01/05/2025

CRÍTICA | HOMEM COM H

Empolgante, necessário e visualmente atraente, "Homem com H" não é apenas uma cinebiografia: é um manifesto sensorial da existência indomável de Ney Matogrosso. Dirigido por Esmir Filho e com uma performance esplêndida de Jesuíta Barbosa, o filme mergulha em mais de cinco décadas da vida de um dos maiores ícones da arte brasileira com coragem, poesia e autenticidade, recusando os caminhos fáceis e formulaicos do gênero biográfico.

A espinha dorsal da narrativa é a conflituosa relação de Ney com seu pai, um militar autoritário que impôs desde cedo os moldes rígidos da masculinidade. Esse confronto primordial não apenas estrutura o filme, mas também serve como catalisador simbólico para todas as lutas que New Mato Grosso enfrentou ao longo da vida, contra os dogmas de gênero, contra a repressão sexual, contra o conservadorismo cultural e político. Homem com H transforma esse embate íntimo em um espelho de reflexões sociais mais amplas.

A atuação de Jesuíta Barbosa é, sem exagero, uma entrega completa ao papel. Ele não apenas interpreta Ney, ele o encarna com delicadeza, fúria e encantamento. Seus movimentos, seu olhar, sua corporeidade em cena especialmente nas sequências performáticas capturam não só a estética andrógina, mas a inquietação existencial que faz de Ney uma figura eternamente em ebulição. Essa fusão de ator e personagem é uma das maiores forças do longa.

Tecnicamente, o filme é impecável. A fotografia de Azul Serra foge da cartilha sépia das cinebiografias convencionais e abraça cores vibrantes, especialmente os azuis e vermelhos que ressaltam o caráter onírico e transgressor de Ney. A direção de arte de Thales Junqueira e o figurino deslumbrante com peças originais e recriações meticulosas materializam o espírito revolucionário do artista. A trilha sonora, composta por 17 músicas licenciadas, costura as cenas com emoção e ritmo, transformando o filme em um musical libertário.

Narrativamente, Esmir Filho opta por uma estrutura fragmentada, guiada por memórias e sensações, o que reforça o caráter lírico e subjetivo da obra. Se por um lado essa fluidez emocional pode parecer dispersa, por outro, ela é coerente com a natureza do próprio Ney: indomável, mutável, resistente à normatização. O fio condutor, a sombra do pai garante a coesão necessária para que o filme não se perca no excesso de informação.

O longa também não evita as dores. A epidemia de HIV, que ceifou vidas na comunidade LGBTQIAPN+ e vitimou o grande amor de Ney, Marco de Maria, é tratada com dignidade e sem sensacionalismo. Ao contrário de filmes que exploram o sofrimento como fim em si, Homem com H transborda resistência e afetividade. É um filme que recusa o lamento, mas não esconde as cicatrizes.

Homem com H não é uma cinebiografia para prêmios é para inquietações. É sobre ver, ouvir, sentir. É um filme que dança, chora, desafia e, acima de tudo, vive. Um retrato apaixonado e sem filtros de alguém que transformou sua própria vida em arte e afronta. Um homem que ousou ser com H de humano, de híbrido, de herético.

CRÍTICA | THUNDERBOLTS*

Depois de uma sequência de fracassos criativos e comerciais que ameaçaram corroer os alicerces do império Marvel, Thunderbolts* surge como uma tentativa arriscada de reinventar a fórmula de super-heróis. Dirigido por Jake Schreier, o filme reúne uma trupe de personagens secundários, rejeitados e emocionalmente danificados, e os empacota como uma espécie de "Vingadores da terapia em grupo". O resultado é um thriller de espionagem disfuncional e estilizado, que mistura ação, drama e traumas não resolvidos e consegue, contra todas as probabilidades, entreter.

O que torna Thunderbolts* minimamente relevante e até ousado não é seu enredo, que flerta com a saturação típica do gênero, mas seu foco narrativo nas feridas emocionais dos personagens. Yelena Belova (Florence Pugh), irmã da Viúva Negra, lidera esse grupo de desajustados com uma combinação agridoce de cinismo e vulnerabilidade. Sua atuação é a espinha dorsal do filme, oferecendo profundidade emocional em um universo que, até aqui, costumava apenas acenar na direção da complexidade psicológica antes de explodir mais um prédio.

Yelena, assim como os demais Thunderbolts* o Red Guardian decadente (David Harbour), o ex-Capitão América homicida John Walker (Wyatt Russell), a etérea e mal definida Ghost (Hannah John-Kamen) e o atribulado Bob (Lewis Pullman) carrega no corpo e na mente os destroços de escolhas passadas. Eles não são heróis em busca de glória, mas sobreviventes tentando encontrar algum significado. 

O roteiro tenta explorar esse terreno com sensibilidade, ainda que, por vezes, tropece em sua própria ambição: os traumas são discutidos com frequência quase didática, e a estética de "terapia pop" corre o risco de parecer mais uma moda do que um mergulho honesto em saúde mental.

Ainda assim, Thunderbolts* acerta em alguns pontos. O filme tem estilo, o que já o coloca à frente de boa parte da fase mais recente do MCU e conta com momentos de direção visualmente inspirada, como a sequência inicial de Yelena prestes a saltar de um arranha-céu, que traduz com elegância a conexão entre o abismo físico e o emocional. A ação, conduzida com precisão e criatividade, respeita o tom do filme ao evitar a grandiloquência vazia e investir em coreografias quase íntimas, onde os golpes trocados parecem tanto externos quanto internos.

É claro que há excessos. O terceiro ato tropeça ao tentar evocar o espírito psicodélico de “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, sem a mesma coesão ou genialidade. A batalha final nos tais “quartos interligados de vergonha” é uma metáfora visual interessante, mas mal resolvida é mais admirável em intenção do que em execução. E a personagem Ghost, que já fora pouco desenvolvida em sua origem, continua sendo um mistério sem recompensa.

No entanto, quando Florence Pugh está em cena o que é felizmente frequente, o filme ganha alma. Seu domínio de nuances, sua entrega física e emocional, e seu timing cômico afiado tornam Thunderbolts* não apenas assistível, mas memorável. Pugh transforma um blockbuster de franquia em um estudo de personagem que merecia reconhecimento além das fronteiras do gênero, apesar de ser a única contemplada.

Thunderbolts* não redefine o que um filme de super-herói pode ser, mas lembra que até os universos mais saturados podem encontrar frescor se decidirem olhar para dentro dos seus personagens e de sua própria história, porém isso não necessariamente entrega algo perfeito. Com falhas, sim, mas com coragem e sinceridade, o filme talvez seja o suspiro que a Marvel precisava. E, com sorte, o primeiro passo de uma nova fase menos preocupada com cronogramas intergalácticos e mais interessada no que significa, afinal, ser humano mesmo que se use uniforme de lycra.

24/04/2025

Crítica | O Contador 2

O Contador 2 traz Ben Affleck no papel de Christian Wolff, um contador autista com habilidades excepcionais em matemática e combate, agora em uma missão aparentemente mais simples, resolver o mistério do assassinato de seu antigo mentor, Raymond King (J.K. Simmons), enquanto lida com uma teia de tráfico de pessoas, crimes financeiros e, é claro, muitos tiros. A narrativa se desenrola de forma um tanto labiríntica e, por vezes, inverossímil, como se os roteiristas estivessem mais interessados em empilhar elementos da trama do que em desenvolver algo realmente coeso. São gangues de tráfico de pessoas, imigrantes indocumentados, e até um enigma matemático, tudo embalado em uma caótica sequência de pouca ação.

Apesar disso, o filme encontra seu ponto alto nas interações entre Wolff e seu irmão, Braxton (Jon Bernthal), que se juntam na missão com uma química improvável. Bernthal se destaca, proporcionando momentos de verdadeiro carisma e vulnerabilidade em um personagem que, à primeira vista, parece apenas uma versão mais irreverente do assassino frio. A tensão entre os dois irmãos, um emocionalmente distante e outro desesperadamente tentando se reconectar, dá ao filme uma camada emocional que o diferencia das demais produções de ação da atualidade.

