CRÍTICA | Placa-Mãe
"Placa-Mãe," dirigido por Igor Bastos, é uma animação brasileira que se passa em um futuro próximo, mas com raízes firmemente plantadas na tradição e cultura do interior de Minas Gerais. O filme, embora tecnicamente modesto em comparação com as grandes produções de ficção científica, brilha em sua capacidade de misturar o avanço tecnológico com a essência humana e, principalmente, brasileira.
A trama segue Nadi, uma androide com cidadania brasileira, em sua jornada para adotar e proteger duas crianças, David e Lina. O filme explora a questão das novas formações familiares em um cenário que, embora futurista, se revela cheio de traços de um Brasil contemporâneo. O conflito surge quando Asafe, um influente digital sensacionalista, começa a questionar a legitimidade da adoção, criando um antagonismo que reflete o conservadorismo crescente da sociedade.
O grande mérito de "Placa-Mãe" está em como utiliza a figura de Nadi para questionar o que constitui uma família e como a política e o preconceito moldam essas definições. Ao mesmo tempo, o filme insere elementos de ficção científica como carros voadores e robôs, mas não perde de vista a realidade social brasileira. É curioso e ao mesmo tempo reconfortante ver como o futuro retratado ainda mantém as paisagens típicas do interior mineiro, como trens em trilhos e paisagens naturais, o que reforça a sensação de que, mesmo com o avanço tecnológico, alguns valores e tradições permanecem imutáveis.
A animação é notável por sua simplicidade e pela forma lúdica como aborda temas complexos. Embora os vilões sejam apresentados de forma maniqueísta, como o político representado pela cor laranja e seus valores tradicionalistas, a narrativa busca mais do que confrontar o bem contra o mal. O filme deseja provocar uma reflexão sobre aceitação, cidadania e família, mas sem perder a ternura e o humor característico que, por vezes, torna o discurso mais palatável.
Os momentos de emoção entre Nadi e seus filhos adotivos são tocantes e, embora o filme não se aprofunde tanto em debates filosóficos sobre a natureza da androide, a relação entre eles é o coração da história. Há uma beleza na forma como Nadi, com toda sua tecnologia avançada, valoriza as pequenas coisas, como mostrar às crianças a maria fumaça ou compartilhar lendas e tradições brasileiras. Essa dualidade entre o novo e o antigo é o que torna "Placa-Mãe" um filme tão único.
A dublagem em "mineirês" é um espetáculo à parte. Ana Paula Schneider, no papel de Nadi, oferece uma performance cativante, e o restante do elenco se destaca ao trazer um charme regional que dá ainda mais autenticidade à história. Mesmo com um orçamento limitado, o filme se mantém visualmente competente, embora em alguns momentos o visual pareça menos refinado.
"Placa-Mãe" é emocionante e oferece uma crítica social sutil, mas efetiva, sobre o conservadorismo e a exclusão. Com uma narrativa envolvente, personagens bem desenvolvidos e um pano de fundo brasileiro bem representado, o filme consegue ser um ponto de reflexão e ao mesmo tempo um entretenimento leve e divertido. O longa de Igor Bastos é um lembrete de que a ficção científica não precisa de grandes orçamentos ou de cenários extravagantes para ser impactante, basta uma boa história e personagens com os quais possamos nos conectar.
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