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CRÍTICA | A Longa Marcha: Caminhe ou Morra



Emergindo da fase distópica de Stephen King, escrita sob o pseudônimo de Richard Bachman, "A Longa Marcha: Caminhe ou Morra" chega aos cinemas como um drama tenso e surpreendente. O diretor Francis Lawrence, já experiente no universo de jovens aprisionados em jogos mortais após seu trabalho na saga "Jogos Vorazes", demonstra mais uma vez sua habilidade em traduzir para as telas um espetáculo de sobrevivência. O filme nos transporta para uma versão alternativa e desoladora da “América” dos anos 1970, onde um regime autoritário pacifica sua população marginalizada com um evento anual sádico, um verdadeiro circo de sangue projetado para testar os limites da resistência humana e da sanidade juvenil.

A premissa é terrivelmente simples e interessante. Cinquenta rapazes, cada um representando seu estado de origem, são convocados para uma competição anual: caminhar por uma longa estrada rural sem nunca diminuir a velocidade para menos de 5 quilômetros por hora. Se um competidor desacelera, recebe um aviso. Após três avisos, um pelotão de soldados que os acompanha o executa a tiros. O objetivo é ser o último homem de pé, uma meta que transforma uma simples caminhada em uma jornada psicológica brutal através do medo, da exaustão e da inevitabilidade da morte, evocando os horrores de um recrutamento militar forçado, como o da era do Vietnã, que tanto inspirou Stephen King.


O roteiro de JT Mollner concentra-se com acerto na dinâmica entre os competidores, transformando o que poderia ser uma narrativa estática em uma experiência cinematográfica de prender o fôlego. O coração do filme reside na amizade que floresce entre o sensível Ray Garraty, interpretado grandiosamente por Cooper Hoffman, e o otimista McVries, vivido por David Jonsson. Em um jogo onde cada homem luta por si, a aliança deles se torna um bastião de humanidade. As atuações da dupla são dignas de Oscar, conferindo uma mística poderosa a personagens cujos passados são apenas vagamente esboçados, provando que o vínculo entre eles é o verdadeiro motor da história.

Visualmente, o filme é uma conquista. O diretor Francis Lawrence e o diretor de fotografia Jo Willems enfrentam o desafio de tornar uma ação repetitiva em algo constantemente atraente. Com tomadas que frequentemente seguem os participantes em tracking para trás, a câmera os captura de frente, imersos em uma atmosfera sombria que os coloca em uma espécie de purgatório espiritual. O cenário é uma tapeçaria de uma américa decadente, com imagens que remetem a pobreza e o desespero e que levam as pessoas a buscar significado até mesmo no assassinato patrocinado pelo estado. A violência, quando ocorre, é explícita e impactante, servindo para pontuar o dano psicológico infligido aos sobreviventes a cada nova execução. 



Apesar de sua força, o filme apresenta pequenas falhas. A performance de Mark Hamill como o Major que comanda o evento é passada como excessivamente caricatural, um tom que destoa da crueza geral da obra. Além disso, o foco intenso na dupla principal significa que os sacrifícios de outros personagens no final da competição carecem do peso emocional que poderiam ter. O desfecho, embora intrigante, busca grandes viradas emocionais que talvez não se concretizem totalmente por uma falta de foco temático mais coeso nos momentos finais.

Mesmo com essas ressalvas, "A Longa Marcha: Caminhe ou Morra" se firma como uma das mais poderosas e angustiantes adaptações de Stephen King dos últimos anos. É um filme brutal, comovente e provocador, que deixa o espectador exausto e chocado. A obra consegue ser simultaneamente uma história de terror sobre a exaustão física e um drama profundo sobre a amizade e a busca pela humanidade em um mundo que parece ter perdido a sua. No final, fica a sensação de que a verdadeira longa marcha foi a jornada compartilhada e os laços forjados diante da opressão totalitária e da morte certa.

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