A interpretação de Ben Affleck como Christian Wolff é interessante e bem diferente, um personagem taciturno e socialmente desajeitado, mas com espaço para mostrar seu humor peculiar e sua dificuldade em lidar com as nuances da interação humana. A transformação de Wolff de um herói solitário para um homem que tenta, timidamente, se reconectar com o mundo, é feita com a sutileza característica de Affleck, e é nesse aspecto que o filme ainda brilha.

No entanto, O Contador 2 falha ao diluir sua complexidade emocional, substituindo-a por uma sucessão de tiroteios e cenas que não agregam muito à experiência. As tentativas de "diversão" com o personagem de Affleck como as cenas de encontros ou suas dificuldades com a dança são, no melhor dos casos, pequenas distrações que tentam humanizar Wolff, mas são rapidamente abafadas pela voracidade da trama.

Um ponto de destaque é a presença de Justine (Allison Robertson), assistente de Wolff, que traz um pouco de inclusão com sua representação como uma mulher autista não verbal, cuja inteligência e habilidade técnica se tornam vitais para o desenvolvimento da história. A ideia de criar uma "liga de super-heróis neurodivergentes", com jovens gênios da tecnologia, pode ser vista como uma celebração da diferença, mas peca ao não explorar mais profundamente esses personagens e suas habilidades, uma oportunidade desperdiçada que poderia ter acrescentado mais profundidade ao filme.

O Contador 2 se limita a entregar um entretenimento mais simples e, por vezes, morno, mas o tipo de morno que, ainda assim, agrada. A ação apesar de pouca é eficaz, as performances são satisfatórias, e o humor, embora irregular, consegue arrancar risadas. Porém, o filme nunca atinge a profundidade, mesmo que de forma imperfeita.

22/04/2025

Crítica | LOONEY TUNES - O FILME: O DIA QUE A TERRA EXPLODIU

O Dia que a Terra Explodiu é uma explosão de caos animado, piadas bobas e referências modernas embaladas no espírito clássico dos Looney Tunes. A nova aventura estrelada por Gaguinho e Patolino acerta ao preservar a essência da série original, mas atualiza seu visual e humor para dialogar com a geração atual, ainda que tropece em seu ritmo narrativo e excesso de subtramas.

O estilo de animação mantém o charme “cartoonesco” que marcou gerações, mas com um toque de modernidade que não agride os fãs mais nostálgicos. Visualmente, o filme é vibrante e movimentado — o suficiente para prender a atenção dos pequenos e arrancar um ou outro sorriso dos adultos. A trilha sonora cumpre sua função sem grandes destaques, mas a dublagem brasileira brilha: as localizações e piadas adaptadas garantem boa parte das risadas.

A trama gira em torno de uma invasão alienígena e uma fábrica de chicletes que esconde um plano de controle mental — sim, é tão absurdo quanto parece, e essa é justamente a proposta. A história se desdobra em sequências hilárias e surreais, como a sátira do mercado de trabalho moderno, onde Patolino e Gaguinho tentam ser influenciadores digitais para reformar a casa. É uma crítica leve e bem-humorada à efemeridade dos modismos e à busca desesperada por relevância online.

Outro destaque positivo está na relação entre Gaguinho e Petúnia Pig. A dinâmica entre os dois, marcada por gagueiras nervosas e timidez adolescente, traz um charme inesperado e uma camada emocional leve, mas eficiente. Já Patolino continua sendo o motor do caos, levando a história por caminhos cada vez mais mirabolantes, inclusive descobrindo o plano alienígena ao se infiltrar na fábrica de chicletes.

Apesar de tantos acertos pontuais, o filme sofre com um problema de estrutura: muita coisa acontece em apenas 90 minutos. São reviravoltas, brigas, reconciliações, novos personagens e, claro, um alienígena que — plot twist! — só queria salvar a Terra ao envolvê-la em uma gigantesca bola de chiclete. É divertido, mas a sensação é de que o filme quer entregar demais e nem sempre com o tempo necessário para desenvolver bem cada arco.

A mensagem final sobre amizade, perdão e colaboração é clara e bem-vinda. Quando Gaguinho, Petúnia, Patolino, um alien e um inventor maluco se unem para salvar o planeta, o filme atinge seu clímax caótico e cativante. Não há aqui pretensão de profundidade, mas sim o desejo sincero de entreter — e nisso, ele é eficaz.

Looney Tunes - O Filme: O Dia que a Terra Explodiu é uma comédia frenética, cheia de cor, piadas rápidas e lições simples sobre amizade e trabalho em equipe. Embora apresse algumas resoluções e sofra com excesso de subtramas, ele cumpre seu papel como entretenimento familiar leve e divertido. As crianças devem se encantar com as trapalhadas, e os adultos, pelo menos, esboçar alguns sorrisos nostálgicos.

16/04/2025

CRÍTICA | PECADORES


Pecadores é uma obra ousada e multifacetada que reafirma o talento de Ryan Coogler como um dos cineastas mais relevantes da atualidade. Ambientado no sul dos Estados Unidos, em 1932, o filme mescla horror, drama, história e crítica social em um épico gótico sulista, onde o vampirismo serve como poderosa metáfora para as feridas abertas da “América negra”.

Coogler reconstroi Clarksdale, no Mississippi, como um microcosmo carregado de tensões raciais, espirituais e culturais. Nesse cenário, os irmãos Smoke e Stack, interpretados com maestria por Michael B. Jordan em um papel duplo, retornam da Primeira Guerra Mundial e do submundo de Chicago para abrir um bar de blues projeto que, mais do que um negócio, representa uma tentativa de liberdade e reconstrução identitária. Jordan entrega uma performance sutil e impactante, distinguindo os gêmeos não por gestos caricatos, mas por nuances emocionais e éticas que espelham dilemas morais mais profundos.

O filme se destaca ao utilizar o mito do vampiro para representar a opressão estrutural e o parasitismo da cultura branca sobre a negritude americana. Os antagonistas vampiros liderados pelo inquietante Remmick (Jack O’Connell) simbolizam não apenas o terror sobrenatural, mas também o desejo colonial de sugar a vitalidade cultural, emocional e até física dos negros. O fato de precisarem ser "convidados a entrar" é um viés sutil ao controle sobre os espaços de resistência e prazer negro como o bar de blues, centro da narrativa.

Visualmente, Pecadores é um espetáculo. A fotografia de Autumn Durald Arkapaw mergulha o espectador em uma atmosfera ao mesmo tempo lírica e sombria, emoldurada por visuais ricos que evocam tanto a decadência rural quanto a exuberância do blues. A trilha sonora, centrada em Preacher Boy (Miles Caton), canaliza o espírito de Robert Johnson e posiciona a música como força tanto libertadora quanto amaldiçoada, uma tensão que ecoa o dilema entre fé e profanação.

O blues é tão marcante que em muitos momentos, o filme quase se transforma em um musical, mas um musical feito à sua maneira: cru, intenso e cheio de significado. Cada canção tem peso narrativo, emocional e simbólico, ajudando a contar a história mais do que muitos diálogos fariam. Não é só trilha sonora, é parte da alma do filme. E, diferentemente de muitos musicais tradicionais, aqui a música não alivia a tensão ela a intensifica.


Coogler demonstra domínio absoluto sobre o ritmo e a tensão narrativa. A primeira hora do filme, quase desprovida de elementos de horror, constroi lentamente os vínculos com a comunidade e as motivações dos protagonistas, antes de mergulhar o público num pesadelo que é tanto simbólico quanto histórico. A virada para o horror sobrenatural é abrupta, mas eficaz, lembrando que, mesmo na ausência de monstros, o verdadeiro terror já estava presente: o racismo, a pobreza, a perda.

