Crítica | O Esquema Fenício
O filme gira em torno de Zsa-Zsa Korda (Benicio del Toro), um magnata ambicioso que, após sobreviver a uma série de tentativas de assassinato, se vê forçado a preparar sua filha, Liesl (Mia Threapleton), para assumir o império familiar. O seu “Esquema Fenício” envolve uma série de projetos de infraestrutura gigantescos, como túneis e hidrovias, que são tão desconexos quanto as negociações que Korda tenta fechar com um elenco de figuras excêntricas e imorais. O problema central, no entanto, não está apenas na confusão das negociações ou nas conspirações políticas, mas na falha de Korda em conectar-se com a única coisa que realmente importa, sua filha e, por extensão, sua própria humanidade.
Ao longo de sua jornada, Korda é acompanhado por uma série de personagens bizarros, como o tio assassino (Benedict Cumberbatch), a prima de moral flexível (Scarlett Johansson), e o curioso tutor sueco Bjorn (Michael Cera), que faz um dos desempenhos mais marcantes do filme. Porém, enquanto a trama se desenrola com um ritmo cadenciado, é difícil não perceber que, para além dos momentos de comédia e diálogos espirituosos, o cerne da narrativa perde um pouco de sua força.
Em termos estéticos, “O Esquema Fenício” é inegavelmente esplêndido, Wes Anderson traz uma simetria perfeita, cenários de cores bem vibrantes e uma mise-en-scène quase teatral. No entanto, algo está faltando. O nível de detalhe visual presente em seus filmes anteriores como em “O Grande Hotel Budapeste” ou “O Fantástico Senhor Raposo” não se reflete com a mesma intensidade aqui. Embora o filme tenha algumas composições visuais brilhantes, como uma sequência aérea de um banheiro meticulosamente arrumado, a sensação de novidade e encanto visual se esvai um pouco, dando lugar a uma sensação de repetição. Parece que Wes Anderson, consciente de sua própria estética, opta por não ultrapassar os limites da excentricidade visual como fazia antes, talvez por uma escolha intencional de focar mais nas relações interpessoais e na psicologia dos personagens.
Benicio del Toro, interpretando Zsa-Zsa Korda, parece desconectado emocionalmente de sua própria criação. Sua performance fria, quase impassível, é intencionalmente enigmática, sugerindo que, por mais que ele seja o protagonista, o filme está mais interessado em sua própria reflexão do que em sua resolução. O conflito interno de Korda, alguém que passou a vida perseguindo poder e riquezas, mas se encontra vazio e distante de sua filha, é, sem dúvida, o núcleo emocional da obra. No entanto, o dilema de Korda, a busca por redenção enquanto lida com as consequências de uma vida inteira de decisões egoístas não é tão explorado quanto poderia ser. Isso se torna ainda mais evidente nas sequências oníricas em que Korda enfrenta uma espécie de julgamento celestial, com a participação de Bill Murray como Deus. Estas imagens, ainda que fascinantes visualmente, acabam por não fornecer a profundidade filosófica que Wes Anderson parecia sugerir.
Em contraste, a jovem Mia Threapleton brilha como Liesl. Ela traz uma sensibilidade e humanidade que Korda falta, sendo um contraponto necessário ao caos ao seu redor. Ela representa o antídoto à obsessão do pai por poder, simbolizando uma esperança que, talvez, Korda nunca tenha percebido ser possível.
A comédia de “O Esquema Fenício” é peculiar, como de costume. Há uma leveza irreverente nas situações absurdas, mas também uma ironia que toca em questões existenciais sérias, como a busca por um legado e a futilidade de acumular riquezas sem um propósito maior. A forma como o filme brinca com o absurdo dos negócios com suas negociações e contratos que mais parecem um jogo infantil de esconde-esconde é parte do charme, mas também um reflexo do vazio do próprio mundo que Korda habita.
A presença de astros como Tom Hanks, Willem Dafoe e Scarlett Johansson, apesar de agregar um toque de familiaridade e de um brilho hollywoodiano, parece quase desnecessária. Seus personagens são meros coadjuvantes na trama, e as atuações parecem um tanto vazias, como se os atores estivessem apenas cumprindo seus papéis sem muito compromisso. Em contraste, Michael Cera, como o tutor Bjorn, consegue entregar uma das melhores atuações do filme, abraçando o tom excêntrico de Wes Anderson com uma mistura de vulnerabilidade e humor.
O Esquema Fenício é, sem dúvida, um filme de Wes Anderson, completo com seu estilo visual inconfundível e seu humor peculiar. No entanto, embora seja agradavelmente assistível e cheio de charme, falta um pouco da profundidade e complexidade que vimos em alguns de seus trabalhos anteriores. A trama, embora interessante, não tem a mesma intensidade emocional de outros trabalhos semelhantes de Wes, e o caráter filosófico do filme acaba se perdendo nas camadas de comédia e absurda burocracia corporativa. O filme é divertido, sim, mas também nos deixa com a sensação de que, por trás de suas piadas e sequências meticulosamente coreografadas, existe uma reflexão mais profunda que Anderson opta por não explorar plenamente.
Se você é fã do estilo único de Wes Anderson, certamente encontrará prazer em “O Esquema Fenício”. Mas se espera uma obra-prima tão marcante quanto suas anteriores, talvez seja melhor baixar as expectativas. O filme é mais uma conversa com o próprio cineasta sobre o sentido da vida e da paternidade do que uma história transformadora. E, no final das contas, isso pode ser mais do que suficiente.
Deixe o seu comentário