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Crítica | Emilia Pérez


O longa "Emilia Pérez", dirigido por Jacques Audiard, é um musical ousado e estilizado que mistura drama, sátira e uma boa dose de absurdo. Ambientado em um México “europeu”, com a história de um líder de cartel que passa por uma transição de gênero para escapar de seu passado, o filme busca explorar temas como redenção, identidade e poder. No entanto, apesar de seus momentos de brilho visual e atuações memoráveis, o longa sofre com inconsistências temáticas e abordagens questionáveis sobre questões sensíveis. 

A trama segue Manitas Del Monte (Karla Sofía Gascón), um líder de cartel temido que decide abandonar sua vida de crimes, mudando de identidade para se tornar Emilia Pérez. Para isso, ele contrata a advogada Rita (Zoe Saldaña), que se vê envolvida em uma missão que inclui cirurgias de redesignação de gênero e a criação de uma nova identidade legal. A narrativa se desenrola como uma ópera narcótica, onde números musicais elaborados, como a consulta com um cirurgião plástico em Bangkok, contrastam com os momentos mais íntimos de introspecção.

Jacques Audiard, conhecido por explorar vidas marginalizadas, aplica sua sensibilidade habitual a uma história que parece fugir ao seu domínio. Embora consiga integrar sequências musicais grandiosas sem perder a fluidez da narrativa, a abordagem exagerada e teatral muitas vezes subverte a profundidade emocional que o filme espera passar.

A direção de Audiard é marcada por um estilo visual deslumbrante. As recriações da cidade do México, filmadas em estúdios parisienses, oferecem um ambiente fantasmagórico que mistura o artificial e o natural. A cinematografia de Paul Guilhaume, repleta de contrastes de luz e escuridão, enfatiza a tensão entre a opulência e a violência que permeiam o universo do filme. Sequências coreografadas, como o número de Rita com um conjunto de enfermeiras girando pacientes, lembram a grandiosidade de espetáculos da Broadway, mas também evidenciam o exagero que pode alienar o público sobre uma temática tão sensível e importante.


Karla Sofía Gascón é o destaque do elenco, entregando uma performance multifacetada que explora as contradições de Emília, uma busca sincera por redenção misturada à persistência de traços manipuladores e violentos. Zoe Saldaña traz intensidade como Rita, uma advogada cínica que gradualmente questiona sua moralidade, enquanto Selena Gomez, embora subutilizada como Jessi, adiciona uma camada de vulnerabilidade à história. Adriana Paz também merece menção como Epifanía, cuja presença discreta contrasta com o espetáculo em torno dela.

Apesar de sua ambição, o filme tropeça em sua abordagem de temas complexos como transição de gênero e violência. Audiard tenta afirmar a feminilidade de Emília, mas frequentemente recai em estereótipos que reduzem sua jornada a um artifício narrativo. A transição de gênero, em vez de ser explorada com nuance, é tratada como um instrumento para reforçar a transformação moral da protagonista, o que pode parecer insensível ou simplista.

Além disso, o uso do narcotráfico como pano de fundo é problemático. A narrativa explora os efeitos colaterais da violência de forma superficial, priorizando o espetáculo sobre uma análise mais profunda das causas e consequências desse problema real. Essa abordagem, combinada com o distanciamento cultural do diretor, levanta questões sobre a legitimidade da representação e a exploração de narrativas latinas por um olhar estrangeiro.


Emilia Pérez também possui momentos de beleza e criatividade que merecem reconhecimento. A fusão entre musical e melodrama é corajosa, e os números musicais são visualmente impactantes. A performance de Gascón, em particular, adiciona um peso emocional que ajuda a ancorar o filme em meio ao caos estilizado.

No final das contas, Emilia Pérez é um filme visualmente marcante e narrativamente ousado, que busca combinar o espetáculo do musical com um drama de redenção e identidade. No entanto, sua abordagem exagerada e, por vezes, insensível aos temas que propõe explorar, enfraquece seu impacto emocional. Embora conte com atuações poderosas, principalmente de Karla Sofía Gascón, e uma direção estilizada de Jacques Audiard, o filme tropeça ao tratar questões complexas de maneira superficial. Ainda assim, sua ambição estética e narrativa faz com que Emilia Pérez seja uma experiência intrigante, mesmo que desigual.

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