Crítica | O Telefone Preto 2
O Telefone Preto 2 surge como uma sequência improvável, mas surpreendentemente eficaz, de um dos filmes de terror mais elogiados de 2021. O longa, novamente dirigido por Scott Derrickson e escrito por C. Robert Cargill, poderia facilmente ter se tornado mais uma tentativa oportunista de capitalizar o sucesso do original, mas o que se vê é uma obra que, embora se inspire fortemente nas linguagens visuais e narrativas do terror dos anos 1980, encontra uma identidade própria ao misturar horror sobrenatural, trauma psicológico e uma estética onírica que beira o surrealismo. O resultado é uma continuação ousada e perturbadora, que entende o legado que carrega e tenta, de forma consciente, reinventá-lo.
Ambientado em 1982, o filme retoma a história de Finney, o jovem sobrevivente do assassino em série conhecido como The Grabber. Anos depois dos eventos do primeiro longa, ele tenta lidar com o trauma de ter enfrentado o monstro que aterrorizou uma cidade inteira. Mason Thames retorna ao papel, agora interpretando um adolescente raivoso, confuso e emocionalmente fragmentado. O personagem busca entorpecer suas dores, enquanto os ecos do passado o perseguem em forma de telefones que continuam a tocar, mesmo desconectados. No entanto, é sua irmã Gwen, vivida por Madeleine McGraw, quem assume o protagonismo. A jovem, assombrada por pesadelos e visões intensas, passa a receber mensagens do além, estabelecendo uma conexão sobrenatural com a própria mãe falecida e com as almas perdidas de crianças assassinadas.
As visões de Gwen conduzem a trama para um novo cenário, um acampamento isolado nas montanhas conhecido como Alpine Lake, onde o passado da mãe e as novas manifestações do Grabber parecem convergir. Essa mudança de ambiente é um dos elementos mais interessantes da sequência, pois rompe com a atmosfera claustrofóbica do original e insere os personagens em um espaço aberto, coberto por neve, mas paradoxalmente ainda mais opressivo. Derrickson transforma o branco da paisagem em um reflexo da morte e da ausência, explorando o silêncio gelado da neve como um contraponto à constante presença do mal. É nesse ambiente que a fronteira entre sonho e realidade se dissolve, e o terror ganha uma dimensão quase metafísica.
A estética do filme reforça esse caráter onírico. As sequências de sonho e visões são filmadas com textura granulada, evocando o aspecto de fitas caseiras dos anos 80, o que amplia o clima nostálgico e reforça a sensação de estar preso dentro de uma memória corrompida. O uso desse artifício é deliberadamente excessivo, mas eficaz: cada pesadelo de Gwen parece um fragmento de um filme amaldiçoado, e isso contribui para que o espectador sinta o mesmo desconforto e confusão que a protagonista experimenta. Em diversos momentos, Derrickson demonstra domínio técnico ao construir imagens que são ao mesmo tempo belas e horripilantes, como a cena em que o rosto de uma criança se parte em dois sob um vidro de janela ou a sequência em que Finney é cercado por espíritos perdidos em meio à neve.
Ethan Hawke, de volta como The Grabber, aparece não mais como um ser humano, mas como uma entidade, um pesadelo materializado. Sua presença é etérea e infernal, uma mistura entre demônio e lembrança, evocando a figura de Freddy Krueger, com quem o personagem compartilha a capacidade de invadir sonhos e transformar o medo em força. O vilão deixa de ser apenas um assassino para se tornar uma metáfora do trauma que nunca desaparece. Hawke assume esse novo papel com uma intensidade assustadora, equilibrando loucura e dor de forma hipnótica.
O grande mérito de “O Telefone Preto 2” está em conseguir ser ao mesmo tempo uma homenagem e uma reinvenção. O filme abraça a influência de clássicos como “A Hora do Pesadelo” e “Curtains”, mas não se limita à imitação. Derrickson e Cargill compreendem o funcionamento simbólico desses filmes e aplicam suas lições a uma narrativa que fala sobre fé, culpa e redenção. Há uma forte presença de elementos teológicos, em especial na figura de Gwen e nas discussões sobre o bem e o mal, que acrescentam camadas inesperadas à trama. O diretor não teme introduzir a fé como elemento dramático, criando um curioso contraste entre a espiritualidade e o horror brutal que domina a história.
O elenco contribui de forma decisiva para o equilíbrio entre terror e emoção. Madeleine McGraw entrega uma performance impressionante, expressando vulnerabilidade e coragem com naturalidade. Mason Thames, por sua vez, retrata com sensibilidade o trauma e a raiva reprimida de um sobrevivente, tornando Finney um personagem tridimensional e complexo. O veterano Demian Bichir adiciona peso à narrativa como o supervisor do acampamento, um homem dividido entre o ceticismo e a fé. Sua presença confere humanidade ao ambiente assombrado, e sua atuação traz uma gravidade que contrapõe o surrealismo das cenas de horror.
Ainda que o filme seja narrativamente mais ambicioso que o original, ele também é mais irregular. O segundo ato sofre com explicações excessivas, que interrompem o fluxo da tensão e diluem parte do mistério. Há momentos em que o roteiro parece se perder em sua própria mitologia, tentando justificar demais o inexplicável. No entanto, essas falhas não comprometem o resultado final, pois o filme sempre se recupera com cenas visualmente marcantes e emocionalmente intensas. O clímax, ambientado sobre o gelo, é um dos pontos altos, misturando terror físico e simbolismo religioso em um confronto visualmente encantador.
“O Telefone Preto 2” se diferencia de tantas continuações do gênero justamente por recusar a repetição mecânica. Derrickson e Cargill preferem expandir o universo da história em vez de apenas revisitar fórmulas já testadas. O resultado é uma obra que combina jump scare, com uma exploração profunda da dor, da fé e da culpa. É um filme sobre fantasmas no sentido literal, mas também sobre os fantasmas emocionais que perseguem os vivos.
Ao final, o espectador é deixado com a sensação de ter assistido a um pesadelo melancólico, onde o medo não se dissipa com o amanhecer. “O Telefone Preto 2” é um raro exemplo de sequência que honra o original, amplia sua mitologia e ainda encontra espaço para ser autoral. É uma experiência perturbadora, carregada de beleza sombria e densidade emocional, que reafirma Scott Derrickson como um dos poucos diretores contemporâneos capazes de unir horror e poesia em uma mesma tela.
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