Mesmo quando extrapola em simbolismos e costura metáforas demais em seu tecido narrativo, Pecadores se destaca justamente por essa ambição desmedida. É um filme que não teme ser grande, complexo, cheio de camadas e isso o diferencia no mar de narrativas simplificadas do cinema atual. A longa sequência pós-créditos com Buddy Guy, embora possa soar como um epílogo teórico, é na verdade um manifesto: a arte negra continua, ecoa, sobrevive e transforma. Coogler não teme o excesso, porque entende que às vezes é preciso gritar para ser ouvido.

Pecadores é cinema no seu estado mais potente. Um filme que mistura arte e entretenimento sem pedir licença. Forte, intenso, emocionante. Coogler entrega uma obra que assusta, comove e faz pensar. Ao transformar o horror em reflexão histórica, ele prova que contar histórias sobre dor e resistência também pode ser um ato de cura. 

CRÍTICA | NAS TERRAS PERDIDAS

Dirigido por Paul W.S. Anderson e estrelado por Milla Jovovich e Dave Bautista, “Nas Terras Perdidas” é uma adaptação do conto homônimo de George R. R. Martin. Com um enredo que mistura fantasia, distopia e elementos de faroeste pós-apocalíptico, o filme se propõe a explorar grandes temas como desejo, poder, solidão e traição, mas falha em quase todas as frentes. O resultado é uma obra que desperdiça seu potencial narrativo, confusa e termina como uma colagem desbotada de ideias ambiciosas, mas mal executadas.

A história gira em torno da feiticeira Gray Alys (Milla Jovovich), uma personagem que nunca recusa um pedido desde que seja pago. Quando a princesa Melange deseja obter o poder de se transformar em outras formas, Alys aceita a missão de buscar um metamorfo nas chamadas “terras perdidas”. No entanto, o amante da princesa, Jerais, a procura secretamente para pedir que ela impeça a princesa de conseguir esse poder. Alys, em um gesto contraditório que deveria ser o ponto de tensão central do enredo, aceita ambas as solicitações, sem que o roteiro consiga extrair qualquer dilema dramático relevante dessa contradição.

Ao lado de Boyce (Dave Bautista), um caçador contratado para guiá-la pelas terras inóspitas, Alys embarca em uma jornada que envolve monstros, religiosos fanáticos, feitiçaria e traições. Mas o que poderia ser um épico emocional de conflitos morais e ação se torna uma sucessão entediante de cenas desconectadas e sem impacto.

A estética do filme aposta em um visual digital saturado por efeitos especiais que remetem a cenas de videogames da era PS3 e não de forma elogiosa. A fotografia, marcada por exagerados efeitos de luz e reflexos que obscurecem mais do que revelam, torna o cenário artificial e insípido. As tentativas de criar uma atmosfera imersiva falham pela ausência de coerência visual e pela repetição de tons sépia e filtros que embaçam a tela mais do que contribuem para a construção de mundo.

As sequências de ação, embora pontualmente bem coreografadas, são frequentemente sabotadas pela montagem apressada e pelos efeitos visuais genéricos. Em certos momentos, o filme até acerta, a câmera flutuando por dentro de um ônibus pendurado à beira de um abismo, por exemplo, mostra lampejos do estilo dinâmico que consagrou Anderson em obras como “Resident Evil (2002)” e -“Mortal Kombat (1995)”. Mas são exceções em um mar de mediocridade visual.

Dave Bautista é o destaque do elenco. Sua atuação, embora limitada pelo roteiro, oferece alguma emoção genuína. Boyce é um caçador endurecido pela vida, mas com camadas emocionais que Bautista consegue comunicar com dignidade, da tristeza ao ver seu animal de estimação morto, à entrega de falas que, mesmo sendo clichês, ganham certo carisma graças à sua entrega.

Já Milla Jovovich parece perdida. Conhecida por sua forte presença em personagens de ação, aqui sua Gray Alys carece de profundidade emocional. O mistério que deveria envolver a personagem vira apatia, e seu semblante inexpressivo contribui para a monotonia das cenas. A tentativa de conferir uma aura enigmática à personagem acaba resultando em uma performance quase automática, como alguém entediada com o próprio papel.

Arly Jover, como a fanática caçadora de bruxas Ash, entrega uma performance mais intensa, destoando positivamente do resto do elenco, ainda que sua personagem seja mal desenvolvida e caricata. É uma pena que a construção de seus antagonismos seja tão rasa quanto sua motivação.

Narrativamente, o filme tropeça em suas ambições. Os diálogos são pesados e artificiais, com frases que caem como sacos de areia sobre a narrativa. A história, que deveria evocar uma jornada de descobertas e conflitos internos, torna-se uma série de cenas expositivas sem emoção ou desenvolvimento significativo. Os temas centrais, o desejo humano, os limites do poder, a futilidade da busca por controle são apresentados de forma superficial, quase como um lembrete de que “isso deveria ser profundo”.

A tentativa de construir um universo próprio falha por excesso de jargões inventados e uma mitologia pouco clara. Os elementos que deveriam servir como motor do mundo como a ordem religiosa fanática, a política da corte, ou as criaturas mágicas são usados como pano de fundo sem função narrativa convincente. Isso contribui para a sensação de que há muito acontecendo, mas nada que realmente importe.

Nas Terras Perdidas é, antes de tudo, um filme frustrante. Frustrante porque carrega em sua origem uma obra de George R. R. Martin, um autor conhecido por sua capacidade de explorar personagens complexos em mundos igualmente ricos. Frustrante porque conta com atores capazes de entregar performances significativas. E frustrante porque Paul W. S. Anderson já demonstrou anteriormente talento para lidar com cenários de ficção e fantasia com energia e estilo.

Entretanto, aqui, Anderson parece distante de suas qualidades autorais. Sua direção é genérica, sem alma, presa a convenções visuais já ultrapassadas e a um roteiro que não sabe o que fazer com o próprio material. O filme desperdiça a chance de explorar a densidade emocional de sua premissa e se afoga em efeitos visuais rasos e cenas de ação sem impacto.

O longa é um exemplo de como a forma pode sufocar o conteúdo especialmente quando a forma está tão desgastada. O filme não é apenas esquecível, é um lembrete de que nenhuma quantidade de CGI ou ambientação fantástica pode substituir o coração de uma boa narrativa: personagens bem desenvolvidos, conflitos significativos e direção.

14/04/2025

Crítica | A Mais Preciosa das Cargas

"A Mais Preciosa das Cargas" é um soco no estômago disfarçado de conto de fadas. Em meio ao horror da Segunda Guerra Mundial, Michel Hazanavicius — vencedor do Oscar por O Artista — retorna com uma obra ousada, delicada e devastadora, que usa o formato da animação não como refúgio, mas como amplificador de emoções.

Logo nos primeiros minutos, o espectador é conduzido por uma narração que remete à estrutura das fábulas clássicas: uma floresta distante, um casal humilde, um bebê abandonado. A estética visual, marcada por uma animação artesanal belíssima, com traços delicadamente imperfeitos, remete aos livros ilustrados infantis — o que torna o contraste com a brutalidade da narrativa ainda mais potente.


A mulher do lenhador, que encontra e acolhe a criança jogada de um trem que transportava judeus rumo aos campos de extermínio, é o centro moral da história. Através de sua compaixão incondicional, o filme revela a capacidade do ser humano de resistir à barbárie com pequenos atos de ternura. Mas Hazanavicius não nos poupa: conforme a trama se desenvolve, as nuances do conflito emergem com força. O que começa como um conto ganha contornos sombrios, revelando que os mitos, como o da floresta perigosa ou do inimigo monstruoso, muitas vezes são reais, só que assumem formas humanas.

A trilha sonora de Alexandre Desplat é uma peça-chave na construção emocional do filme. Seus acordes suaves, melancólicos e por vezes solenes, acompanham a narrativa com precisão cirúrgica, sem jamais manipular o espectador, apenas intensificando a sensibilidade de cada cena.

