CRÍTICA | june e john
Luc Besson sempre foi um diretor que oscilou entre o espetáculo e a sensibilidade idiossincrática. De “O Quinto Elemento” ao intimista “Angel-A”, sua carreira é marcada por uma inquietação criativa que, por vezes, encontra eco no inesperado. “June e John”, seu novo longa que segundo rumores foi filmado em segredo com um iPhone durante o lockdown de 2020, representa justamente isso, uma tentativa deliberada de voltar às raízes da criação artística crua, despojada e, em certo sentido, romântica ainda que nem sempre bem-sucedida.
Na superfície, “June e John” parece mais um derivativo de amores à primeira vista e jornadas de autodescoberta, John (Luke Stanton Eddy), um funcionário oprimido pela rotina fria de Los Angeles, conhece June (Matilda Price), uma figura super vibrante que o leva para uma vida de transgressão, cor e caos. É um roteiro simples, quase esquemático, mas que Luc Besson utiliza como pretexto para uma experiência cinematográfica mais sensorial do que narrativa.
Filmado com celular e uma equipe reduzida, o longa adota um estilo "cinema de guerrilha" que resgata o espírito de liberdade e invenção dos primeiros filmes do diretor, como “Subway” ou mesmo “Le Dernier Combat”. As imperfeições técnicas, longe de comprometerem a obra, conferem-lhe uma crueza emocional que combina com o estado de exceção em que foi produzido, pleno lockdown pandêmico. Há, nisso, um valor histórico e estético que transcende o aparato.
Contudo, essa entrega ao estilo tem seu preço. A trama é uma mistura de “Bonnie & Clyde” com “La La Land” e pitadas de surrealismo pop, muitas vezes se perde em sua própria languidez. O romance entre os protagonistas é mais alegórico que palpável, mais ideia do que cerne. Matilda Price tem charme e uma presença bem marcante, mas sua June parece escrita para ser o arquétipo da "pixie dream girl, só que, com armas", enquanto John é um espectador da própria vida, salvo por conveniência de roteiro.
Luc Besson parece mais interessado em construir imagens icônicas do que em desenvolver personagens complexos. Cenas como o assalto impulsivo, os mergulhos nos motéis do deserto e o paraquedismo como metáfora de liberdade são belas, sim, mas também correm o risco de parecer colagens emocionais que não necessariamente se conectam em uma trajetória dramática consistente. Há muito charme visual, perucas, helicópteros, pores do sol californianos, armas, mas pouca substância emocional além da superficial.
O maior mérito de “June e John”, no entanto, está em seu contexto de criação. Não é um filme para ser lido apenas pelos seus méritos narrativos ou técnicos, mas como um gesto, um diretor consagrado, confinado por uma pandemia global, reencontra a paixão artesanal de contar uma história com o que tem à mão.
É impossível ignorar o paralelo com a própria jornada de John, preso à rotina opressora, ele redescobre a pulsação da vida ao lado de June. “June e John” é, nesse sentido, o filme mais pessoal de Luc Besson desde Angel-A; despretensioso, errático, mas carregado de autenticidade e desejo de expressão.
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