Jonsson. Em um jogo onde cada homem luta por si, a aliança deles se torna um bastião de humanidade. As atuações da dupla são dignas de Oscar, conferindo uma mística poderosa a personagens cujos passados são apenas vagamente esboçados, provando que o vínculo entre eles é o verdadeiro motor da história.

Visualmente, o filme é uma conquista. O diretor Francis Lawrence e o diretor de fotografia Jo Willems enfrentam o desafio de tornar uma ação repetitiva em algo constantemente atraente. Com tomadas que frequentemente seguem os participantes em tracking para trás, a câmera os captura de frente, imersos em uma atmosfera sombria que os coloca em uma espécie de purgatório espiritual. O cenário é uma tapeçaria de uma américa decadente, com imagens que remetem a pobreza e o desespero e que levam as pessoas a buscar significado até mesmo no assassinato patrocinado pelo estado. A violência, quando ocorre, é explícita e impactante, servindo para pontuar o dano psicológico infligido aos sobreviventes a cada nova execução. 



Apesar de sua força, o filme apresenta pequenas falhas. A performance de Mark Hamill como o Major que comanda o evento é passada como excessivamente caricatural, um tom que destoa da crueza geral da obra. Além disso, o foco intenso na dupla principal significa que os sacrifícios de outros personagens no final da competição carecem do peso emocional que poderiam ter. O desfecho, embora intrigante, busca grandes viradas emocionais que talvez não se concretizem totalmente por uma falta de foco temático mais coeso nos momentos finais.

Mesmo com essas ressalvas, "A Longa Marcha: Caminhe ou Morra" se firma como uma das mais poderosas e angustiantes adaptações de Stephen King dos últimos anos. É um filme brutal, comovente e provocador, que deixa o espectador exausto e chocado. A obra consegue ser simultaneamente uma história de terror sobre a exaustão física e um drama profundo sobre a amizade e a busca pela humanidade em um mundo que parece ter perdido a sua. No final, fica a sensação de que a verdadeira longa marcha foi a jornada compartilhada e os laços forjados diante da opressão totalitária e da morte certa.

CRÍTICA | A Grande Viagem da Sua Vida


A Grande Viagem da Sua Vida é uma mistura estranha e, por vezes, frustrante de fantasia romântica e introspecção emocional, que nunca consegue alcançar as expectativas de seu potencial. Dirigido por Kogonada, conhecido por seus trabalhos mais sutis e filosóficos como "Columbus" e "After Yang", o filme sofre ao tentar transitar para um terreno mais acessível e emocionalmente exuberante. A história de Sarah e David, interpretados por Margot Robbie e Colin Farrell, é uma história que deveria tocar o coração do espectador, mas acaba se perdendo em sua própria tentativa de ser tocante.

O enredo gira em torno de dois indivíduos que, aparentemente, têm tudo para formar um casal perfeito: dois profissionais atraentes, ambos com problemas emocionais não resolvidos, mas que se encontram em um casamento e começam uma jornada juntos, guiados por um sistema de GPS misterioso e uma série de portas mágicas que os conduzem de volta a momentos significativos de seus passados. Embora a premissa tenha o potencial para algo inovador e emocionalmente carregado, a execução do roteiro de Seth Reiss falha em conectar os pontos entre o fantástico e o real, o que resulta em um filme que oscila entre o surreal e o incoerente.


O problema central é que a narrativa e os personagens são excessivamente artificiais, com pouca profundidade emocional para justificar o esforço de se envolver na história. A comédia, muitas vezes forçada, interrompe o tom dramático da história, prejudicando ainda mais o desenvolvimento dos personagens e da trama. Sarah e David, como um par de personagens com sérios medos de compromisso, deveriam ser mais complexos, mas se tornam meros estereótipos de pessoas bonitas com problemas fúteis. Ambos os atores, apesar de seu enorme carisma, não conseguem transmitir a vulnerabilidade necessária para tornar suas jornadas pessoais genuínas e tocantes. 

A direção de Kogonada, apesar de sua sensibilidade característica, não é suficiente para salvar um filme que carece de uma construção visual ou temática convincente. A ideia das portas mágicas, que oferecem uma espécie de terapia do passado, nunca se sente bem fundamentada, e as revelações dos personagens parecem mais arbitrárias do que transformadoras. O uso de músicas e efeitos visuais, como flares de lente e momentos de um tocante emocional, está mais interessado em ser bonito do que profundo, o que soa vazio e insustentável ao longo de sua duração. 