Talvez o aspecto mais impressionante da obra seja sua coragem. Ao optar pela animação — um meio muitas vezes associado ao escapismo ou à leveza — Hazanavicius desafia convenções e prova que a forma não limita o conteúdo. Pelo contrário: a estética poética da animação confere à narrativa uma camada de simbolismo que potencializa o impacto dos horrores retratados. O resultado é um paradoxo tocante: quanto mais bela a forma, mais cruel e tocante se torna a realidade que ela revela.

A Mais Preciosa das Cargas é um filme comovente, que atravessa o espectador com sua "beleza triste". É uma fábula sobre a guerra, mas também sobre amor, sacrifício e humanidade. Um lembrete poderoso de que, mesmo nos períodos mais sombrios da história, atos de luz podem nascer e que esses atos, por menores que pareçam, têm o poder de transformar o mundo ao redor.

09/04/2025

CRÍTICA | DROP: AMEAÇA ANÔNIMA


Drop: Ameaça Anônima, de Christopher Landon, é um thriller intrigante e sucinto que entrega bem sua proposta, sendo um filme enxuto, com cenário contido, tensão crescente e uma protagonista no centro de uma espiral paranoica digital. Com duração enxuta de 90 minutos e quase inteiramente ambientado em um restaurante elegante, Drop: Ameaça Anônima transforma um encontro romântico casual em um pesadelo tecnológico e, curiosamente, também em uma jornada de reconexão emocional.

A trama acompanha Violet (Meghann Fahy), uma terapeuta especializada em sobreviventes de violência doméstica e mãe solo, que finalmente decide sair para um encontro após anos de trauma e luto. Mas o que começa como uma típica noite de nervosismo e expectativas vira um jogo de vida ou morte quando Violet começa a receber mensagens misteriosas via "DigiDrop" uma versão ficcional do AirDrop exigindo que ela envenene seu par, Henry (Brandon Sklenar), ou sua irmã e filho serão mortos por um invasor em sua casa. O terror vem, literalmente, na palma da mão.

Landon, combina o seu enredo absurdo com um afiado senso de ritmo. A tecnologia especialmente os smartphones é usada aqui não como mera ferramenta de ambientação, mas como catalisadora narrativa, gerando tensão real e bem contemporânea. A ideia de que o perigo pode estar a apenas 15 metros de distância, escondido entre outros frequentadores do restaurante, gera uma atmosfera sufocante e claustrofóbica, onde cada tela luminosa ao redor pode abrigar uma ameaça invisível.

A força do filme reside inteiramente na atuação de Meghann Fahy. Após seu grande destaque em The White Lotus, ela prova aqui ser uma atriz de primeira, entregando uma performance carregada de viés emocional e controle técnico. Violet precisa sorrir, seduzir, improvisar e sobreviver a tudo isso enquanto esconde o pânico que cresce dentro de si. A tensão não está apenas no que pode acontecer, mas no esforço que ela faz para parecer que nada está acontecendo.


Brandon Sklenar também acerta como o "homem ideal" Henry, cuja bondade genuína serve como contraponto ao caos digital. O roteiro brinca com as expectativas do espectador, nunca deixando claro se Henry é um salvador, uma vítima ou algo mais, e a química entre os dois é explícita, o que torna a ameaça mais impactante.

Drop: Ameaça Anônima também serve como uma crítica social para a experiência feminina no mundo moderno, sobretudo na exposição constante à violência, ao controle e à obrigação de manter a compostura. Ao transformar a tensão de um primeiro encontro em um thriller de sobrevivência, o filme toca em temas como trauma, vigilância e a performance forçada de normalidade.

Visualmente, Landon e o diretor de fotografia conseguem fazer do restaurante um espaço dinâmico, quase teatral, usando o ambiente e os espelhos para reforçar a paranoia crescente. A trilha de Bear McCreary e a edição de Ben Baudhuin contribuem para a fluidez da narrativa, que só tropeça ligeiramente quando tenta amarrar as pontas do mistério. A revelação do vilão e suas motivações pode soar fraca ou implausível, mas a jornada até ali é tão atraente que isso pouco importa.

CRÍTICA | OPERAÇÃO VINGANÇA



Com Operação Vingança, o diretor James Hawes se arrisca em um território que já se viu de tudo, o thriller de espionagem movido pela vingança pessoal traz uma premissa clássica, Charlie Heller (Rami Malek), um analista da CIA com mais intimidade com códigos e telas do que com armas, vê sua vida desmoronar quando sua esposa (Rachel Brosnahan) é assassinada durante um ataque terrorista em Londres. Insatisfeito com a inércia burocrática da Agência, Heller decide caçar os responsáveis com as próprias mãos mesmo que isso signifique virar as costas para tudo o que conhece.

Apesar de flertar com o estilo de “Jason Bourne”, Operação Vingança é mais inteligência do que físico, ainda que nem sempre de forma satisfatória. Rami Malek entrega uma performance contida (pra variar), marcada por olhares vidrados e reações sutis, ideal para representar o luto transformado em frieza calculada, mas que às vezes soa tão apática quanto o próprio roteiro.

O filme tenta subverter o molde tradicional dos filmes de vingança ao manter seu protagonista longe do estereótipo do herói musculoso e infalível. Charlie não é um assassino nato, não sabe atirar direito e precisa assistir a tutoriais no YouTube para aprender a arrombar fechaduras. Isso traz momentos de humor involuntário ou, quem sabe, autoconsciente que fazem falta em outras partes da narrativa. Há algo interessante em ver um “homem comum” tentando colocar em prática um belo plano de vingança, mas a execução, muitas vezes, parece mecânica e inverossímil, mesmo dentro dos parâmetros do gênero.


A direção de Hawes, marcada por um visual elegante e eficiente, com boas locações em Istambul, Paris e Londres, mantém a história em movimento. Porém, a estética fria e a paleta acinzentada acentuam a distância emocional que o filme já impõe por meio de seu roteiro funcional e seus personagens pouco desenvolvidos. Mesmo com um elenco recheado de nomes de peso como Laurence Fishburne, Caitriona Balfe, Michael Stuhlbarg, Jon Bernthal, poucos ganham espaço para brilhar. A maioria é relegada a tipos genéricos ou flashbacks sentimentais, como é o caso de Brosnahan, cuja personagem existe apenas para ser o gatilho da trama.

Há também uma camada de crítica política com vilões que ecoam o populismo contemporâneo, tramas de encobrimento militar e alegorias discretas à supremacia branca, mas tudo isso é apresentado de maneira tão superficial que não pesa na experiência do espectador. Operação Vingança parece não saber se quer ser uma sátira esperta ou um thriller sério de vingança moral.

Ainda assim, o filme tem seus méritos. Há tensão suficiente para manter o interesse, uma trilha sonora maneira de Volker Bertelmann que injeta energia onde o roteiro falha, e algumas sequências de ação criativas incluindo um clímax à beira do absurdo em um iate no Báltico. Além disso, a tentativa de transformar a inteligência em arma principal do herói é bem interessante, ainda que imperfeita, é um exemplo de renovação do gênero.

26/03/2025

CRÍTICA | PRESENÇA: O FILME

O novo filme de Steven Soderbergh, Presença, desafia convenções ao contar uma história de fantasma inteiramente sob o ponto de vista do espírito. O resultado é uma experiência imersiva e singular, onde o espectador se torna o próprio fantasma, observando silenciosamente uma família disfuncional enquanto eventos misteriosos se desenrolam.

Com roteiro de David Koepp, veterano de Hollywood responsável por sucessos como “O Quarto do Pânico” e “Ecos do Além”, o longa se posiciona menos como um terror tradicional e mais como um drama psicológico e metafísico sobre moralidade, redenção e a natureza da existência pós-morte.

