CRÍTICA | O Auto da Compadecida 2
A sequência de O Auto da Compadecida (2000), uma das maiores joias do cinema
brasileiro, chega aos cinemas com uma responsabilidade gigantesca: reviver os
amados personagens João Grilo (Matheus Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello) em
uma trama que inevitavelmente seria comparada ao clássico de Guel Arraes. O Auto
da Compadecida 2 se inscreve em uma longa lista de continuações que, apesar de
divertidas, não conseguem escapar da sombra do primeiro filme.
Em sua essência, a trama parece seguir a receita já conhecida, a dupla de
espertinhos volta a se envolver em situações absurdas e hilárias, com João Grilo
retornando à cidade de Taperoá, agora tratado como um ícone após ser
“ressuscitado” milagrosamente. Ao lado de Chicó, ele se vê envolvido nas tensões
políticas locais, especialmente em uma eleição para prefeito. Mas, por mais que a
história se reconecte com elementos do filme original, o que deveria ser uma
atualização tão esperada, se torna um reflexo de si mesma, sem ousadia ou frescor.
O maior problema de O Auto da Compadecida 2 está na sua dependência excessiva
do prestígio da obra original. O filme se alimenta da nostalgia com inúmeros
flashbacks, mas oferece pouco em termos de inovação. Em vez de seguir em frente
com novos desafios, o roteiro se enrola em uma trama previsível, onde o grande
destaque são os diálogos e as interpretações dos atores, que, por mais que sejam
interessantes, não conseguem esconder a falta de aprofundamento. A direção de
Guel Arraes e Flávia Lacerda, apesar de habilidosa, não consegue contornar a
artificialidade de uma produção que abusa do CGI e da dublagem, criando um
contraste estranho entre a teatralidade e a modernidade digital.
As atuações, no entanto, são o ponto forte da produção. Selton Mello mantém-se fiel
a Chicó, mas com um toque de maturidade que traz novos matizes ao personagem.
Matheus Nachtergaele, por sua vez, reafirma sua conexão intrínseca com João
Grilo, entregando uma performance que se destaca, inclusive em momentos em que
o personagem se reinventa. Ao lado de outros nomes como Fabiula Nascimento,
Luís Miranda e Eduardo Sterblitch, o elenco se destaca por sua competência e
química, especialmente nas cenas de comédia mais afiadas.
Do ponto de vista estético, o filme também apresenta um belo trabalho de design de
produção, que mescla elementos do realismo mágico com a teatralidade, criando um
cenário encantador. No entanto, é impossível ignorar o excesso de referências e a
edição frenética que, em certos momentos, parece tentar imitar a energia do original
sem conseguir reproduzir sua essência.
O Auto da Compadecida 2 é uma continuação que, embora divertida, se perde em
sua tentativa de homenagear o primeiro filme sem oferecer algo novo. O caráter
metalinguístico e as revivências de cenas anteriores, ao invés de aprofundar a
trama, acabam por ressaltar a fragilidade da proposta. A nostalgia não é suficiente
para esconder os problemas estruturais de um roteiro previsível e de uma direção
que, apesar de competente, não ousa arriscar. Por mais que o retorno a esse
universo seja bem-vindo para muitos, fica claro que o legado do primeiro filme segue
intacto, enquanto a sequência, embora agradável, não é indispensável.
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