Em um filme onde o grande objetivo parece ser transmitir uma lição sobre o valor do amor, da abertura emocional e da superação de traumas do passado, a história falha ao não criar uma conexão genuína com o público. Quando o clímax chega e as revelações ocorrem, elas parecem mais uma imposição do que um desfecho natural. As tentativas de fazer o espectador se importar com os dilemas superficiais de Sarah e David são forçadas e carecem de profundidade emocional. Em comparação com outros filmes que exploram temas semelhantes, como "A vida de Chuck" , "A Grande Viagem da Sua Vida" não consegue capturar a complexidade das emoções humanas de forma convincente. 

No fim das contas, a experiência de assistir a "A Grande Viagem da Sua Vida" é como um grande esforço para tornar algo que poderia ser leve e divertido em uma fábula de autodescoberta e redenção. Porém, o filme não alcança esse equilíbrio e, em vez disso, oferece um enredo que pouco acrescenta, com personagens que mais refletem uma estética visual do que uma busca real por significado. Se o filme tivesse sido menos preocupado em ser "grande", "ousado" e "bonito", poderia ter sido mais autêntico, talvez tocando o coração de quem se sente conectado a suas fraquezas e inseguranças. Mas, "A Grande Viagem da Sua Vida" é um filme de boas intenções que, infelizmente, não consegue se sustentar.

10/09/2025

crítica | A sogra perfeita 2


A Sogra Perfeita 2, dirigido por Cris D’Amato e Bianca Paranhos, é mais do que uma simples continuação de um sucesso popular. É um avanço notável dentro da própria fórmula que o primeiro filme estabeleceu. O longa consegue ir além da repetição de piadas e situações familiares para entregar um olhar mais amplo e refinado sobre temas como liberdade feminina, relações familiares e os conflitos entre tradição e modernidade, tudo isso embalado no formato da comédia nacional leve e super engraçada. 

Logo de início, o filme faz o que se espera de uma boa sequência, amplia seu universo sem perder o foco no carisma da protagonista. Cacau Protásio, no papel de Neide, continua sendo o motor da história. Sua presença domina a tela com uma energia cômica e vibrante, mas também com uma dose bem calibrada de vulnerabilidade que torna a personagem humana e identificável. Neide é exagerada, sim, mas nunca inverossímil. Ela representa tantas mulheres brasileiras que, após anos colocando os outros em primeiro lugar, tentam (e nem sempre conseguem) recuperar o direito de decidir por si mesmas.

A premissa central, o pedido de casamento inesperado e a chegada da sogra portuguesa conservadora (vivida por Fafy Siqueira), pode parecer simples, até mesmo batida. Mas o roteiro, assinado por Flávia Guimarães com colaboração de Bia Crespo, usa essa estrutura para tensionar algo maior, o embate entre o afeto libertador e o moralismo sufocante. E faz isso com um humor que sabe rir de si mesmo, sem apelar ao cinismo ou à crueldade.


Assim como no primeiro filme, o longa se ancora em elementos clássicos da comédia brasileira, vizinha fofoqueira, competição de salão de beleza, confusão com doces de casamento, e aquele estilo visual que é praticamente uma marca registrada da Globo Filmes, fotografia predominando a cor quente, trilha sonora leve e montagem dinâmica. Há, sim, um certo ar de "sessão da tarde" na estética e no tom, mas isso está longe de ser um problema. Na verdade, é parte da proposta de acessibilidade e identificação com o público.

O que diferencia A Sogra Perfeita 2 de muitas outras comédias é o reconhecimento da força do protagonismo feminino, não só na tela, mas também nos bastidores. Dirigido, escrito e estrelado majoritariamente por mulheres, o filme transpira sororidade, sem transformar isso em bandeira panfletária. As relações entre as personagens femininas, mesmo quando marcadas por conflito, têm sempre um fundo de empatia e crescimento mútuo.

Além de Protásio e Siqueira, o elenco de apoio brilha em momentos pontuais. Evelyn Castro, Maria Bopp e Marcelo Laham têm mais espaço para desenvolver seus personagens, o que dá ao filme uma riqueza de interações que faltava no original. A participação especial de Xande de Pilares também adiciona charme e apelo popular sem soar forçado.