Desde os primeiros minutos, o filme estabelece sua perspectiva única: a câmera assume o papel do espírito, flutuando por uma casa vazia antes que uma nova família, os Payne, se mude para lá. Esse olhar fantasmagórico não apenas guia a narrativa, mas também se torna um personagem por si só, cuja consciência vai se expandindo conforme interage com os vivos.

A família é composta por Rebecca (Lucy Liu), uma executiva pragmática e pouco afetuosa; Chris (Chris Sullivan), um marido gentil e passivo; Tyler (Eddy Madday), o filho arrogante e insensível; e Chloe (Callina Liang), a adolescente introspectiva, lidando com o luto da perda de sua melhor amiga. Chloe é a primeira a perceber a presença do espírito, sentindo sua energia antes mesmo de vê-lo.

A interação entre a presença invisível e os vivos é construída de forma cuidadosa, sem recorrer a sustos fáceis ou efeitos exagerados. O terror aqui é mais psicológico, baseado na atmosfera de tensão crescente e no modo como o espírito afeta e é afetado pelas dinâmicas familiares.

Soderbergh, que também opera a câmera, entrega um filme minimalista e altamente estilizado. O uso da câmera subjetiva não é apenas uma escolha estética, mas uma ferramenta narrativa essencial. A sensação de fazer parte é desconfortável, fazendo com que o público se sinta tanto um observador impotente quanto um agente oculto da trama.

As cenas são intercaladas por cortes secos e apagões, reforçando a fragmentação da experiência do espírito. A direção é econômica, priorizando diálogos distantes e composições que mantêm o espectador em constante expectativa. A trilha sonora, discreta e evocativa, complementa essa abordagem, criando momentos de pura inquietação.

Apesar da premissa sobrenatural, Presença é, acima de tudo, um drama sobre culpa e responsabilidade. O roteiro de Koepp sugere que a presença não é apenas um fantasma aleatório, mas um espírito ligado diretamente à casa ou à família. A questão central não é apenas quem ou o que é esse espírito, mas por que ele está ali e qual é seu papel nesse drama familiar.

Rebecca, por exemplo, esconde segredos financeiros e tem atitudes moralmente questionáveis. Chloe, ainda em luto, encontra no espírito uma conexão invisível que a ajuda a enfrentar sua dor. A família Payne não é apenas vítima de uma assombração, mas de suas próprias escolhas e comportamentos. O espírito, ao invés de apenas aterrorizar, também julga, protege e influencia os vivos.

A metáfora é clara: os fantasmas que assombram essa casa não são apenas sobrenaturais, mas também psicológicos e emocionais. Apesar da originalidade, Presença não é um filme sem falhas. O drama conjugal entre Chris e Rebecca, assim como a natureza dos negócios obscuros de Rebecca, é tratado de forma superficial, sugerindo que algumas cenas podem ter sido cortadas para manter o ritmo do filme.

Além disso, há uma inconsistência na atuação do espírito: em determinados momentos, ele age para ajudar Chloe, mas, em outro ponto crítico, ele não intervém da mesma forma, levantando questões sobre sua lógica interna. Se o espírito tem algum tipo de influência, por que não agir de maneira mais coerente ao longo da trama?

O filme também pode frustrar quem espera um terror mais direto ou explicações convencionais. Ele não se preocupa em entregar respostas fáceis, deixando algumas questões em aberto e se apoiando em sua atmosfera e simbolismo. Presença não é um terror típico e pode não agradar a quem busca sustos tradicionais. No entanto, é um filme fascinante, que desafia a gramática do gênero ao apresentar uma história de fantasma narrada pelo próprio fantasma (mesmo sem dizer uma palavra).

Soderbergh conduz a trama com elegância, criando um estudo sobre culpa, luto e moralidade que se desenrola com paciência e sofisticação. Seu minimalismo pode parecer frio para alguns, mas, para aqueles dispostos a mergulhar na proposta, Presença oferece uma experiência única e intrigante.

Crítica | Resgate Implacável

O que acontece quando um ex-agente de forças especiais, abandonando sua carreira para levar uma vida simples, se vê puxado para o mundo da corrupção e do tráfico humano? O filme Resgate Implacável, dirigido por David Ayer, explora essa pergunta, trazendo uma trama recheada de adrenalina, reviravoltas e a complexidade do heroísmo em tempos de desilusão. Estrela do filme, Jason Statham interpreta Levon Cade, um homem cuja vida pacata é interrompida pelo sequestro da filha de seu chefe, uma situação que desvela um intrincado esquema de corrupção.

Baseado no livro Levon’s Trade, de Chuck Dixon, o longa não se distancia de outras produções do gênero, mas consegue se destacar pela forma como mescla cenas de ação intensas com a tensão crescente de uma conspiração política. A escolha de Ayer para dirigir o projeto não é surpresa, já que o cineasta tem um histórico com filmes de ação e dramáticos como Esquadrão Suicida e Beekeeper. Sua direção, ao lado do roteiro coescrito por Sylvester Stallone, acerta ao equilibrar momentos de explosões com uma construção emocional mais introspectiva. A ideia de um ex-soldado enfrentando o peso de suas escolhas e os fantasmas do passado não é nova, mas ganha força através de Statham, que adiciona uma camada extra de profundidade ao personagem.

A trama de Resgate Implacável se desenrola como uma típica jornada de vingança, mas o ponto de destaque aqui é o caminho psicológico de Levon, um homem que, embora tenha deixado para trás a violência do campo de batalha, é incapaz de ignorar a injustiça quando ela afeta aqueles que ama. O sequestro da filha de seu chefe é o estopim para uma missão que o leva a confrontar não apenas traficantes da máfia russa, mas também um sistema de corrupção que envolve figuras do governo e até mesmo a polícia. O roteiro de Stallone consegue capturar essa dinâmica, oferecendo ao público uma visão familiar, mas interessante, do "herói torturado", algo que Statham interpreta com maestria.

O elenco coadjuvante também entrega boas atuações, com destaque para David Harbour e Michael Peña, que acrescentam camadas a seus papéis, muitas vezes se distanciando dos estereótipos que o gênero pode impôr. A química entre Statham e o elenco faz com que o filme ganhe mais densidade, tornando os conflitos pessoais mais palpáveis.

A direção de Ayer também brilha nos momentos de ação, com coreografias bem elaboradas nas lutas e cenas de perseguição que mantêm o espectador na ponta da cadeira. Porém, o filme não se limita a ser apenas um "puro soco e explosão". Há uma tentativa de explorar o peso emocional e as consequências da violência, mesmo que em alguns momentos isso pareça perdido em meio a cenas mais agitadas. O tom sombrio e realista da direção confere à obra um caráter mais denso, especialmente quando o enredo se aprofunda nas consequências da corrupção, tornando o filme algo mais do que um simples resgate mas uma luta pela redenção.

O aspecto visual também não deixa a desejar. O design de produção de Nigel Evans cria uma atmosfera tensa, refletindo a decadência moral do mundo que Levon se vê forçado a encarar. A fotografia de Shawn White contribui para isso com tons sombrios e uma paleta de cores que ajuda a acentuar o clima de desespero e ação constante.

Apesar de ter uma base sólida em seu roteiro e personagens, Resgate Implacável pode falhar em aprofundar certos aspectos do passado de Levon, um ponto que poderia trazer ainda mais complexidade ao personagem principal. Porém, para os fãs de ação, isso pode ser facilmente ignorado pela dinâmica carregada do filme.

Resgate Implacável é um thriller de ação que combina adrenalina com uma história de fundo emocionalmente carregada. David Ayer e Sylvester Stallone entregam uma adaptação interessante do livro de Chuck Dixon, enquanto Jason Statham se mantém como um dos maiores astros do gênero, fazendo deste filme uma experiência muito interessante, se não completamente inovadora. Para os amantes de ação, o filme é um prato cheio; para aqueles que buscam mais do que um simples filme de vingança, pode ser uma experiência um pouco mais rasa, mas ainda assim, uma belíssima representação do gênero.

