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crítica | A Vida de Chuck



A Vida de Chuck, dirigido por Mike Flanagan, é uma experiência cinematográfica rara que desafia categorizações fáceis, misturando elementos de ficção científica, drama e uma boa reflexão existencial com uma narrativa emocionalmente carregada. Baseado em uma novela de Stephen King, esta adaptação se apresenta como uma ousada exploração sobre a vida, a morte e o passar do tempo, contada através de uma estrutura fragmentada e não cronológica, como uma sinfonia. É um filme que deixa o público com mais perguntas do que respostas, mas de uma forma que convida à introspecção, e não à frustração.

A escolha de Flanagan de narrar o filme de forma inversa, começando pelo fim da vida de Chuck Krantz e voltando para a sua infância, permite que o público reúna lentamente o significado do homem no centro da história. A interpretação de Tom Hiddleston de Chuck, que aparece em várias fases de sua vida, é marcada por uma dignidade silenciosa e um pathos contido. É uma performance que ressoa de maneira mais profunda à medida que o filme revela lentamente a complexidade de seu personagem e o impacto que ele teve na vida das pessoas ao seu redor.

O primeiro movimento, ambientado em um mundo à beira do colapso, nos apresenta a uma sociedade que desmorona lentamente. Desastres se acumulam, as mudanças climáticas devastam o meio ambiente, a internet e a eletricidade desaparecem, e os fios que sustentam a civilização começam a se desgastar. No entanto, em meio ao caos, a figura de Chuck aparece em painéis publicitários misteriosos, sendo celebrada por “39 grandes anos”, embora ninguém saiba exatamente por quê. Essa presença enigmática alimenta boa parte da intriga do filme, preparando o terreno para as conversas reflexivas que se seguem, especialmente entre os dois personagens, Marty (Chiwetel Ejiofor) e Felicia (Karen Gillan), cujo tal diálogo ancora a primeira parte do filme. A atmosfera é impregnada com uma quietude sombria, pontuada por momentos de humor, que refletem a habilidade de Flanagan de equilibrar a escuridão com a humanidade.


À medida que a narrativa passa para o seu movimento intermediário, o filme toma um rumo surpreendente e mais leve. Uma dança espontânea entre Chuck e uma jovem desiludida (Annalise Basso) se torna o centro inesperado da história, uma explosão de alegria diante da incerteza. É um momento de vida vivida ao máximo, abraçando a natureza efêmera da existência. A cena é lindamente coreografada, com um ritmo que espelha os temas mais profundos do filme, como momentos pequenos, aparentemente insignificantes, que podem mudar o rumo de nossas vidas. A energia aqui contrasta com o tom sombrio da sequência inicial, mas funciona tematicamente, reforçando a ideia de que, mesmo em tempos de grande perda e colapso social, a conexão humana e momentos fugazes de felicidade são o que dão sentido à vida.

O movimento final, que explora a infância de Chuck e suas primeiras influências, adiciona profundidade emocional à história, ancorando as reflexões filosóficas em uma história pessoal. A interpretação de Mark Hamill como o avô de Chuck se destaca, oferecendo um raro momento de grande sabedoria. As interações entre Chuck e sua família revelam as origens de seu caráter, particularmente seu amor pela dança, que serve como uma metáfora para a alegria e liberdade que ele busca ao longo de sua vida. Flanagan usa este segmento para refletir sobre o passar do tempo, capturando a sensação de olhar para trás na juventude como um adulto, como momentos que antes pareciam eternos agora desaparecem em um piscar de olhos.

No entanto, por mais que o filme tenha sucesso em seus dois primeiros atos, o terceiro movimento, que tenta amarrar as diversas pontas soltas da vida de Chuck e do mundo apocalíptico ao seu redor, acaba tropeçando. Enquanto a paciência e a experimentação estrutural do filme continuam cativantes, a revelação da conexão de Chuck com os outros personagens do filme soa forçada demais. O mistério que havia sido tão atraente perde seu encanto quando é explicado de maneira muito explícita. Há uma tensão entre a qualidade abstrata e quase onírica do filme e a tentativa final de fornecer respostas concretas, e, nesse deslocamento, a narrativa perde parte de seu poder etéreo.


Apesar desses tropeços, o núcleo emocional do filme permanece intacto. A direção e o roteiro de Flanagan, combinados com um elenco de peso que inclui Hiddleston, Ejiofor, Gillan e Hamill, criam uma obra que se sente profundamente pessoal e universalmente ressonante. É um filme sobre a beleza da vida, a inevitabilidade da morte e os mistérios insondáveis que moldam nossa existência. A habilidade característica de Flanagan de evocar emoção, mesmo sem os elementos, brilha aqui, fazendo de “A Vida de Chuck” uma meditação sobre a mortalidade que é tão comovente quanto enigmática.

A Vida de Chuck pode não ser para todos, é um filme que exige paciência e envolvimento, pedindo ao público que abrace sua estrutura não convencional e sua ambiguidade temática. Mas para aqueles dispostos a se entregar ao seu ritmo, oferece uma experiência gratificante que persiste muito depois dos créditos finais. No fim, é um filme sobre a vida tanto quanto é sobre a inevitabilidade do seu fim, nos deixando a refletir, assim como a pergunta central do filme, se respostas realmente tornariam algo bom ainda melhor.

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