CRÍTICA | BAILARINA
No universo brutal, estilizado e quase mitológico de John Wick, Bailarina surge como um spin-off ambicioso que tenta fundir a disciplina do balé com o caos. Dirigido por Len Wiseman e protagonizado por Ana de Armas como Eve Macarro, uma assassina treinada pela seita Ruska Roma, o filme promete muito, entrega ação até dizer chega, mas tropeça em suas próprias pretensões narrativas.
Bailarina acompanha a jornada de vingança de Eve, que, após o assassinato de sua família, embarca em uma espiral de violência, disciplina e catarse emocional. Ambientado entre os eventos de John Wick: Capítulo 3 e Capítulo 4, o longa aproveita o rico universo já construído e se ancora em figuras conhecidas como John Wick (Keanu Reeves), Winston (Ian McShane) e a Diretora (Anjelica Huston). Apesar disso, Bailarina tenta firmar sua própria identidade.
O roteiro, assinado por Shay Hatten, busca construir uma protagonista multifacetada ferida, resiliente e eficiente. Entretanto, Eve parece ser escrita mais como uma “projeção idealizada” de uma mulher fatal do que uma figura genuinamente complexa. Ana de Armas tem carisma de sobra e entrega o que pode com o material que recebe, mas o desenvolvimento de sua personagem peca por excesso de foco na estética e falta de substância.
Se Bailarina é inconsistente como drama psicológico, ao menos é um deleite visual. A cinematografia francesa, com seus tons frios e arquitetura imponente, serve como pano de fundo para sequências de luta elegantemente coreografadas, muitas das quais evocam a precisão de um pas de deux transformado em balé de sangue.
A abordagem física do combate é mais crua do que nos filmes centrais da franquia, refletindo a inexperiência da protagonista. Essa escolha de direção, coordenada por Stephen Dunlevy, funciona ao transmitir vulnerabilidade e realismo, ainda que ocasionalmente reduza o ritmo do filme.
A trilha sonora de Klaus Badelt é interessante e, em certos momentos, sublime sobretudo nas cenas que mesclam dança e violência, remetendo à tradição operística que permeia o universo John Wick. No entanto, a música também se torna invasiva em pontos onde o silêncio poderia falar mais alto. A tentativa de comover o espectador por vezes recorre ao óbvio, reduzindo o impacto de cenas que exigiam mais sutileza.
A presença de Keanu Reeves é mais decorativa do que essencial. O próprio John Wick parece inserido à força, funcionando mais como um símbolo de marketing do que como um pilar narrativo. Isso prejudica a fluidez do enredo, que já sofre com uma trama rasa e diálogos expositivos. Ainda assim, Bailarina entrega o que os fãs esperam em termos de ação, incluindo um confronto de cair o queixo com lança-chamas, lutas com picadores de gelo e execuções em passarelas teatrais.
Há quem imagine que Bailarina é a "Cinderela de John Wick", e há verdade nisso, a jovem órfã, treinada em segredo, que transforma sapatilhas em armas. Mas falta ao conto de fadas distorcido algo essencial, empatia. A personagem principal é eficiente, mas raramente cativa. Sua dor é mostrada, mas não sentida.
Bailarina é um filme estiloso, violento e repleto de energia, mas com pouca alma. Ele funciona como extensão visual do universo John Wick, com combates criativos e uma direção de arte impressionante, mas carece da profundidade emocional que sua premissa promete. Para quem busca adrenalina e coreografias, é um prato cheio. Para quem esperava um novo clássico do cinema de ação com peso dramático, resta apenas a frustração de uma coreografia belamente executada, mas vazia de propósito.
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