25/03/2025

Crítica | Desconhecidos

Desconhecidos é um thriller psicológico que desafia as expectativas e subverte os estereótipos do gênero slasher. Dirigido e escrito por JT Mollner, o filme adota uma abordagem não linear, com capítulos embaralhados e uma estética cult reforçada pelo uso do filme 35 mm. O resultado é uma experiência intensa e imersiva, que exige do espectador atenção e paciência para conectar os pontos dessa história de perseguição e violência.

Nos primeiros minutos, somos jogados diretamente no capítulo 3, um recurso que pode causar estranheza, mas que faz parte da estrutura inteligente do filme. Acompanhamos o que parece ser um jogo de gato e rato, onde um homem implacável persegue uma mulher ferida pela paisagem selvagem do Oregon. A tensão cresce à medida que ela tenta se manter um passo à frente de seu agressor, enquanto o público ainda tenta entender o que está realmente acontecendo.

O grande trunfo de Desconhecidos está em sua narrativa meticulosamente construída. Conforme a história avança, percebemos que não estamos apenas diante de mais um filme de serial killer. O roteiro brinca com os clichês do gênero, apenas para destruí-los no clímax, revelando um plot twist que vira tudo de cabeça para baixo. É uma reviravolta que não apenas surpreende, mas também redefine toda a jornada que acompanhamos até ali.

Outro destaque do filme são as atuações, especialmente de Willa Fitzgerald, que entrega uma performance intensa e cheia de nuances como a mulher em fuga. Ela transita perfeitamente entre o desespero e a determinação, mantendo o espectador sempre ao seu lado, mesmo quando a história começa a revelar novas camadas sobre sua personagem. Sua atuação eleva a tensão da trama e faz com que cada reviravolta tenha ainda mais impacto.

Ainda que a estrutura não linear seja um dos pontos fortes do filme, ela também pode afastar alguns espectadores no início. O ritmo inicial estranho e a mixagem de som estourada podem causar incômodo, dificultando a imersão nos primeiros momentos. No entanto, à medida que a trama se desenrola, o filme prende completamente o público, tornando impossível desviar o olhar. Cada nova revelação só aumenta a tensão e a surpresa, culminando em um final extremamente satisfatório.

Desconhecidos é um filmaço, um thriller psicológico estiloso e bem executado que entrega uma experiência única. A escolha de contar a história de maneira não linear não é apenas um truque narrativo, mas sim uma estratégia bem planejada para esconder as peças do quebra-cabeça até o momento certo. Para os fãs do gênero, é uma obra obrigatória – tensa, imprevisível e brilhantemente construída.

20/03/2025

Crítica | Branca de neve


A nova versão de Branca de Neve, dirigida por Marc Webb, é um remake que tenta inovar, mas acaba tropeçando na dificuldade de conciliar o velho com o novo. Ao fazer o "upgrade" da clássica animação de 1937, o filme aposta em mudanças significativas, mas essas alterações, ao invés de revitalizar o conto, geram um dilema de identidade que enfraquece a narrativa. A história tenta agradar a todos, mas em sua busca por um meio termo entre o tradicional e o progressista, se perde.

O enredo, que já é bem conhecido, começa com Snow White (Rachel Zegler), a princesa com pele tão branca quanto a neve (não neste caso), sendo criada sob a tutela de uma mãe bondosa e de um pai distante. Após a morte de sua mãe, o rei se casa com a vilã interpretada por Gal Gadot, a malvada rainha. Nesse ponto, o filme tenta dar uma roupagem mais moderna à história, com a introdução de um rei ausente, uma rainha com claras ambições políticas, e uma princesa que começa a questionar as estruturas de poder. O próprio nome de Snow White agora não faz referência à cor de sua pele, mas à tempestade de neve que acompanhou seu nascimento, uma tentativa de adaptação que soa mais como uma justificativa forçada do que uma mudança impactante.

O maior problema de Branca de Neve é a sensação de que ele tenta ser muitas coisas ao mesmo tempo. Por um lado, temos a história clássica, com a princesinha fugindo para a floresta, conhecendo os anões (agora criaturas mágicas em CGI, que soam mais estranhos do que encantadores) e esperando ser resgatada. Por outro, há uma tentativa de reimaginar Snow White como uma líder revolucionária, com uma insurreição popular contra a tirania da rainha, com seu príncipe transformado em um bandido heroico que, com sua turma, segue a linha de Robin Hood. O resultado disso é um filme sem foco, onde os elementos do conto de fadas original se misturam com uma agenda política que, em vez de ser bem trabalhada, é superficialmente jogada na trama.

Rachel Zegler, que foi aclamada por sua performance em West Side Story, aqui tem a difícil tarefa de dar vida a uma Snow White que, embora tenha uma boa voz e alguns momentos impactantes nas canções, acaba sendo mais uma figura insípida do que uma personagem carismática. Já Gal Gadot, com sua vilã cheia de sedução, não consegue equilibrar o terror que o papel exige, resultando em uma atuação que parece indecisa e sem impacto.

A musicalidade, que poderia ser um dos trunfos do filme, acaba sendo um ponto de desconforto. Com músicas compostas por Benj Pasek e Justin Paul, os números parecem forçados e em muitos momentos beiram o exagero, especialmente quando a princesa se vê envolvida em canções que pregam uma mensagem de empoderamento e ação, distantes do tom delicado e encantador do original. O uso de CGI para representar os anões também é um erro visível, criando figuras que são mais inquietantes do que mágicas. A decisão de misturar isso com os bandoleiros do príncipe é uma solução confusa e que parece ter sido feita por simples conveniência narrativa.

A direção de arte, embora tentasse capturar a essência visual do clássico de 1937, com cenários coloridos e fantasiosos, acaba não conseguindo transmitir a mesma magia. Em vez disso, o filme parece mais um grande desfile de fantasias de um festival medieval, com uma estética que tenta agradar tanto aos fãs do original quanto aos adeptos da modernização, mas sem sucesso.

Em um cenário repleto de remakes e revisões de contos clássicos, Branca de Neve se destaca não pela sua ousadia ou inovação, mas pela sua indecisão. É uma tentativa de agradar aos conservadores e progressistas, mas acaba falhando ao tentar ser todos os discursos ao mesmo tempo. O filme, com sua narrativa conturbada e performances mornas, é um exemplo claro de como uma produção grandiosa pode, ao tentar fazer tudo de uma vez, acabar não fazendo nada de verdadeiramente notável.

Branca de Neve de 2025 é um filme que tem pouco a oferecer, exceto uma sensação de nostalgia superficial e um rastro de tentativas mal sucedidas de reformular um clássico. Em um momento onde os reboots são abundantes, esta versão se destaca como uma das mais desinteressantes e sem alma. Para os fãs que esperam se encantar, o encanto pode ser mais fugaz do que esperavam. 

Crítica | The Alto Knights: Máfia e Poder


Em um cenário saturado de filmes sobre máfia, onde as tramas de traição, lealdade e poder se entrelaçam em um fio tenso de violência, "The Alto Knights: Máfia e Poder" tenta se destacar como uma reflexão sobre o declínio dos grandes nomes do crime organizado. Dirigido por Barry Levinson e com um roteiro de Nicholas Pileggi o mesmo de Goodfellas e Casino o filme aposta no carisma de Robert De Niro, que interpreta, nada menos, do que dois dos maiores mafiosos da história: Frank Costello e Vito Genovese. Porém, enquanto o filme oferece uma performance impressionante de De Niro, o resultado final acaba se perdendo no próprio excesso, revelando-se uma proposta interessante, mas que não cumpre totalmente o seu potencial.

A história, baseada em eventos reais, inicia-se em 1959, com uma tentativa de assassinato falha contra Frank Costello, um dos chefes mais respeitados da máfia, e logo se desenrola como um estudo de personagens sobre a rivalidade com Vito Genovese, seu antigo amigo e agora inimigo. A tentativa de assassinato é uma sequência tensa e promissora, que nos insere diretamente na ação, mas à medida que o filme avança, o ritmo se arrasta. O que poderia ser uma narrativa empolgante sobre os bastidores do poder mafioso se transforma em um mar de diálogos e explicações, sem conseguir manter a intensidade necessária para capturar o espectador.

