CRÍTICA | NAS TERRAS PERDIDAS
Dirigido por Paul W.S. Anderson e estrelado por Milla Jovovich e Dave Bautista, “Nas Terras Perdidas” é uma adaptação do conto homônimo de George R. R. Martin. Com um enredo que mistura fantasia, distopia e elementos de faroeste pós-apocalíptico, o filme se propõe a explorar grandes temas como desejo, poder, solidão e traição, mas falha em quase todas as frentes. O resultado é uma obra que desperdiça seu potencial narrativo, confusa e termina como uma colagem desbotada de ideias ambiciosas, mas mal executadas.
A história gira em torno da feiticeira Gray Alys (Milla Jovovich), uma personagem que nunca recusa um pedido desde que seja pago. Quando a princesa Melange deseja obter o poder de se transformar em outras formas, Alys aceita a missão de buscar um metamorfo nas chamadas “terras perdidas”. No entanto, o amante da princesa, Jerais, a procura secretamente para pedir que ela impeça a princesa de conseguir esse poder. Alys, em um gesto contraditório que deveria ser o ponto de tensão central do enredo, aceita ambas as solicitações, sem que o roteiro consiga extrair qualquer dilema dramático relevante dessa contradição.
Ao lado de Boyce (Dave Bautista), um caçador contratado para guiá-la pelas terras inóspitas, Alys embarca em uma jornada que envolve monstros, religiosos fanáticos, feitiçaria e traições. Mas o que poderia ser um épico emocional de conflitos morais e ação se torna uma sucessão entediante de cenas desconectadas e sem impacto.
A estética do filme aposta em um visual digital saturado por efeitos especiais que remetem a cenas de videogames da era PS3 e não de forma elogiosa. A fotografia, marcada por exagerados efeitos de luz e reflexos que obscurecem mais do que revelam, torna o cenário artificial e insípido. As tentativas de criar uma atmosfera imersiva falham pela ausência de coerência visual e pela repetição de tons sépia e filtros que embaçam a tela mais do que contribuem para a construção de mundo.
As sequências de ação, embora pontualmente bem coreografadas, são frequentemente sabotadas pela montagem apressada e pelos efeitos visuais genéricos. Em certos momentos, o filme até acerta, a câmera flutuando por dentro de um ônibus pendurado à beira de um abismo, por exemplo, mostra lampejos do estilo dinâmico que consagrou Anderson em obras como “Resident Evil (2002)” e -“Mortal Kombat (1995)”. Mas são exceções em um mar de mediocridade visual.
Dave Bautista é o destaque do elenco. Sua atuação, embora limitada pelo roteiro, oferece alguma emoção genuína. Boyce é um caçador endurecido pela vida, mas com camadas emocionais que Bautista consegue comunicar com dignidade, da tristeza ao ver seu animal de estimação morto, à entrega de falas que, mesmo sendo clichês, ganham certo carisma graças à sua entrega.
Já Milla Jovovich parece perdida. Conhecida por sua forte presença em personagens de ação, aqui sua Gray Alys carece de profundidade emocional. O mistério que deveria envolver a personagem vira apatia, e seu semblante inexpressivo contribui para a monotonia das cenas. A tentativa de conferir uma aura enigmática à personagem acaba resultando em uma performance quase automática, como alguém entediada com o próprio papel.
Arly Jover, como a fanática caçadora de bruxas Ash, entrega uma performance mais intensa, destoando positivamente do resto do elenco, ainda que sua personagem seja mal desenvolvida e caricata. É uma pena que a construção de seus antagonismos seja tão rasa quanto sua motivação.
Narrativamente, o filme tropeça em suas ambições. Os diálogos são pesados e artificiais, com frases que caem como sacos de areia sobre a narrativa. A história, que deveria evocar uma jornada de descobertas e conflitos internos, torna-se uma série de cenas expositivas sem emoção ou desenvolvimento significativo. Os temas centrais, o desejo humano, os limites do poder, a futilidade da busca por controle são apresentados de forma superficial, quase como um lembrete de que “isso deveria ser profundo”.
A tentativa de construir um universo próprio falha por excesso de jargões inventados e uma mitologia pouco clara. Os elementos que deveriam servir como motor do mundo como a ordem religiosa fanática, a política da corte, ou as criaturas mágicas são usados como pano de fundo sem função narrativa convincente. Isso contribui para a sensação de que há muito acontecendo, mas nada que realmente importe.
Nas Terras Perdidas é, antes de tudo, um filme frustrante. Frustrante porque carrega em sua origem uma obra de George R. R. Martin, um autor conhecido por sua capacidade de explorar personagens complexos em mundos igualmente ricos. Frustrante porque conta com atores capazes de entregar performances significativas. E frustrante porque Paul W. S. Anderson já demonstrou anteriormente talento para lidar com cenários de ficção e fantasia com energia e estilo.
Entretanto, aqui, Anderson parece distante de suas qualidades autorais. Sua direção é genérica, sem alma, presa a convenções visuais já ultrapassadas e a um roteiro que não sabe o que fazer com o próprio material. O filme desperdiça a chance de explorar a densidade emocional de sua premissa e se afoga em efeitos visuais rasos e cenas de ação sem impacto.
O longa é um exemplo de como a forma pode sufocar o conteúdo especialmente quando a forma está tão desgastada. O filme não é apenas esquecível, é um lembrete de que nenhuma quantidade de CGI ou ambientação fantástica pode substituir o coração de uma boa narrativa: personagens bem desenvolvidos, conflitos significativos e direção.
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