Após duas décadas de silêncio, Danny Boyle retorna triunfante ao universo que ajudou a redefinir o mundo zumbi em 2002 com Extermínio (28 Days Later). Extermínio 3: A Evolução, oficialmente intitulado 28 Anos Depois, não é apenas uma continuação cronológica, é um mergulho denso nas cicatrizes de um mundo pós-apocalíptico que, assim como o nosso, aprendeu a normalizar o trauma. E, diferente da enxurrada de filmes de zumbi surgidos nos anos 2000, este capítulo não recicla jump scare ele os reinventa.
Ambientado quase três décadas após o surto do Vírus da Raiva, o novo filme opta por um escopo contido e intimista. Esqueça pandemias globais e exércitos de infectados cercando Nova York o terror aqui é mais local, mais inteligente, mais britânico. Danny Boyle rejeita a escala épica de Hollywood para construir tensão com precisão cirúrgica, como já fizera anteriormente. O Reino Unido está isolado. O mundo seguiu em frente. Mas dentro dessas ilhas, a infecção não é apenas biológica: ela é social, histórica, emocional.
A escolha de centrar a narrativa em uma comunidade insular e autossuficiente, com tradições ritualísticas de sobrevivência, é engenhosa. A Ilha Sagrada é tanto metáfora quanto cenário, um país que se isolou do continente, preso entre a nostalgia de um passado idealizado e o medo de um futuro incontrolável dos ecos não sutis do Brexit.
Alfie Williams, estreante em longas-metragens, é a maior revelação do filme. Como Spike, ele não só carrega o peso da trama, ele encarna o olhar inocente que confronta o horror institucionalizado. O menino que parte para "matar um infectado" como rito de passagem, apenas para descobrir nuances morais e afetivas em meio aos monstros, é um acerto narrativo raro. Boyle extrai dele uma performance que jamais soa forçada, há medo genuíno, mas também curiosidade, humanidade.
Aaron Taylor-Johnson e Jodie Comer são excelentes como pais dilacerados entre proteger e preparar, e Ralph Fiennes, como o enigmático Dr. Kelson, entrega uma performance perturbadora, à altura dos personagens ambíguos que permeiam a sua filmografia.
A proposta de "evolução" dos infectados é mais do que uma justificativa para novos vilões. Os Alfas, infectados mutantes que caçam em bandos e demonstram organização predatória, representam uma mutação do próprio gênero zumbi. Eles não são mortos-vivos, mas sim vivos sem freios morais, uma cateegoria contundente da ferocidade humana em tempos extremos. A ameaça não é mais apenas o contágio, mas a inteligência tribal da barbárie.
Boyle e Garland continuam a se recusar a chamar suas criaturas de "zumbis", e com razão: o horror aqui é existencial. Os infectados são espelhos deformados da humanidade. Eles não têm fome de cérebros, mas de significado. E talvez por isso, 28 Anos Depois ainda causam um desconforto mais duradouro que qualquer susto passageiro.
O uso de iPhones e drones para capturar as imagens deste novo capítulo é mais do que um truque de marketing. Boyle está interessado em redescobrir a urgência do digital. A estética crua, quase documental, remete ao impacto deste universo, que parece tão real quanto uma gravação amadora de um colapso urbano. Ao usar a tecnologia do cotidiano, ele faz com que a destruição pareça próxima, íntima e quase inevitável.
A fotografia é suja, os planos são angulosos e irregulares, e há momentos em que o filme parece mais uma reportagem de guerra do que uma ficção. Tudo isso contribui para a sensação de claustrofobia moral que domina o longa.
O filme é assustador. Mas seu terror mais potente está nas entrelinhas. Como Boyle e Garland sugerem, o que resta da civilização é a memória e os monumentos de crânios erigidos pelo Dr. Kelson são tanto uma homenagem quanto um aviso. A saga aqui promete muito mais do que correria, sangue e adrenalina. Ela quer discutir memória, reconstrução e identidade.
Extermínio 3: A Evolução é menos uma continuação e mais um reflexo brutal de um mundo que aprendeu a conviver com o colapso. Danny Boyle entrega um terror íntimo, sujo e existencial, onde a verdadeira ameaça não são apenas os infectados, mas a lenta erosão da empatia e da memória coletiva. Um filme que grita menos, mas fere mais fundo.