A escolha de De Niro para interpretar dois papeis principais é o grande atrativo da produção, mas acaba soando mais como uma curiosidade de casting do que uma escolha narrativa substancial. O uso de maquiagem e próteses para criar as diferenças visuais entre Costello e Genovese, embora tecnicamente eficaz, acaba por ressaltar o aspecto artificial da experiência, fazendo com que o espectador se distraia com o truque em vez de se envolver com a trama. O fato de De Niro estar o tempo todo diante de si mesmo em cena, em duplas interpretações, gera uma estranha sensação de distanciamento, como se estivéssemos assistindo a uma farsa mais do que a um estudo genuíno de duas figuras históricas complexas.

A direção de Levinson, embora competente, não consegue imprimir a força dramática necessária para sustentar o filme ao longo de suas mais de duas horas de duração. A estética visual, que mistura cenas em preto e branco com filmagens de arquivo, lembra um pouco o estilo dos grandes filmes de máfia de outrora, mas sem o mesmo impacto. Em vez de oferecer uma sensação de nostalgia ou homenagem ao gênero, acaba por parecer um truque visual repetido, que não acrescenta nada à narrativa, apenas a torna mais arrastada. A ideia de utilizar imagens de arquivo é interessante, mas raramente se sente integrada de forma orgânica à história.


Os personagens, principalmente Frank e Vito, são apresentados de maneira quase didática, o que reduz sua complexidade. Enquanto Frank é retratado como o homem refinado, com uma fachada de respeitabilidade, Vito é o temperamental e violento, impulsivo e incontrolável. Essas características são claramente delineadas, mas a dinâmica entre os dois, o que uma amizade transformada em rivalidade de fato significa não é suficientemente explorada para que a grande tragédia ou drama da história se concretize. O filme busca, em alguns momentos, ser uma meditação sobre o envelhecimento e o desgaste do poder, mas não alcança a profundidade que poderia ter se tivesse mais foco nos aspectos humanos e emocionais das figuras retratadas.

De Niro, claro, está impecável em ambas as atuações, mas o fato de estarmos constantemente cientes de que ele está interpretando os dois personagens dificulta a imersão na história. As confrontações entre os dois são momentos de grande tensão, mas o efeito final é mais o de um truque de cinema do que uma exploração real dos conflitos internos de Costello e Genovese. Se há um ponto positivo nisso tudo, é o excelente trabalho de maquiagem e prostéticos que permite que De Niro, mesmo sob camadas de maquiagem, ainda transmita uma presença muito marcante.

A grande questão que paira sobre The Alto Knights é a falta de ambição narrativa. O filme, apesar de ter todos os ingredientes para se tornar um épico da máfia com o roteiro de Pileggi, a direção de Levinson e a interpretação de De Niro, parece contentar-se em seguir uma fórmula que já foi bem explorada em outras produções do gênero. O resultado é um filme que, apesar de ser satisfatório em sua estética e atuações, não consegue se firmar como uma obra relevante ou inovadora dentro do vasto universo do cinema de máfia.

12/03/2025

crítica | Código Preto

A espionagem no cinema muitas vezes caminha entre dois extremos: ação eletrizante ou tramas intelectualmente desafiadoras. Código Preto, dirigido por Steven Soderbergh, escolhe a segunda opção, apostando em diálogos afiados e dilemas morais no lugar de perseguições e tiroteios. O resultado, no entanto, pode dividir opiniões. Para alguns, será um thriller sofisticado; para outros, uma experiência frustrante, que parece mais adequada às páginas de um livro do que às telas do cinema. 

A trama segue Kathryn (Cate Blanchett) e George (Michael Fassbender), um casal de espiões experientes que, apesar da profissão perigosa, mantêm um casamento aparentemente equilibrado e respeitoso. Isso muda quando informações sigilosas vazam e Kathryn se torna a principal suspeita. De forma extraoficial, George recebe a missão de investigá-la, enfrentando o maior dilema de sua vida: confiar na mulher que ama ou ser leal ao seu país?

A premissa é excelente e tem potencial para um suspense envolvente, mas Código Preto segue por um caminho diferente do esperado. O filme se desenrola como um grande jogo de xadrez, onde cada peça se move nos diálogos, não na ação. O roteiro de David Koepp é meticulosamente construído, repleto de intrigas, insinuações e frases carregadas de subtexto. No entanto, essa abordagem torna o ritmo lento, e a tensão que poderia ser palpável se dilui em longas conversas e reflexões.

Apesar disso, há momentos de alívio. O filme surpreende ao inserir pitadas de humor, com diálogos irônicos que brincam tanto com o universo dos videogames quanto com a desconfiança natural em um casamento entre espiões. Essa leveza ocasional evita que a narrativa se torne excessivamente árida, mas não é suficiente para torná-la mais dinâmica.

Se o roteiro não é impecável, ao menos o elenco eleva o material. Cate Blanchett e Michael Fassbender entregam atuações magnéticas, adicionando profundidade emocional aos personagens. Blanchett, em especial, domina a tela com sua presença enigmática, deixando sempre no ar a dúvida sobre sua real motivação. Fassbender, por sua vez, convence como um homem dividido entre o dever e o amor.

A direção de Soderbergh também merece destaque. Conhecido por sua abordagem estilizada e domínio técnico, ele constrói uma atmosfera elegante e contida. A fotografia fria e calculada reforça a sensação de distanciamento entre os personagens, enquanto a montagem precisa mantém o filme visualmente interessante, mesmo quando a história se arrasta.

Código Preto não entrega a espionagem eletrizante que muitos podem esperar, mas sim um duelo psicológico sustentado por diálogos sofisticados. É um filme que exige paciência e atenção aos detalhes, funcionando mais como um quebra-cabeça narrativo do que como um thriller convencional. Para quem gosta de tensão construída na palavra e não na ação, pode ser uma experiência intrigante. Para os que buscam adrenalina e reviravoltas impactantes, no entanto, a sensação que fica é a de frustração.

11/03/2025

Crítica | Parthenope: Os amores de Nápoles


Paolo Sorrentino retorna com mais um filme visualmente deslumbrante em Parthenope: Os Amores de Nápoles, um longa que carrega sua assinatura estilística inconfundível e entrega uma experiência cinematográfica intensa, mas nada convencional.

A grande força do filme está, sem dúvidas, na fotografia. Cada cena é um verdadeiro quadro, meticulosamente composto para capturar a beleza de Nápoles e a intensidade emocional da protagonista. As cores, os enquadramentos e a iluminação fazem com que Parthenope seja um deleite visual, transportando o espectador para uma Itália solar e melancólica ao mesmo tempo.

O roteiro, como já é de se esperar de Sorrentino, é repleto de diálogos bem escritos e reviravoltas satíricas. As falas são afiadas e, muitas vezes, escondem camadas de significado que podem passar despercebidas em um primeiro momento. Isso faz com que o filme exija atenção total do espectador – não é um filme para assistir casualmente. Algumas cenas, aparentemente desconectadas da trama principal, ajudam a construir a essência de Parthenope, mostrando como sua personalidade foi moldada por suas experiências, sejam elas sexuais, acadêmicas ou sociais.


Um dos pontos altos da narrativa é a relação entre Parthenope e seu mentor, um professor de antropologia. Os diálogos entre eles são incrivelmente ricos, muitas vezes cômicos e cheios de reflexões sobre a vida, a sociedade e o próprio cinema. É um filme que se alimenta da cultura, das referências e do olhar apurado sobre o mundo – um verdadeiro prato cheio para cinéfilos.

