01/05/2025

CRÍTICA | HOMEM COM H

Empolgante, necessário e visualmente atraente, "Homem com H" não é apenas uma cinebiografia: é um manifesto sensorial da existência indomável de Ney Matogrosso. Dirigido por Esmir Filho e com uma performance esplêndida de Jesuíta Barbosa, o filme mergulha em mais de cinco décadas da vida de um dos maiores ícones da arte brasileira com coragem, poesia e autenticidade, recusando os caminhos fáceis e formulaicos do gênero biográfico.

A espinha dorsal da narrativa é a conflituosa relação de Ney com seu pai, um militar autoritário que impôs desde cedo os moldes rígidos da masculinidade. Esse confronto primordial não apenas estrutura o filme, mas também serve como catalisador simbólico para todas as lutas que New Mato Grosso enfrentou ao longo da vida, contra os dogmas de gênero, contra a repressão sexual, contra o conservadorismo cultural e político. Homem com H transforma esse embate íntimo em um espelho de reflexões sociais mais amplas.

A atuação de Jesuíta Barbosa é, sem exagero, uma entrega completa ao papel. Ele não apenas interpreta Ney, ele o encarna com delicadeza, fúria e encantamento. Seus movimentos, seu olhar, sua corporeidade em cena especialmente nas sequências performáticas capturam não só a estética andrógina, mas a inquietação existencial que faz de Ney uma figura eternamente em ebulição. Essa fusão de ator e personagem é uma das maiores forças do longa.

Tecnicamente, o filme é impecável. A fotografia de Azul Serra foge da cartilha sépia das cinebiografias convencionais e abraça cores vibrantes, especialmente os azuis e vermelhos que ressaltam o caráter onírico e transgressor de Ney. A direção de arte de Thales Junqueira e o figurino deslumbrante com peças originais e recriações meticulosas materializam o espírito revolucionário do artista. A trilha sonora, composta por 17 músicas licenciadas, costura as cenas com emoção e ritmo, transformando o filme em um musical libertário.

Narrativamente, Esmir Filho opta por uma estrutura fragmentada, guiada por memórias e sensações, o que reforça o caráter lírico e subjetivo da obra. Se por um lado essa fluidez emocional pode parecer dispersa, por outro, ela é coerente com a natureza do próprio Ney: indomável, mutável, resistente à normatização. O fio condutor, a sombra do pai garante a coesão necessária para que o filme não se perca no excesso de informação.

O longa também não evita as dores. A epidemia de HIV, que ceifou vidas na comunidade LGBTQIAPN+ e vitimou o grande amor de Ney, Marco de Maria, é tratada com dignidade e sem sensacionalismo. Ao contrário de filmes que exploram o sofrimento como fim em si, Homem com H transborda resistência e afetividade. É um filme que recusa o lamento, mas não esconde as cicatrizes.

Homem com H não é uma cinebiografia para prêmios é para inquietações. É sobre ver, ouvir, sentir. É um filme que dança, chora, desafia e, acima de tudo, vive. Um retrato apaixonado e sem filtros de alguém que transformou sua própria vida em arte e afronta. Um homem que ousou ser com H de humano, de híbrido, de herético.

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