Crítica | A Lenda de Ochi
É impossível assistir A Lenda de Ochi sem lembrar da estética meticulosamente simétrica de Wes Anderson e da fórmula emocional consagrada por Steven Spielberg, onde crianças se conectam com criaturas fantásticas em jornadas de amadurecimento. Dirigido com sensibilidade e uma dose de estranheza autoral, o filme se estabelece como uma fábula ecológica melancólica, marcada por visuais encantadores e uma narrativa que prioriza o simbolismo à explicação.
A trama gira em torno de Yuri, vivida com intensidade por Helena Zengel, já conhecida por Relatos do Mundo. Aqui, ela entrega uma protagonista introvertida, mas profundamente determinada, que embarca numa jornada que mistura redenção familiar, conexão com a natureza e a clássica missão de devolver uma criatura mágica ao seu lar. É a estrutura básica da "jornada do herói", mas revestida de uma atmosfera peculiar, entre o conto de fadas sombrio e o realismo mágico.
O design dos Ochi – especialmente o bebê da espécie – é um dos grandes acertos do longa. A aposta em efeitos práticos confere ao filme um charme retrô, evocando produções dos anos 90 e fugindo da estética digital saturada do cinema contemporâneo. O pequeno Ochi, com seu olhar expressivo e design que remete diretamente ao Grogu (o "Baby Yoda"), é irresistível e parece feito sob medida para conquistar corações — e, em outro contexto, estampar prateleiras de brinquedos.
Willem Dafoe, como o pai de Yuri e caçador convicto dos Ochi, traz a sua habitual presença cênica perturbadora. Seu personagem, dividido entre o dever e o afeto, encarna as contradições de uma geração que cresceu com medo do desconhecido e reluta em abraçar a mudança. Já Finn Wolfhard, apesar de seu nome de peso, aparece pouco e tem função quase decorativa na trama, um “coadjuvante de luxo” que parece subaproveitado.
O maior risco de A Lenda de Ochi está justamente naquilo que pode se tornar sua maior virtude: o fato de não se explicar por completo. O roteiro opta por uma condução contemplativa, por vezes lenta, deixando pontas soltas e encerrando sua narrativa de forma abrupta, quase como se dissesse ao espectador: “a história que importava era essa, o resto não interessa”. Isso pode afastar um público mais convencional, mas certamente agradará aqueles acostumados ao cinema de autor e aos filmes que preferem sugerir do que concluir.
A Lenda Ochi não é um filme para todos — e talvez nem queira ser. Com uma estética artesanal, uma mensagem ambiental poderosa e uma protagonista cativante, deve encontrar abrigo entre os fãs de cinema indie e de fantasia poética. Seu destino é o de se tornar um pequeno cult, daqueles que são descobertos com carinho e guardados com afeto por um público fiel.
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