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CRÍTICA | PRESENÇA: O FILME

O novo filme de Steven Soderbergh, Presença, desafia convenções ao contar uma história de fantasma inteiramente sob o ponto de vista do espírito. O resultado é uma experiência imersiva e singular, onde o espectador se torna o próprio fantasma, observando silenciosamente uma família disfuncional enquanto eventos misteriosos se desenrolam.

Com roteiro de David Koepp, veterano de Hollywood responsável por sucessos como “O Quarto do Pânico” e “Ecos do Além”, o longa se posiciona menos como um terror tradicional e mais como um drama psicológico e metafísico sobre moralidade, redenção e a natureza da existência pós-morte.

Desde os primeiros minutos, o filme estabelece sua perspectiva única: a câmera assume o papel do espírito, flutuando por uma casa vazia antes que uma nova família, os Payne, se mude para lá. Esse olhar fantasmagórico não apenas guia a narrativa, mas também se torna um personagem por si só, cuja consciência vai se expandindo conforme interage com os vivos.

A família é composta por Rebecca (Lucy Liu), uma executiva pragmática e pouco afetuosa; Chris (Chris Sullivan), um marido gentil e passivo; Tyler (Eddy Madday), o filho arrogante e insensível; e Chloe (Callina Liang), a adolescente introspectiva, lidando com o luto da perda de sua melhor amiga. Chloe é a primeira a perceber a presença do espírito, sentindo sua energia antes mesmo de vê-lo.

A interação entre a presença invisível e os vivos é construída de forma cuidadosa, sem recorrer a sustos fáceis ou efeitos exagerados. O terror aqui é mais psicológico, baseado na atmosfera de tensão crescente e no modo como o espírito afeta e é afetado pelas dinâmicas familiares.

Soderbergh, que também opera a câmera, entrega um filme minimalista e altamente estilizado. O uso da câmera subjetiva não é apenas uma escolha estética, mas uma ferramenta narrativa essencial. A sensação de fazer parte é desconfortável, fazendo com que o público se sinta tanto um observador impotente quanto um agente oculto da trama.

As cenas são intercaladas por cortes secos e apagões, reforçando a fragmentação da experiência do espírito. A direção é econômica, priorizando diálogos distantes e composições que mantêm o espectador em constante expectativa. A trilha sonora, discreta e evocativa, complementa essa abordagem, criando momentos de pura inquietação.

Apesar da premissa sobrenatural, Presença é, acima de tudo, um drama sobre culpa e responsabilidade. O roteiro de Koepp sugere que a presença não é apenas um fantasma aleatório, mas um espírito ligado diretamente à casa ou à família. A questão central não é apenas quem ou o que é esse espírito, mas por que ele está ali e qual é seu papel nesse drama familiar.

Rebecca, por exemplo, esconde segredos financeiros e tem atitudes moralmente questionáveis. Chloe, ainda em luto, encontra no espírito uma conexão invisível que a ajuda a enfrentar sua dor. A família Payne não é apenas vítima de uma assombração, mas de suas próprias escolhas e comportamentos. O espírito, ao invés de apenas aterrorizar, também julga, protege e influencia os vivos.

A metáfora é clara: os fantasmas que assombram essa casa não são apenas sobrenaturais, mas também psicológicos e emocionais. Apesar da originalidade, Presença não é um filme sem falhas. O drama conjugal entre Chris e Rebecca, assim como a natureza dos negócios obscuros de Rebecca, é tratado de forma superficial, sugerindo que algumas cenas podem ter sido cortadas para manter o ritmo do filme.

Além disso, há uma inconsistência na atuação do espírito: em determinados momentos, ele age para ajudar Chloe, mas, em outro ponto crítico, ele não intervém da mesma forma, levantando questões sobre sua lógica interna. Se o espírito tem algum tipo de influência, por que não agir de maneira mais coerente ao longo da trama?

O filme também pode frustrar quem espera um terror mais direto ou explicações convencionais. Ele não se preocupa em entregar respostas fáceis, deixando algumas questões em aberto e se apoiando em sua atmosfera e simbolismo. Presença não é um terror típico e pode não agradar a quem busca sustos tradicionais. No entanto, é um filme fascinante, que desafia a gramática do gênero ao apresentar uma história de fantasma narrada pelo próprio fantasma (mesmo sem dizer uma palavra).

Soderbergh conduz a trama com elegância, criando um estudo sobre culpa, luto e moralidade que se desenrola com paciência e sofisticação. Seu minimalismo pode parecer frio para alguns, mas, para aqueles dispostos a mergulhar na proposta, Presença oferece uma experiência única e intrigante.

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