crítica | Pisque Duas Vezes
Dirigido por Zoë Kravitz, “Pisque Duas Vezes” é uma ousada estreia na direção que entrelaça suspense psicológico, humor ácido e uma incisiva crítica social. O filme segue Frida, interpretada por Naomi Ackie, uma jovem ambiciosa que é convidada para uma ilha paradisíaca pertencente ao bilionário da tecnologia Slater King interpretado por Channing Tatum. O convite, inicialmente, parece ser uma oportunidade dos sonhos, mas rapidamente se transforma em um pesadelo de luxo, onde a opulência esconde segredos sinistros. Zoë Kravitz, mais conhecida por seu trabalho como atriz em The Batman, demonstra um domínio surpreendente da narrativa visual, usando uma cinematografia atmosférica que prende o espectador do início ao fim.
A ilha, com seu cenário de tirar o fôlego, é filmada de maneira a capturar tanto sua beleza quanto sua claustrofobia crescente. Zoë Kravitz utiliza o espaço para criar uma tensão impressionante, onde cada cenário, por mais luxuoso que seja, carrega uma sensação de perigo iminente. Essa dualidade entre o sonho e o pesadelo permeia o filme, com Frida navegando entre a admiração e a desconfiança. A personagem, que começa deslumbrada pela generosidade de Slater, logo percebe que a realidade é muito mais complexa e perturbadora do que aparenta. Naomi Ackie entrega uma performance poderosa, trazendo à tona a vulnerabilidade e a determinação de Frida, enquanto ela tenta desvendar os mistérios que a cercam.
Pisque Duas Vezes não é apenas um thriller psicológico, é também uma crítica mordaz ao mundo dos super ricos e às dinâmicas de poder que governam suas interações. Em uma atualidade onde questões de consentimento e abuso de poder estão constantemente em discussão, o filme se destaca por sua crítica social afiada. Slater King, traz um carisma especial de Channing Tatum, principalmente em uma cena específica com apenas duas palavras (I’m sorry) sendo repetidas várias vezes aumentando a tensão da cena, ele é o típico milionário encantador que esconde intenções perigosas sob uma fachada de filantropia e charme. A dinâmica entre Slater e Frida explora a tensão entre privilégio e vulnerabilidade, e como o poder pode corromper até as relações mais aparentemente inocentes.
A direção de Kravitz é estilisticamente audaciosa, mas não sem falhas. O roteiro, co-escrito por ela, começa com uma premissa intrigante e uma construção de mundo rica, mas, à medida que a trama avança, ela se enreda em sua própria complexidade. A narrativa, que inicialmente cativa com seu mistério e tensão, começa a perder o fôlego na segunda metade do filme. O ritmo torna-se irregular, e algumas das reviravoltas, embora impactantes, podem parecer previsíveis para espectadores mais experientes em thrillers. Contudo, esses deslizes não tiram o mérito do filme, que continua sendo uma obra esteticamente impecável e emocionalmente poderosa.
O uso da música e do som em Pisque Duas Vezes merece destaque. Kravitz seleciona uma trilha sonora que amplifica a atmosfera de tensão e isolamento da ilha. Cada nota parece cuidadosamente escolhida para aumentar a sensação de desconforto, enquanto os silêncios estratégicos criam momentos de pura ansiedade. Esse cuidado com o som, combinado com a cinematografia imersiva, eleva o filme, transformando-o em uma experiência sensorial completa.
Outro aspecto interessante do filme é a exploração das relações humanas sob pressão. Zoë Kravitz constroi personagens complexos que, à medida que o filme avança, revelam camadas inesperadas. O elenco de apoio, incluindo performances compactas mas eficazes de atores como Adria Arjona, Alia Shawkat, Haley Joel Osment e Christian Slater contribui para a riqueza do enredo, oferecendo perspectivas adicionais sobre o microcosmo de poder e privilégio que Kravitz critica. Cada personagem é um reflexo das diversas facetas da sociedade moderna, onde o poder se manifesta de maneiras sutis e nem sempre óbvias.
Pisque Duas Vezes é ousado e estiloso e se destaca como uma experiência única. Kravitz prova ser uma diretora talentosa, capaz de criar um filme que não só entretém, mas também provoca reflexão. Este é o tipo de filme que pode ganhar um culto de seguidores, especialmente entre aqueles que apreciam narrativas que desafiam a percepção da realidade. Se você está em busca de uma experiência que mistura suspense psicológico com uma dose saudável de mistério, "Pisque Duas Vezes" certamente merece um lugar na sua lista.
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