CRÍTICA | PREMONIÇÃO 6: LAÇOS DE SANGUE
Quatorze anos depois do último confronto do ser humano com a inescapável morte, a franquia Premonição retorna do além com Laços de Sangue (Final Destination: Bloodlines) e para surpresa de muitos, o resultado é não apenas um revival à altura do legado, mas talvez o capítulo mais emocionalmente denso e esteticamente engenhoso da série. Sob direção de Adam Stein e Zach Lipovsky, o filme equilibra com rara precisão o sadismo cômico de suas mortes criativas com uma abordagem mais sombria e madura da finitude, algo que não se esperava de uma saga que já matou personagens com trampolins, churrasqueiras e banheiras.
A proposta de reinvenção é anunciada desde o título. “Laços de Sangue” não reúne um grupo aleatório de adolescentes sortudos e azarados: centra-se em uma família, marcada por uma linhagem amaldiçoada desde os anos 1960, que por algum motivo jamais deveria ter existido. A premonição inicial como de praxe, um balé destrutivo e angustiante leva a uma mudança de paradigma, a morte não está apenas corrigindo falhas do destino, mas agora parece empenhada em eliminar raízes inteiras.
Esse enfoque mais genealógico e menos casual confere ao longa uma estranha solenidade. Ainda há espaço para os elaborados espetáculos de carnificina (e o público que vá preparado para nunca mais entrar em elevadores de vidro ou fazer uma tatuagem com tranquilidade), mas há também uma subcorrente emocional inesperadamente comovente. O exemplo mais marcante é a participação de Tony Todd, eterno mensageiro sombrio da franquia, em sua despedida póstuma como William Bludworth. O momento em que Todd, visivelmente fragilizado, improvisa um discurso final sobre vida e morte, é o coração pulsante de um filme que ousa sugerir que há beleza, não só horror, no fim inevitável.
Stein e Lipovsky se divertem com os medos modernos e a arquitetura do cotidiano transformando objetos banais em agentes de extermínio com uma criatividade digna de vilões dos Looney Tunes, mas com consequências fatais. A famosa “sequência de armadilha” (o prato principal de qualquer Premonição) aqui é tratada quase como uma coreografia cínica, um espetáculo de tensão e humor ácido, mais refinado do que grotesco. O tom, no entanto, nunca escorrega para o deboche puro, um risco constante em franquias que flertam com o absurdo. Há sempre uma consciência do impacto psicológico e físico das perdas retratadas, mesmo que elas venham seguidas de aplausos involuntários da plateia.
O novo elenco, liderado por Brec Bassinger, Kaitlyn Santa Juana e Teo Briones, entrega atuações eficientes dentro da cartilha da franquia, são jovens carismáticos, suficientemente complexos para não parecerem descartáveis, mas não a ponto de distrair do verdadeiro protagonista: a Morte. A química entre eles é natural e a tensão entre sobrevivência e sacrifício permeia seus diálogos, ainda que por vezes o roteiro escorregue em clichês expositivos. No entanto, o saldo é positivo, os personagens têm astúcia, e suas tentativas de burlar o destino são movidas não apenas por medo, mas por amor, um detalhe que ressignifica o tom do filme.
Visualmente, Laços de Sangue é um avanço considerável para a série. A fotografia trabalha com uma paleta que foge dos tons lavados habituais dos thrillers adolescentes, e adota uma estilização quase expressionista nas cenas mais surreais. A sequência hospitalar é um exemplo particularmente eficaz de como Stein e Lipovsky entendem o potencial estético do horror: há beleza no macabro, ordem no caos. E a trilha sonora, embora discreta, pontua bem os momentos chave, sem jamais se sobrepor à ação.
A decisão de usar um “tom investigativo”, com os personagens tentando decifrar a lógica da Morte (como se isso fosse possível), adiciona um charme metalinguístico ao filme. Em certo momento, parece que os próprios roteiristas estão refletindo sobre os limites da franquia sobre o que ainda é possível dizer, surpreender e reinventar quando todos já sabem que o final será, invariavelmente, a morte.
E é aí que Laços de Sangue triunfa: ao não evitar essa certeza, mas abraçá-la com lirismo. Sim, os espectadores vão rir das mortes improváveis. Sim, vão se esconder atrás das mãos em momentos de pura tensão e posteriormente ter pesadelos. Mas sairão da sala também com uma pontada de melancolia um lembrete de que o terror mais duradouro não está em como vamos morrer, mas no que fizemos com o tempo que tivemos antes disso.
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