No entanto, esse mesmo caráter metalinguístico e repleto de easter eggs pode ser um obstáculo para um público mais amplo. Parthenope não é um filme acessível para qualquer espectador; ele exige um certo repertório e gosto pelo cinema mais artístico para ser plenamente apreciado. Além disso, suas sátiras e provocações, especialmente direcionadas à Igreja Católica e ao cristianismo, devem afastar alguns espectadores religiosos.

A trilha sonora complementa perfeitamente a experiência, recheada de belas músicas que potencializam a imersão na atmosfera italiana. O filme não apenas conta uma história, mas faz com que o público sinta a essência do país por meio da música e das imagens.

Parthenope: Os Amores de Nápoles é uma viagem única pela mente de Sorrentino e um olhar inusitado sobre a formação de uma mulher que carrega consigo a essência mitológica de sua cidade. Não é um filme fácil ou convencional, mas para aqueles que estão dispostos a mergulhar em sua proposta, a recompensa é um filme diferente, cult e provocativo.

CRÍTICA | Vitória


"Vitória" acompanha a jornada de Nina, uma senhora solitária que, aflita com a escalada da violência em sua vizinhança, decide registrar a movimentação dos traficantes da região com sua câmera, na tentativa de cooperar com a polícia. Sua iniciativa desperta o interesse de um jornalista, que se aproxima dela e tenta ajudá-la em sua missão. No entanto, essa decisão tem consequências graves, obrigando-a a mudar de identidade e passar a se chamar Vitória. O longa se assume como um drama intenso e realista, conduzido com maestria por Fernanda Montenegro.

A atriz de 95 anos carrega o filme nas costas, sendo o grande destaque da produção. Seu desempenho é arrebatador, dando vida a uma personagem forte, vulnerável e incrivelmente humana. Com sua presença quase onipresente em cena, Montenegro nos conduz por um retrato sensível e doloroso da solidão e da impotência diante da violência urbana. A forma como sua atuação transita entre momentos de fragilidade e determinação torna a experiência ainda mais envolvente e emocional.


A cinematografia do filme também merece destaque. O uso de planos-sequência valoriza o carisma da protagonista e nos aproxima ainda mais da realidade brutal que ela enfrenta. A direção aposta em uma abordagem que mergulha o espectador na perspectiva da personagem, tornando cada detalhe da ambientação ainda mais impactante.

Embora o filme se mantenha firme em sua proposta dramática, há momentos em que a narrativa se distancia do realismo estabelecido. Um exemplo claro disso é uma cena específica de tom cômico que, apesar de não comprometer a trama, cria uma quebra de ritmo desnecessária. Ainda assim, essa escolha não chega a comprometer a imersão geral da história.


O filme também toca em questões sociais relevantes, como o descaso da polícia diante dos relatos da população. Seja por interesses próprios ou discriminação, essa realidade ainda difícil de ser discutida é exposta de forma contundente. Além disso, o longa retrata com sensibilidade a dura realidade de idosos que, após uma vida de esforço para manter suas moradias, se veem forçados a abandoná-las devido à insegurança crescente.

Apesar da predominância de Fernanda Montenegro em cena, o elenco de apoio também entrega bons momentos. Uma das surpresas da produção é a participação de Linn da Quebrada no papel de Bibiana, que, mesmo com pouco tempo de tela, se destaca com uma performance marcante.

"Vitória" é uma experiência poderosa e emocionante que deixa o espectador sem fôlego diante da sua dura realidade. Mais do que um filme, é um espelho da sociedade, uma história sobre medo e coragem, sobre quem pode falar e quem é silenciado.

04/03/2025

CRÍTICA | Mickey 17


O sul-coreano Bong Joon-ho retorna ao cinema com “Mickey 17”, sua aguardada continuação como diretor após o estrondoso sucesso de “Parasita” (2019). Desta vez, o diretor mergulha na ficção científica para construir uma sátira distópica que combina humor ácido, niilismo filosófico e crítica social em uma narrativa que parece ter sido lançada na hora certa para dialogar com os turbulentos tempos políticos contemporâneos.

Baseado no romance “Mickey 7”, de Edward Ashton, o filme se afasta dos clichês tradicionais da ficção científica para propor uma reflexão incômoda sobre a exploração da classe trabalhadora, a alienação do indivíduo e o autoritarismo crescente em um futuro não tão distante.

A trama acompanha Mickey Barnes (Robert Pattinson), um "Dispensável" em uma missão interplanetária para colonizar o planeta gelado “Niflheim”. Sua função é simples, mas macabra, realizar tarefas letais ou experimentar condições de risco para proteger os membros mais valiosos da tripulação. Quando morre o que acontece frequentemente Mickey é impresso novamente por uma bioimpressora 3D, mantendo intactas suas memórias e traumas.

O conceito de clones sacrificáveis não é novo na ficção científica, mas Bong injeta na história uma abordagem profundamente humana, transformando Mickey em uma categoria do trabalhador precário, condenado a uma existência cíclica onde sua vida só tem valor enquanto servir à produtividade.


A ironia central do filme é que cada versão de Mickey é menos "humana" que a anterior, tornando-se mais ressentida, cínica e disposta a quebrar as regras. Pattinson, em uma das atuações mais estranhas de sua carreira, interpreta várias encarnações do mesmo personagem, desde o servil e desajeitado “Mickey 17” até o vingativo e astuto “Mickey 18”, criando um jogo cômico de duplicidade que oscila entre o absurdo e o patético.

A dinâmica entre as cópias questiona o que nos define como indivíduos, memória, identidade ou comportamento, e expõe como a lógica capitalista reduz a vida humana a um recurso reciclável.

Enquanto Mickey tenta sobreviver, a colônia é governada pelo megalomaníaco Kenneth Marshall (Mark Ruffalo), um líder que mistura fanatismo religioso, supremacia branca e capitalismo predatório em um projeto de colonização fascista. A metáfora com o trumpismo é escancarada, desde os bonés vermelhos que seus seguidores usam até o discurso de "pureza genética" para justificar a reprodução seletiva da população. 

A presença de Toni Collette como sua esposa gourmet obcecada por requintes luxuosos adiciona um toque perversamente cômico à dinâmica opressiva, sublinhando a hipocrisia da elite colonizadora.

Bong Joon-ho nunca se contenta em apenas apontar o dedo para os vilões. O filme se diverte com o fato de que todos os personagens heróis e vilões estão moralmente comprometidos. Mickey, mesmo como protagonista, é egoísta, covarde e muitas vezes desprezível. O humor do filme surge da percepção desconfortável de que ninguém realmente merece redenção.



As mortes grotescas e acidentais evocam a surpresa do espectador, enquanto os diálogos repletos de sarcasmo lembram a semiótica do mundo atual. Essa combinação torna o filme mais cômico do que aterrorizante, mas também profundamente deprimente.

Visualmente, “Mickey 17” é uma mistura de estética retrofuturista e efeitos digitais sofisticados. A fotografia fria e claustrofóbica de “Darius Khondji” reflete o vazio existencial da colônia, enquanto a direção de arte aposta em designs mais desgastados, que lembram filmes como “Alien” e “Blade Runner”. 

O ritmo do filme, pode alienar parte do público. Bong não tem pressa em desenvolver a trama, privilegiando momentos de introspecção e conversas filosóficas em detrimento da ação. O segundo ato, especialmente, pode parecer arrastado para aqueles que esperam uma narrativa mais convencional.

“Mickey 17” é uma sátira de ficção científica que se equilibra entre o absurdo e o trágico, denunciando a desumanização promovida pelo capitalismo e os perigos do autoritarismo disfarçado de utopia. Bong Joon-ho entrega uma obra complexa e profundamente pessimista, na qual mesmo a resistência parece condenada à derrota.

Embora o filme não alcance a mesma força narrativa de “Parasita”, ele se destaca por sua ousadia e timing político, servindo como um reflexo cruelmente divertido do mundo em que vivemos. Robert Pattinson comprova mais uma vez seu talento camaleônico, enquanto Bong reafirma sua posição como um dos diretores mais provocadores do cinema contemporâneo.