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Crítica | Asa Branca - A Voz da Arena

A cinebiografia “Asa Branca – A Voz da Arena” se constrói sobre um terreno conhecido do público: a jornada de um herói moldada pelo paradigma narrativo amplamente conhecido neste universo de rodeios do Brasil. Tal estrutura, repetida por décadas, carrega consigo uma previsibilidade que pode tanto garantir reconhecimento emocional quanto aprisionar uma obra em fórmulas já desgastadas. O filme dirigido por Guga Sander se insere exatamente nesse dilema. A trajetória de Asa Branca, uma das figuras mais emblemáticas da cultura dos rodeios no Brasil, é apresentada sob o recorte convencional do nascimento, queda, redenção e triunfo, emoldurada por um tom otimista que muitas vezes suaviza excessivamente a dureza da vida real do personagem. Há solenidade no tratamento dado à sua história, mas há também uma sensação constante de que a narrativa opta por uma versão fantasiosa, higienizada e confortável de um homem cuja existência foi marcada por conflitos mais profundos e menos glamourizados.

O filme acompanha Asa desde o acidente que coloca fim à carreira como peão até seu renascimento como locutor e grande estrela da arena. Nesse percurso, surgem elementos típicos das cinebiografias clássicas: o mentor que aponta caminhos, os amigos que sustentam emocionalmente o protagonista, a mulher que simboliza amor, pureza e estabilidade afetiva, e os demônios interiores que ameaçam sua ascensão. Tudo é apresentado com competência técnica e narrativa, mas dificilmente escapa do previsível. A decadência e a redenção do protagonista surgem como marcos narrativos fáceis, resolvidos de maneira rápida demais, como se a própria estrutura exigisse um progresso constante e linear, impedindo o filme de explorar a ambiguidade e complexidade emocional que tornaram Asa Branca um personagem realmente inesquecível.

Ainda assim, há um cuidado estético considerável. A edição recorre a mudanças de frame, sobreposições de imagem e uma paleta quente que valoriza o tom alaranjado do entardecer e a luminosidade intensa da arena. Essa escolha cria uma atmosfera pertinente, que ora romantiza a vida no campo, ora dramatiza o espetáculo do rodeio. A fotografia se torna não apenas pano de fundo, mas parte essencial da construção da mítica que envolve o protagonista. Mesmo assim, esse refinamento visual contrasta com a sensação geral de que o filme opera dentro de uma armadura narrativa rígida, sem se permitir ousar no mesmo nível em que ousa ao compor sua estética.

Apesar desses limites, “Asa Branca – A Voz da Arena” ganha força através da interpretação de Felipe Simas. O ator compreende a intensidade impulsiva, orgulhosa e vulnerável do personagem e entrega um trabalho que supera a previsibilidade do roteiro. Seu Asa é humano, falho, movido por paixão e ego, dividido entre o fascínio da fama e o desejo por um amor verdadeiro. No entanto, mesmo com sua entrega evidente, é possível sentir que a própria direção do filme impõe certa contenção emocional, preferindo manter o protagonista dentro de uma moldura heroica clássica, em vez de mergulhar mais profundamente em suas sombras.

A obra não se limita apenas a contar a história de um homem, mas a traduzir para a tela a atmosfera do rodeio, seus bastidores, sua dramaturgia e seu ritual coletivo. O espectador que nunca pisou em uma arena é conduzido por imagens que transmitem calor, poeira, risco e espetáculo. A construção desse ambiente é um dos pontos mais fortes do filme, capaz de despertar curiosidade, nostalgia e até mesmo a vontade de pesquisar mais sobre a vida real de Asa Branca. Essa capacidade de gerar interesse posterior, de mover o público para além da conclusão da narrativa, é sinal de que o filme, mesmo preso a fórmulas, encontra maneiras de se manter vivo na memória.


No entanto, quando observamos a obra como cinebiografia, torna-se evidente que o filme adota um tom fabular, suavizando controvérsias e escolhas dolorosas do protagonista real. A jornada é tratada mais como lenda do que como reconstrução histórica. Isso acarreta certa idealização, que funciona para criar identificação emocional, mas enfraquece a profundidade dramática. A versão mostrada em tela se aproxima de uma epopeia nacional, exaltando um herói que transformou o rodeio em espetáculo e elevou a figura do locutor ao patamar de estrela. Ainda assim, essa elevação narrativa resulta em uma obra que parece mais interessada em reforçar o mito do que em compreender o homem por trás dele. 

Asa Branca – A Voz da Arena é um filme que divide suas potências entre técnica, emoção e limitação narrativa. Ele não inova na linguagem, não desafia convenções e tampouco aprofunda as contradições de seu protagonista. Mas entrega um espetáculo competente, visualmente marcante e culturalmente relevante, capaz de despertar orgulho pela produção nacional e de conduzir o espectador a revisitar a história real que inspirou a obra. É um filme que agrada, emociona e entretém, mesmo sem revolucionar. Seu maior legado talvez seja oferecer uma porta de entrada para que mais pessoas conheçam e valorizem uma figura importante da cultura brasileira e para que o cinema nacional continue explorando histórias que são tão nossas quanto as arenas iluminadas que Asa Branca eternizou com sua voz.

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