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CRÍTICA | INVENCÍVEL


Dirigido por Jon Gunn e baseado no livro de memórias de Scott LeRette, “Invencível” é, acima de tudo, uma obra de intenções nobres. Tenta, com zelo, tocar corações, promover empatia e retratar com respeito a vida de uma criança que convive com autismo e osteogênese imperfeita. Porém, entre o desejo sincero de inspirar e a execução narrativa confusa, o filme tropeça na própria ânsia de emocionar e, em vez de nos deixar tocados, frequentemente nos deixa entorpecidos.

O protagonista, Austin (vivido com brilho e energia contagiante por Jacob Laval), é um garoto vibrante, cheio de vida, excêntrico em seus gostos e reações, que nos ganha logo nas primeiras cenas. Seja ao repetir entusiasmado suas frases favoritas sobre molho ranch ou ao caminhar com um chapéu de bobo da corte que desafia qualquer código social da infância, Austin é encantador justamente por ser fiel a si mesmo. E talvez o maior acerto do filme seja esse: nunca tenta “consertá-lo” ou apresentá-lo como um projeto a ser normalizado. Ele é quem é, e ponto. Nesse aspecto, “Invencível” acerta ao dar a Austin protagonismo emocional mesmo quando a narrativa insiste em desviá-lo para os dilemas adultos ao seu redor.

Zachary Levi interpreta o pai, Scott LeRette, um vendedor de dispositivos médicos emocionalmente instável, que afunda no álcool como válvula de escape para lidar com os desafios da paternidade. É um papel que exige vulnerabilidade e contradição, mas Levi, apesar do carisma natural, se mostra hesitante quando a trama exige profundidade. Seu Scott parece mais um amontoado de traços problemáticos, vício, insegurança, fuga em fantasia, do que um ser humano em transformação crível. A presença de um amigo imaginário, Joe (Drew Powell), reforça essa construção fantasiosa, porém pouco impactante, e se aproxima mais da pieguice do que do misticismo sutil que talvez o roteiro almejasse.

Já Teresa, a mãe vivida por Meghann Fahy, é retratada com afeto, mas pouco desenvolvida. Sua trajetória é apagada frente ao drama do marido, e suas reações incluindo o momento em que joga vinho na pia ou consola Scott após suas recaídas servem mais como marcações de enredo do que como janelas para sua própria complexidade. A personagem está ali para “aguentar” e “cuidar”, e o filme parece confortável com essa função limitada.

O principal problema de “Invencível” é seu foco narrativo disperso. O título promete um filme sobre Austin e suas experiências, suas descobertas, seu ponto de vista especial sobre o mundo. Porém, grande parte do tempo é gasta com a crise do pai: sua dificuldade em aceitar, seu alcoolismo, seu ego ferido. O roteiro quer contar a história da criança, mas não consegue se desvencilhar do drama do adulto. Em vez de um olhar verdadeiro sobre uma infância atípica, o que temos é mais um estudo sobre a redenção do homem comum diante da adversidade, o que já vimos em dezenas de dramas inspiracionais norte-americanos.



Ainda assim, há beleza nas pequenas coisas. A relação entre Austin e seu irmão Logan (Gavin Warren) é terna e bem capturada, embora pouco explorada. Logan é um exemplo da criança neurotípica muitas vezes esquecida na equação familiar quando há um irmão com necessidades especiais, e sua lealdade e empatia são comoventes. Uma pena que o roteiro o utilize mais como reforço do drama paterno do que como sujeito com dilemas próprios.

A estética do filme é a esperada em produções com selo de fé: paleta clara, cortes suaves, trilha sonora emocionalmente manipuladora e metáforas visuais, como o kintsugi, arte japonesa de reparar cerâmica com ouro. Mas enquanto essa imagem poderia ser poética, aqui soa mecânica, forçada. Falar de consertos e imperfeições é útil quando há rachaduras a serem trabalhadas; no caso de Austin, ele é inteiro desde o começo e é isso que o torna inspirador.

A tentativa de inserção de elementos animados ou recursos visuais estilizados como cenas que remetem à imaginação fértil de Austin oferecem momentos breves de inventividade, mas não sustentam o ritmo nem o tom da obra. O filme se contenta demais em ser um amontoado de momentos atraentes, diálogos explicativos e soluções fáceis para dilemas difíceis. O alcoolismo de Scott é resolvido com uma epifania conveniente; a internação de Austin após um episódio de agressividade se encerra com uma volta ao lar sem consequências reais.

Há, no entanto, um mérito indiscutível: Invencível jamais pinta o autismo ou a deficiência óssea como uma “maldição” ou algo que precise ser superado. Austin é amado, respeitado e valorizado por quem é, e não apesar de suas condições. Isso, por si só, o coloca acima de muitos outros filmes que, embora bem intencionados, tropeçam em caricaturas capacitistas ou em sentimentalismos que desumanizam sob o pretexto de inspirar

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