Se há um ponto fraco, talvez seja o ritmo acelerado do terceiro ato, que resolve seus conflitos de forma apressada e um tanto previsível. A história se apressa para fechar os arcos narrativos e, com isso, perde a chance de explorar mais a fundo as transformações internas de Neide. Ainda assim, o saldo é positivo: o filme diverte, emociona e entrega exatamente o que promete, e até um pouco mais.

A Sogra Perfeita 2 não reinventa a comédia nacional, mas aperfeiçoa seus ingredientes com competência e afeto. É uma produção que entende seu público, valoriza suas personagens e, sobretudo, reconhece o poder do riso como ferramenta de afirmação e libertação.

04/09/2025

Crítica | Invocação do Mal 4: O Último Ritual


A premissa inicial para o desfecho de Invocação do Mal tem força, Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga) estão em semi aposentadoria, questionando sua relevância enquanto o mundo parece seguir adiante com “Caça-Fantasmas” e ceticismo pop. Enquanto isso, a filha do casal, Judy (Mia Tomlinson), começa a ser tragada pelo legado sombrio da família, assombrada não apenas por espíritos, mas pela possibilidade de que sua existência esteja enraizada em um pacto demoníaco.

No entanto, a construção dessa tensão é lentamente sabotada pela indecisão tonal e narrativa. O roteiro, assinado por Ian B. Goldberg, Richard Naing e David Leslie Johnson-McGoldrick, se divide entre o drama familiar dos Warren e a história da família Smurl, que lida com um espelho amaldiçoado numa casa infestada por entidades agressivas. O problema é que essas duas linhas narrativas correm paralelas por boa parte do tempo, sem conexão direta, o que gera a sensação de estarmos assistindo a dois filmes ao mesmo tempo e nenhum deles plenamente desenvolvido. 

Michael Chaves, que já havia conduzido outros filmes do universo (Invocação do Mal 3, A Freira II), mostra alguma evolução estética. Há momentos genuinamente eficazes, como a cena do porão escuro ou o provador cercado de espelhos que provam que ele entende a gramática do medo. A manipulação de sombras, reflexos e ruídos ainda carrega tensão.


Mas, como em seus trabalhos anteriores, Chaves peca pelo exagero e pela previsibilidade. Os sustos são bem previsíveis, os cortes são abruptos, e as ameaças, por mais grotescas que sejam visualmente, carecem de impacto emocional. Até mesmo a aguardada aparição de Annabelle, embora competente, não passa de uma piscadela para os fãs, sem qualquer função narrativa relevante.

O que sustenta o Último Ritual, mesmo em seus momentos mais arrastados, é a química inegável entre Patrick Wilson e Vera Farmiga. Mesmo quando o roteiro os obriga a diálogos expositivos ou cenas melodramáticas (como o pingue-pongue ao som de David Bowie), eles transmitem autenticidade. A dinâmica entre Ed e Lorraine continua sendo o aspecto mais atraente da franquia, um retrato de amor, fé e loucura compartilhada que, ao longo dos filmes, se tornou mais interessante do que os próprios demônios que enfrentam. 



Mia Tomlinson, como Judy, tem presença e entrega uma performance meio contida, mas comovente, mesmo que sua personagem seja subaproveitada no final. Já os Smurl, prometidos como o “caso real” do filme, são relegados ao segundo plano, tornando-se peças descartáveis dentro do tabuleiro sobrenatural. 

Há um subtexto cristão em “Invocação do Mal 4: O Último Ritual” mais explícito do que nunca e isso não é necessariamente um defeito. A franquia sempre tratou o bem e o mal como forças tangíveis e o amor como escudo espiritual. O problema é que aqui, essa fé é tão assertiva e imbatível que esvazia o conflito dramático. Em nenhum momento sentimos que os Warren estão em perigo real, seja físico, emocional ou espiritual.

O clímax, embora visualmente impactante, é resolvido de forma apressada e com um sentimentalismo piegas que não condiz com a promessa de uma conclusão grandiosa. A ideia de que este seria o “último caso” dos Warren e que algo os forçaria a parar não encontra ressonância nos acontecimentos. Ao contrário, tudo termina com mais um exorcismo vencido e mais uma lição de vida aprendida.