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CRÍTICA | Sing Sing



"Sing Sing", dirigido por Greg Kwedar, é um filme intrigante e poderoso que desafia as convenções dos dramas carcerários ao explorar o impacto transformador da arte. Inspirado no programa real Rehabilitation Through the Arts (RTA), que oferece teatro para presidiários da unidade de segurança máxima de Sing Sing, o filme mistura ficção e realidade ao escalar ex-detentos no elenco e construir uma narrativa profundamente humanizada.

O filme acompanha John “Divine G” Whitfield (Colman Domingo), um homem condenado injustamente que se tornou peça-chave no programa de teatro da prisão. Ele encontra uma nova motivação ao conhecer Clarence “Divine Eye” Maclin (interpretado pelo próprio ex-presidiário Clarence Maclin), um novato no grupo que traz uma energia inquieta e desafiadora. O relacionamento entre os dois forma o coração do filme, onde o teatro não é apenas uma distração da brutalidade do sistema carcerário, mas um caminho para a reconstrução da identidade e da dignidade.


A chegada de Divine Eye gera atritos no grupo, especialmente quando ele questiona a predominância do drama nas peças e propõe algo mais leve e escapista. O resultado é uma peça original, Breakin’ The Mummy’s Code, uma mistura de comédia e teatro clássico que se torna um símbolo de liberdade e expressão para os detentos. O filme acompanha os ensaios e as dificuldades emocionais do elenco, culminando na noite de estreia, um momento de catarse e transformação para os personagens.

Colman Domingo entrega uma das performances mais memoráveis do ano, trazendo profundidade e carisma para Divine G. Seu amor pelo teatro é genuíno, e sua interpretação do monólogo de Hamlet ressoa como um grito silencioso por liberdade. No entanto, seu personagem, apresentado como um mentor quase místico e imaculado, destoa um pouco do tom realista do restante do elenco, especialmente em comparação com Clarence Maclin, cuja atuação crua e autêntica reforça o impacto do filme.

Paul Raci, indicado ao Oscar por “O Som do Silêncio”, interpreta Brent Buell, o coordenador do programa de teatro. Sua atuação discreta, mas firme, equilibra os momentos de tensão e permite que os detentos brilhem no palco. Greg Kwedar adota uma estética quase documental, permitindo que as cenas se desenrolem com naturalidade e espontaneidade. Há uma clara influência do realismo britânico, onde o improviso e a observação detalhada substituem as narrativas rigidamente estruturadas de Hollywood. O resultado é uma experiência cinematográfica marcante, que se recusa a cair nos clichês do "filme de redenção" e mantém um compromisso admirável com a autenticidade.


A fotografia de Pat Scola (Um Lugar Silencioso: Dia Um) contribui para essa sensação de realismo, com uma paleta de cores sóbria e uma câmera que captura os momentos íntimos dos detentos sem glamourizá-los. A trilha sonora de Bryce Dessner (The National) e da London Contemporary Orchestra adiciona camadas emocionais sutis, sem recorrer a manipulações sentimentais.

Mais do que um filme sobre a prisão, "Sing Sing" é um testamento ao poder da arte como ferramenta de transformação. A presença de um elenco formado majoritariamente por ex-presidiários reforça essa mensagem, tornando a obra um exemplo vivo daquilo que ela representa. A decisão de incluir o verdadeiro Divine G em uma participação especial adiciona ainda mais camadas à experiência.

Apesar de seu tom impactante, o filme não ignora as realidades brutais do sistema prisional. Há momentos de tensão, injustiça e desespero, mas a abordagem de Kwedar evita o sensacionalismo e opta por um olhar mais humanista.

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